Revista de Imprensa
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Sessão de Avaliação da UNIV
dia 3 - 12.30
Sessão Formal de Encerramento
dia 3 - 14.00
Almoço de confraternização com UNIVs de 2003, 2004 e 2005
A União Europeia: Desafios e Oportunidades
 
Dep. Carlos Coelho
Vamos dar início à nossa sessão sobre a União Europeia, desafios e oportunidades.

Temos connosco o Dr. Durão Barroso. O JUV, que é o nosso Jornal Diário, trazia na sua primeira página da edição de ontem à noite, a pergunta óbvia que é: Quem melhor do que o Dr. Durão Barroso para nos falar sobre a Europa? É para nós um prazer receber o Presidente da Comissão Europeia, e uma honra a sua participação nesta Universidade de Verão, mas, para lá do privilégio de termos o Presidente da Comissão Europeia a falar-nos sobre a Europa, há também uma razão especial que o JUV não ignorou, é que, esta Universidade de Verão começou com uma decisão do Dr. Durão Barroso em 2003.A primeira edição da Universidade de Verão contou com a participação do nosso convidado na qualidade então de Presidente do Partido e de Primeiro-Ministro de Portugal, e, portanto, é um regresso à Universidade de Verão que ele criou.

O nosso convidado tem como hobby a marcha, tem como comida preferida os ovos verdes, tem como animal preferido hoje o coelho pelas razões que constam na apresentação que têm convosco, diz o Dr. Durão Barroso: “coelho em homenagem à persistência do director da universidade de Verão, que conseguiu arrancar-me as respostas a este questionário”, o livro que nos sugere é a obra lírica de Luís Vaz de Camões, o filme que sugere é “As asas do desejo” de Win Wenders, e a principal qualidade que valoriza nos outros é a generosidade e a capacidade de amar os outros.

Dr. Durão Barroso, muito obrigado por estar entre nós, a palavra é sua.
 
Dr.Durão Barroso

Muito obrigado meu caro amigo Carlos Coelho, caros amigos da JSD, queria em primeiro lugar dizer-vos que é, de facto, com alguma emoção que volto aqui a Castelo de Vide, a esta Universidade de Verão, que como disse o eurodeputado Carlos Coelho, eu próprio lancei, enquanto como presidente do PSD.

Hoje, queria falar-vos da Europa, e queria deixar algum tempo depois para responder a questões que queiram colocar-me ou a comentários que queiram fazer.

Acho mais interessante ter essa oportunidade.

Mas começaria por fazer-vos algumas citações:

A 1ª é esta:

“A crise é a condição quase regular da Europa. Todos sofrem de uma crise industrial, de uma crise agrícola, de uma crise política, de uma crise social, de uma crise moral”. Mais adiante, diz o mesmo autor:

“A situação da Europa é medonha. Sobre as crises que a sacodem, já a máquina se desconjunta. Nada pode deter o incomparável desastre”.

Quem sabe quem é o autor que disse isto?

Alguém sabe?

É muito difícil. Eça de Queiroz. Num artigo publicado no “Repórter” no dia 20 de Março de 1888. Como sabem, Eça de Queiroz também foi um grande jornalista, além de ter sido um grande autor, fazia crónicas, excelentes crónicas. Isto em 1888. Depois, ele acrescenta nesse artigo, que vale a pena ler, “todavia, no fundo, a situação é simplesmente normal, natural e normal, e para ninguém pode ter horrores”, porque depois diz que a crise, como já referi, é “condição quase regular da Europa”. Depois é muito interessante, faz uma análise dos diferentes países, começa com Portugal, mas vai por aí fora, com Espanha, com Inglaterra, com a Alemanha, com Itália, já agora, o que ele diz sobre Portugal, é interessante. Muito rapidamente:

“No nosso canto, com a azulada doçura do nosso céu carinhoso, a contente simplicidade da nossa natureza meio árabe, duas máximas condições para a felicidade na ordem social, nós temos ao que parece, todas as enfermidades da Europa, em proporções várias, desde o déficite desconforme até esse novo partido anarquista que cabe todo num banco da avenida” fim de citação, ou seja, ao fazermos esta citação, queria chamar à atenção para um facto:

Quando hoje se fala de crise da Europa, deve ter-se bem presente que, como disse Eça, a crise é muitas vezes vista como o estado normal ou natural da Europa. E o ponto que queria colocar hoje perante vós e convosco discutir é o seguinte:

Há, de facto, razões para estarmos assim tão pessimistas como estão tantos em relação à Europa?

Vejamos os factos:

É verdade que tivemos os dois referendos negativos em relação à Constituição Europeia, em França e na Holanda. Mas já depois disso, o que é que fizemos?

Conseguimos um acordo de perspectivas financeiras, ou seja, um orçamento para os próximos 7 anos, de 2007-2013 para 27 países, não só os actuais 25, mas já contando com a Roménia e a Bulgária. Conseguimos, a nível político, um acordo de compromisso sobre a chamada directiva de serviços, que como sabem, foi motivo de grande polémica na Europa, entre uma tendência dita liberal e uma tendência dita social. Mas foi possível. A nível do Conselho Europeu, e espero que isso seja ratificado ainda este ano no Parlamento Europeu, chegar a uma solução consensual quanto a uma directiva de serviços que vai liberalizar os serviços na Europa, obviamente com algumas garantias em termos de protecção dos bens públicos.

Procedemos também já à revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Como sabem, foi matéria extremamente controversa e polémica, houve mesmo processos lançados pela anterior Comissão, contra a França e a Alemanha, por não cumprimento desse pacto. E chegou-se a uma solução, que mantém os princípios de estabilidade e de rigor, com alguma flexibilidade, assim reforçando a credibilidade do próprio Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Lançou-se, eu tenho muito orgulho de na Comissão Europeia ter estado na origem desta iniciativa, lançou-se uma política comum para a energia.

Se há alguns anos atrás, a Comissão Europeia dissesse que devíamos ter uma política europeia de energia, alguns estados-membros diriam: “ o que é que a Comissão tem a ver com isso? Isso é uma competência nacional”.

E desta vez foi possível, mais, os Estados-Membros apoiaram e estão a encorajar a Comissão e as outras instituições europeias a trabalharem para uma estratégia comum em matéria de energia, por razões óbvias. É óbvio que não podemos contar no mundo se tivermos 25 mini mercados de energia, e se cada um dos nossos países procurar sozinho negociar com os grandes produtores a nível global, sem usar a força acumulada dos 25 Estados-Membros.

Lançámos também algumas áreas, as primeiras tentativas para políticas comuns, como no capítulo da imigração, embora, ainda falte fazer bastante neste domínio.

Mais adiante, voltarei a este ponto.

Finalmente, prosseguimos a revisão da chamada estratégia de Lisboa.

Como sabem, a estratégia de Lisboa foi lançada no ano 2000, uma estratégia importante para a competitividade da Europa, mas a verdade é que lhe faltava algum músculo, e faltava-lhe algum sistema mais credível de organização, de governação. E já nesta Comissão, nós reformulámos essa estratégia, chamando-lhe agora “Estratégia de Lisboa para o crescimento e emprego”, com prioridades muito mais determinadas, com um sistema de governação muito mais estruturado, por exemplo, que consiste na apresentação por todos os países da Europa, dos chamados programas nacionais de reforma, que são depois analisados pela Comissão e seguidos pela totalidade dos Estados-Membros.

Ou seja, já depois dos dois “nãos”, o “não francês” e o “não holandês” nos dois referendos, foi possível à Europa, resolver problemas e avançar em dossiers tão importantes e tão sensíveis como este. E ainda agora nesta recente e actual crise do Líbano, eu penso que a Europa pode globalmente considerar positivo o seu trabalho e o seu esforço.

A verdade é que, fomos nós os primeiros a apoiar a proposta do Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas de criação de uma força de estabilização para o sul do Líbano. Eu próprio fiz isso, logo na reunião dos G8 em St. Petersburgo, e no dia seguinte, ao lado do Secretário-Geral, que recebi em Bruxelas, tive a ocasião de formalmente apoiar a ideia de uma força de estabilização para o sul do Líbano, e mais do que isso, fiz um apelo aos Estados-Membros da União Europeia para que dessem uma contribuição nessa região tão importante para a nossa segurança, e somos também os maiores contribuintes em termos de ajuda humanitária, e em termos de ajuda à reconstrução. Ainda ontem, numa conferência especialmente organizada na Suécia, a Comissão Europeia anunciou mais 42 milhões de euros, o que somando às contribuições já efectuadas, soma mais de 100 milhões de euros, como contribuição inicial para ajudar o Líbano e permitir a estabilização daquela região.

É verdade que podíamos ter feito mais. E é verdade que houve atrasos, e é verdade que houve Estados-Membros que demoraram algum tempo a decidir porque é um processo complicado, é um processo que envolve as Nações Unidas, não é um processo só da União Europeia. É verdade que eu teria preferido ter já na União Europeia, um Ministro dos Negócios Estrangeiros, como está previsto na Constituição. Um ministro dos negócios estrangeiros, que é ao mesmo tempo vice-presidente da Comissão Europeia. É verdade que do ponto de vista institucional podemos fazer mais, e é verdade também que, este domínio da segurança e da defesa é um domínio que, como sabem, compete essencialmente aos Estados-Membros, e não à Comissão Europeia, não às instituições europeias, nem à Comissão, nem ao Parlamento Europeu. Está sobretudo no âmbito dos Estados-Membros, e é verdade que uma lição a retirar mais uma vez desta crise, é que a Europa, se quer verdadeiramente contar no mundo, precisa duma política externa e segurança comum, e precisa de ter a coragem de ter também uma defesa comum, ou uma política de defesa comum.

É nesse sentido que devemos avançar, porque a política e a influência a nível global, não se constrói apenas com declarações, ou baseado em ajuda humanitária ou ajuda à reconstrução. Há momentos em que é necessário acompanhar as intenções e acompanhar a própria ajuda económica com uma presença militar credível. E essa dimensão ainda falta na Europa, embora, como eu tive ocasião de sublinhar, nesta crise possamos considerar que tenha havido uma resposta globalmente positiva, e os Estados-Membros, apesar de haver, como sabem, sensibilidades diferentes em relação a esta questão, conseguiram manter uma posição no essencial convergente, o que eu não posso deixar de saudar.

Portanto, este é o primeiro ponto que vos queria transmitir.

Apesar do pessimismo lançado pelos referendos em dois dos Estados-Membros, nós temos vindo a resolver problemas e a encontrar soluções para os principais desafios da Europa.

E qual é hoje a razão profunda deste pessimismo?

Eu estou sinceramente convencido que na Europa, em muitos dos Estados-Membros da Europa, existe hoje uma ansiedade, um pessimismo que tem muito que ver com a percepção dos efeitos negativos que a globalização possa ter.

Há uma certa inquietação, em países até bastante ricos, como a França ou a Alemanha, ou até os países escandinavos, ou também a Áustria, por exemplo, acerca do impacto que possa ter este último alargamento, e eventuais novos alargamentos, sobretudo através do receio da concorrência acrescida de produtos e de serviços que venham de potências emergentes, como a China, a Índia, ou de outras do Extremo Oriente. Do receio pelos efeitos que possa haver também da chamada deslocalização, ou seja, empresas europeias que são atraídas porque ali há salários mais baixos, e há muitas vezes mais flexibilidade para a produção.

E isso traduz-se hoje num sentimento de ansiedade, por vezes aquilo que em alemão se chama “Angst”, preocupação em relação ao futuro, que leva alguns sectores da opinião pública em alguns dos nossos países, a uma atitude de fechamento, uma atitude de resistência à dita globalização, esquecendo-se muitas vezes de alguns factos também importantes. A Europa é o primeiro parceiro comercial do mundo, a Europa tem tudo a ganhar com um espaço económico e comercial aberto. A Europa é o primeiro dador de ajuda ao desenvolvimento, a Europa tem trunfos notáveis em termos de tecnologia, em termos de produção de valor acrescentado. E, apesar de tudo aquilo que se diz, a verdade é que a maior parte dos europeus não trocaria a Europa onde vive, a qualidade de vida que temos aqui na Europa, por outros desses países onde existe, é verdade, um crescimento económico mais dinâmico, mas onde existem situações terríveis, quer do ponto de vista, nalguns casos, político, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista ambiental.

E aquilo que nós chamamos normalmente o modelo europeu, o modo de vida europeu tem que ver com esta capacidade que há na Europa, em geral, obviamente com diferenças, de combinar níveis avançados de desenvolvimento económico, com níveis também bastante elevados de protecção e de garantia social, e níveis bastante elevados de protecção do meio ambiente e uma ênfase clara no desenvolvimento sustentável.

Este modelo é um modelo que temos de saber salvaguardar, adaptando-o às novas condições da competitividade global. Esse é que é o desafio.

É aqui que temos que resolver algumas contradições, ou seja, operar sínteses, novas sínteses entre pólos que podem parecer inconciliáveis.

Eu falaria de 4 problemas fundamentais:

Em primeiro lugar, a contradição entre flexibilidade e segurança. Por um lado, precisamos de maior flexibilidade para nos adaptar a um mundo que está em permanente mudança. As empresas que precisam dessa flexibilidade, e  são as empresas que criam emprego, cada vez mais, o Estado tem aí um papel residual. Mas ao mesmo tempo, as pessoas querem segurança, não querem viver permanentemente na angústia do desemprego ou da ameaça do desemprego. Portanto, é preciso encontrar um sistema que garanta esta segurança, ao mesmo tempo que permite a Europa continuar ou reforçar a sua competitividade.

Precisamos também de conciliar, isto vem muito na sequência do primeiro ponto, dois outros elementos que podem parecer à primeira vista contraditórios:

Competitividade e coesão económica e social. Quando se fala de competitividade deve insistir-se neste ponto. Não se fala na competitividade em si mesma como um valor absoluto, mas fala-se em competitividade como a forma de garantir para a Europa e para os países europeus, uma posição que lhes permita um crescimento económico que possa garantir os níveis de protecção social que queremos manter, sistemas de saúde pública relativamente generosos, sistemas de segurança social que dão alguma protecção, que só são possíveis manter se tivermos crescimento económico. E só podemos ter crescimento económico se mantivermos a nossa competitividade global.

O terceiro ponto, e terceira contradição, é a contradição entre o domínio local imediato e o domínio global. Muitas vezes há que encontrar o modo de passar desta esfera do local, do imediato daqui de Castelo de Vide ou de Lisboa, ou de Hamburgo ou de Bruxelas, para a competição ao nível global.

Como resolver esta contradição?

Também aqui estou sinceramente convencido: é o nível europeu que pode permitir a síntese e o lugar estratégico para operar a superação desta aparente contradição.

Finalmente, há outra contradição, que é a contradição que pode exprimir-se entre a diversidade e a unidade. A Europa é por natureza diversa, e está a construir a sua unidade baseada nessa ideia de diversidade.

Perante estes desafios, os desafios da diversidade e da unidade, o desafio da distância entre o local e o global, o desafio da contradição aparente entre competitividade e coesão social, o desafio da contradição entre flexibilidade e segurança, estou sinceramente convencido que a resposta, ou uma grande parte da resposta está precisamente no nível europeu.

Os Estados-Membros isolados, mesmo os Estados-Membros de maior dimensão não têm capacidade, por si sós, para resolver estes problemas. Poderia multiplicar os exemplos, mas deixo-vos alguns.

O caso da energia: Alguém pensa sinceramente que algum dos nossos países, mesmo o país maior ou mais rico, tem capacidade para discutir numa posição de igual para igual com os nossos parceiros da Rússia, por exemplo?

É óbvio que não tem. Mas se falarmos em nome de 500 milhões de consumidores, que é aquilo que seremos muito em breve, e de um mercado extremamente rico como a Europa, aí temos capacidade. Temos, permitam-me, a expressão em inglês “leverage”, capacidade de influência, é óbvio que a dimensão europeia dá uma força que nenhum Estado-Membro tem: Nas questões da negociação comercial global, como já disse, a Europa é o primeiro parceiro no mundo.

Ainda na quarta-feira passada [30 de Agosto de 2006], tomámos uma decisão na Comissão Europeia, que foi decidir medidas de anti-dumping em relação às exportações de calçado da China e do Vietname, o que tem um interesse, aliás, muito grande para a produção portuguesa. Não apenas para a portuguesa, para a italiana também, por exemplo. Foi uma decisão da Comissão, veremos agora se os Estados-Membros a vão aprovar. Como sabem, tem que haver uma maioria contra a decisão da Comissão, uma maioria qualificada para que ela não entre em vigor.

Mas não é fácil, porque há Estados-Membros que são a favor da liberalização sem mais, sem procurar garantir também um certo apoio à indústria europeia. E a nossa posição(Comissão Europeia), é que nós somos a favor da liberalização, somos a favor de um comércio livre, mas um comércio justo, um comércio que não consista na utilização de medidas ditas de dumping (baixar artificialmente os preços), como estamos a verificar em alguns casos de exportações vindas do Extremo Oriente, para tomar conta do mercado. Obviamente que nenhum dos nossos países teria possibilidade de tomar estas medidas, mas a União Europeia pode tomar as medidas, e pode dar força e credibilidade a estas medidas. E podia multiplicar os exemplos, ou seja, a dimensão europeia é a dimensão adequada à globalização.

A globalização é inevitável. Eu sei que há normalmente duas sensibilidades em relação à globalização, aqueles que vêem nela uma ameaça, e aqueles que vêem nela uma oportunidade. Há alguns até que defendem o chamado altermundialismo, há um movimento contra a globalização. Eu acho esse movimento absolutamente sem sentido. É como hoje ser-se contra a revolução informática, é como ser-se contra a industrialização quando houve a revolução industrial. A globalização está aí, e vai continuar, a menos que haja algum desastre que ninguém deseja, uma confrontação global, que acabasse com as trocas a nível global. Esta globalização é diferente de outros movimentos de globalização que houve no passado.

Porquê?

Porque, na realidade ninguém a controla, nem as maiores potências. Os Estados Unidos da América não controlam a globalização. Há uma matriz americana em grande parte da globalização, é verdade, mas esta globalização, em grande medida, é induzida por razões tecnológicas, que estão no mercado a nível global, nomeadamente, nas tecnologias de comunicação e informação. É uma globalização que tem riscos, e alguns terríveis. Um dos riscos é o terrorismo global que hoje temos, em que pela internet pode ensinar-se como é que se podem fazer armas de destruição maciça e isso é um risco terrível. E há obviamente também algumas vítimas no processo de globalização, que são afectadas. Nem todos são ganhadores, pode haver perdedores num processo de globalização. Mas, de uma forma geral, a globalização é uma oportunidade extraordinária. Hoje em dia, graças às tecnologias de informação, é muito difícil, é quase impossível pessoas da vossa idade, em qualquer parte do mundo, não terem acesso à informação.

Permitam-me esta referência um pouco nostálgica, e talvez desapropriada, mas quando eu tinha a idade de alguns de vocês, aqui em Portugal, eu não tinha acesso à informação que queria, eu não podia ler os livros que queria, eu não podia ouvir os discos que queria, até ao 25 de Abril de 1974. Nesse tempo, em que tinha acabado de fazer 18 anos, nós não tínhamos o acesso a determinada  informação que apenas circulava nas democracias, nas sociedades livres. Hoje, mesmo em regimes ditaturiais, graças às tecnologias de informação, a difusão da informação é muito maior, para não falarmos na capacidade que há de viajar, nos contactos globais, na capacidade de criar uma consciência de que todos fazemos parte do género humano. Podemos ser portugueses ou espanhóis ou franceses ou alemães, somos europeus, mas fazemos parte do género humano, o irredutível humano. Aquilo que acontece na China, em África, nos Estados Unidos, em qualquer parte do mundo, também nos diz respeito.

Eu considero que o movimento de globalização, dum ponto de vista cultural, e dum ponto de vista moral, pode ser um grande avanço para aqueles que considero serem os ideais positivos da humanidade.

De qualquer maneira, há riscos, e a questão é a de saber o que é que vamos fazer perante esta globalização?

Vamos fechar-nos? Vamos pôr-nos debaixo da mesa?

Vamos pôr-nos numa posição meramente de resistência, ou vamos, pelo contrário, tentar formatar a globalização com os nossos valores?

São os valores da liberdade, da tolerância, da democracia, do respeito pelos direitos humanos, e da solidariedade social, que são os valores ao fim e ao cabo, europeus.

Esta é que é a grande questão. Esta é uma questão anterior a qualquer escolha ideológica, é uma questão que supera a tradicional divisão entre a esquerda, direita ou centro político. É uma questão que tem a ver com a capacidade de abraçar este movimento que é a globalização, ou de fechar, porque na direita, na esquerda ou no centro, encontramos aqueles que resistem, que de maneira que consideram reaccionária, procuram evitar as oportunidades extraordinárias que a globalização oferece. Mas também consideramos que podemos encontrar em diferentes áreas do espectro político, aqueles que defendem uma atitude proactiva, aqueles que entendem que o melhor modo de fazer face a algo que é praticamente inevitável é de precisamente procurar formatar e dirigir essa globalização.

É aqui que a Europa tem todo o sentido. Eu julgo que, mais do que nunca, a Europa é necessária, a Comissão Europeia é necessária e não substitui o nível nacional.

O Estado Nação continua a ser, até por causa de razões de identificação da comunidade política, o lugar estratégico para as decisões e para operar esta interacção política entre o local e o global.

E não será substituído, pelo menos no futuro previsível.

A verdade é que quando um português é questionado sobre qual é a sua comunidade política, a que é que ele se sente mais associado, obviamente que é a Portugal (E muito bem - Eu também). O espanhol dirá o mesmo, ou um francês ou um alemão. Mas isto não é contraditório com a ideia de cidadania europeia, pelo contrário. A cidadania europeia reforça a cidadania nacional. A dimensão europeia traz valor acrescentado à capacidade de cada um dos nossos países desempenhar algum papel no plano global. Isto é verdade para Portugal, mas é verdade para as maiores nações do mundo. Quando o Primeiro-ministro inglês ou a Chanceler alemã, ou o Presidente francês se encontra com o Primeiro-ministro ou com o presidente da China, com o presidente da Rússia ou com o presidente dos Estados Unidos, é óbvio que eles sabem que não estão apenas a falar com líderes de nações muito importantes, eles sabem que estão a falar com alguém que tem uma influência neste conjunto que é a União Europeia. E do mesmo modo sucede com Portugal. Poderia dar-vos muitos exemplos, mas relembremos um caso clássico que é o caso de Timor. O caso de Timor que não teria encontrado uma solução se não fosse o facto de Portugal, que tanto tempo esteve praticamente sozinho a lutar pela causa do povo de Timor, ter encontrado na dimensão europeia uma alavanca para projectar a nível global essa questão.

E podia dar-vos muitos outros exemplos. A dimensão europeia é cada vez mais necessária, precisamos cada vez mais da Europa. E precisamos da Europa no momento em que ela está a ser contestada.

Estou convencido que a razão de fundo é portanto, esta, a da globalização. Temos que ganhar esta batalha cultural, a favor da globalização, obviamente com medidas e políticas para os sectores que possam ser afectados por essa mesma globalização, razão pela qual eu propus e veio a ser aceite, a criação de um fundo de ajustamento à globalização, precisamente para casos de deslocalização que fossem criados, permitindo a trabalhadores afectados por alguns fenómenos de deslocalização, a sua reformação, o seu treino para outras actividades económicas.

Mas há uma razão, para além desta razão de fundo, eu julgo que o actual pessimismo na Europa, tem que ver também com o efeito político da não resolução da questão institucional, ou seja, o não em França e depois nos Países Baixos, formou uma espécie de nuvem, uma nuvem escura que projectou uma sombra de dúvida sobre a Europa. Como sabem, as nuvens não ficam lá onde estão, as nuvens circulam com o vento, essa nuvem não ficou apenas em França, foi logo a seguir para os Países Baixos e projecta hoje  a sua sombra um pouco sobre toda a Europa.

Estou sinceramente convencido que enquanto não resolvermos esta questão institucional, não teremos uma solução para o projecto europeu. É, portanto, necessário encontrar uma solução para a questão da Constituição. É nisso que trabalhamos agora.

Fiquei também bastante satisfeito quando as ideias que a Comissão Europeia apresentou ao último Conselho Europeu, foram, no essencial, sufragadas pelos chefes de estado e de governo da Europa.

Adoptando a estratégia dita “Double track approach” em inglês, ou seja, o progresso em dois planos que consiste em procurar um avanço na Europa dos cidadãos, na Europa dos resultados, com vantagens concretas, em domínios em que os os cidadãos possam perceber qual é o valor de facto e concreto que a Europa lhes traz, de modo a criar um melhor contexto para depois resolvermos o problema do texto.

Há muitas iniciativas. Uma das mais recentes tem a ver, por exemplo, no plano da Europa dos cidadãos, com o combate a um excesso que são os preços do roaming internacional. É um dos casos onde a Comissão Europeia tem competência. O que se passa é que não há ainda verdadeiro mercado, nos países já há uma concorrência entre os diferentes operadores de telemóveis, de telecomunicações, já há uma certa concorrência, poderá não ser perfeita, mas graças às regras da União europeia, que impõe a concorrência, e que não aceita monopólios ou oligopólios, existe essa concorrência. Mas depois no mercado do roaming, a verdade é que não existe ainda verdadeiramente concorrência. Exemplificando, vocês vão a um país, estão a receber uma chamada de outro país e estão a pagar preços absolutamente exorbitantes. Pois a Comissão Europeia está a actuar aí. Graças a isso já começaram a baixar os preços, mas não ainda de forma suficiente.

Muitas vezes, nos Estados-Membros existe uma certa má vontade quando a Comissão actua impedindo certas fusões de empresas, quando a Comissão actua impondo sanções a empresas que abusam da sua posição dominante. É um dos papéis, por vezes antipáticos, que compete fazer à Comissão, mas é um papel essencial, porque se não houver um árbitro independente, que garanta o funcionamento do mercado interno, então garanto-vos que não há mercado interno, então garanto-vos que cada um dos países procurará defender-se em relação aos outros países, o que levará obviamente à formação de monopólios ou oligopólios que terão com certeza consequências negativas para os consumidores.

Portanto, nós temos de actuar em função dos consumidores. Dos cidadãos europeus, uns são trabalhadores, outros são empresários, outros têm outras ocupações, mas uma coisa é certa, todos são consumidores. E precisamos de defender os consumidores na Europa, como precisamos também de fazer mais noutras áreas. No documento que apresentei em 10 de Maio de 2006 e que foi sufragado pelo Conselho Europeu, criou-se uma agenda para os cidadãos, que vai ser a agenda imediata da Europa, e que toca em temas tão diferentes como o mercado interno, a dimensão social, nomeadamente a demografia e o modo como vamos procurar lançar a nível europeu medidas que encorajem a compatibilização da vida pessoal ou familiar com a ocupação. São ainda iniciativas na área da segurança interna, permitindo uma comunitarização deste domínio, são também iniciativas na área da investigação do desenvolvimento, estou agora a lutar pela aprovação definitiva de um instituto europeu de tecnologia que possa ser uma referência de excelência a nível global, apoiando-se obviamente na rede de instituições universitárias e de investigação que já temos, mas que seja para a Europa um emblema daquilo que a Europa pode fazer melhor no campo da investigação. Também em matéria de investigação e desenvolvimento estamos a perder posições, comparando com o que fazem outros parceiros nossos. Isto apesar de termos algumas das melhores universidades do mundo, pois a verdade é que a Europa não conseguiu ainda transferir o saber, o conhecimento, de muitas das suas universidades e centros de investigação para a realidade da vida económica, para a realidade da competição global.

São iniciativas em áreas concretas da energia, do mercado interno, da própria demografia, da segurança interna, da investigação, das universidades. São algumas das áreas concretas onde estamos a fazer coisas e a fazer mais, isto quando passam 20 anos sobre a criação de um programa da Comissão Europeia, que é o programa Erasmus (programa que permitiu esta circulação extraordinária de estudantes no âmbito europeu).

Mas, retomando a questão inicial, falta a resolução do problema institucional. A verdade é que não há ainda um consenso sobre esta matéria entre os Estados-Membros.

É um problema extremamente difícil. Como sabem, os 27 assinaram a Constituição, mas é necessário para que ela esteja em vigor, que a unanimidade dos Estados-Membros a ratifique. Como sabem já houve já dois Estados-Membros que disse que não a ratificaram, e mais, que disseram que não vão ratificá-la. Aí temos um problema. A maior parte já a ratificou, mas como é necessário unanimidade, o assunto não está resolvido.

O que é que estamos a fazer?

Estamos a aprofundar um debate a nível de toda a Europa, estamos também, sabendo que isto é uma responsabilidade dos Estados-Membros, não é em rigor uma responsabilidade das instituições europeias nem da Comissão Europeia, mas estamos a ajudar os Estados-Membros a encontrar uma solução, estamos também agora a procurar definir um calendário. E foi definido um calendário que consiste num relatório que a Presidência alemã vai apresentar no 1º semestre do próximo ano, e ficou definido que até ao fim da presidência francesa, no 2º semestre de 2008 deve procurar encontrar-se uma solução.

Eu propus e foi aceite, que usássemos essa ocasião extraordinária que é a comemoração dos 50 anos do Tratado de Roma, ao fim e ao cabo, a fundação da comunidade europeia, para adoptar uma declaração política, que seja a tradução do compromisso dos Estados-Membros relativamente àquilo que querem para a Europa, mas que essa declaração política fosse subscrita não só pelos Estados-Membros, mas também pela Comissão e pelo Parlamento Europeu, porque é essa hoje a realidade da União Europeia.

A União Europeia hoje já não é como era no início, apenas uma associação de governos, hoje a União Europeia é também uma criação institucional original que dá um papel muito importante ao executivo comunitário, que é a Comissão Europeia, detentora do monopólio de iniciativa, e ao Parlamento Europeu, que representa directamente os cidadãos europeus.

Eu espero que esta declaração política seja aprovada. Conto com um grande empenhamento da presidência alemã, e espero que ela seja aprovada, e é importante que o seja porque nós temos o direito de saber o que é que os accionistas do projecto europeu querem do projecto europeu. E os Estados-Membros são accionistas essenciais. A Comissão Europeia, com certeza também, assim como o Parlamento Europeu, mas não tenhamos ilusões. Se os Estados-Membros não puserem aí a sua energia e a sua vontade, então o projecto pode ter problemas.

Isto tem de ser dito sem ambiguidades, porque em alguns países às vezes acontece o seguinte:

Quando as coisas vão bem, o mérito é do governo, quando as coisas vão mal, a culpa é de Bruxelas, é típico.

Ora, isto não é sério, isto é uma forma de populismo, isto é desonesto do ponto de vista intelectual e do ponto de vista político, porque as decisões que nós tomamos em Bruxelas, ou muitas vezes em Estrasburgo, são decisões que tomamos com os Estados-Membros, a Europa é também o resultado de uma parceria, uma parceria original onde há instituições europeias, mas há os governos que representam os países.

E é por isso que eu pedi, e fiquei satisfeito por verificar que foi aceite, que os Estados-Membros dissessem o que é que querem da Europa, se continuam ou não continuam a acreditar nos ideias fundadores da Europa. Foram aqueles ideais que há mais de 50 anos, levaram homens como Schumann, Monnet, Adenauer, De Gasperi, ou tantos outros a criar esta realidade que não há em mais ponto nenhum do mundo e que é uma integração económica e política tão avançada.

O que é que querem da Europa? Querem ou não querem uma Europa mais forte na era da globalização?

Entendem ou não entendem que precisamos mais do que nunca desta dimensão europeia?

Este é o debate que vamos ter agora e que já estamos a ter agora na Europa. Obviamente eu julgo que há que ter a coragem para ganhar o debate.

Há quem pense que o problema actual da Europa é precisamente esta democracia, porque dantes isto podia ser feito de uma forma mais ou menos reservada. Depois do fracasso da Comunidade Europeia de Defesa, os ministros dos negócios estrangeiros reuniram-se em Messina, em 1955, e adoptaram a Declaração de Messina), que viria a ser a origem da comunidade económica europeia, que foi criada no dia 25 de Março de 1957, e que assim fará 50 anos no próximo ano.

Mas isso foi feito entre os ministros dos negócios estrangeiros, era uma comunidade ao fim e ao cabo lançada por via tecnocrática e diplomática.

Eu já o disse, e repito, a Europa hoje não pode ser nem burocrática nem só diplomática, nem tecnocrática. Tem de ser democrática. Não é possível hoje construir a Europa se não for com a adesão dos cidadãos europeus.

E é por isso que é importante tomarmos a palavra do ponto de vista político, e discutir esta questão seriamente com todos os nossos co-cidadãos.

E aí ter a coragem de dizer: há ou não há razões para comemorar os 50 anos da Comunidade Europeia?

Eu penso que há.

Como é que estava a Europa há 50 anos? Como é que está a Europa hoje? E como é que está cada um dos nossos países?

Há pouco mais de 50 anos, mais concretamente há 60 anos, a Europa saía do Holocausto. Alguns dos piores crimes que a humanidade já cometeu aconteceram neste continente. A 2ª Guerra Mundial foi essencialmente uma guerra europeia, que depois se alargou, foi uma guerra entre diferentes poderes europeus, que ao longo de muitos séculos, sempre se combateram aqui neste continente e fora deste continente, nomeadamente nas suas possessões coloniais. A história da Europa é uma história de conflito entre impérios. Era assim que estava a Europa há cerca de 60 anos. Há pouco mais de 30 anos, o nosso país não vivia em democracia, ou a Espanha, ou a Grécia. Há pouco mais de 15 anos, toda a Europa Central e de Leste vivia em regimes totalitários de partido único, alguns daqueles países nem sequer existiam como países independentes, estavam sujeitos ao totalitarismo soviético. Há pouco mais de 10 anos, tivemos os massacres nos balcãs.

É por isso que eu digo: haverá verdadeiramente razões para tanto pessimismo, quando hoje olhamos a situação da Europa e quando comparamos a situação hoje da Europa com a situação há 60 anos, ou mesmo há 20?

Portugal está hoje melhor ou pior do que há 20 anos quando aderiu à União Europeia?

Está muitíssimo melhor em todos os aspectos. Temos problemas e sabemos que são sérios em algumas áreas, mas a diferença é enorme!

E a Espanha? E a Irlanda? E a França?

Como é que estavam há 20 anos atrás?

O que há hoje em alguns dos países, nomeadamente nos países fundadores é um certo desconforto e ainda uma certa desabituação à nova Europa, à Europa alargada, e vêem a Europa alargada muitas vezes como uma Europa na qual alguns sectores da nossa opinião pública, nomeadamente, a opinião pública de alguns dos países fundadores, não se reconhecem plenamente.

Mas é um erro, é um erro pensar que a Europa é demasiadamente grande ou que a solução para o futuro da Europa está numa Europa miniatura como a Europa dos 6, dos 8 ou dos 9.

Olhemos os factos: quando comparamos a Europa com a China achamos que a Europa é demasiadamente grande, em termos de dimensão? Ou quando comparamos com a Índia?

Somos pequenos em termos de dimensão demográfica, quando comparamos com o poder militar ou o poder financeiro dos Estados Unidos? Será que somos grandes demais?

Quando olhamos a Europa e vemos a dimensão geográfica da Rússia, será que somos grandes demais?

Não somos grandes demais, o que precisamos é de ter a capacidade de manter e de reforçar os mesmos ideais e os mesmos valores numa Europa alargada. Mais, Europa alargada é uma condição necessária para a Europa potência, é uma Europa alargada que pode fazer valer o seu peso e o peso de cada um dos Estados-Membros no concerto global.

E posso dizer-vos isso agora dando-vos o meu testemunho:

Eu era Ministro dos Negócios Estrangeiros nos anos 80, participei em muitas reuniões da União Europeia, acompanhei a Presidência Portuguesa em 1992, e posso dizer-vos que hoje, ao contrário da ideia que muitos europeus têm, a Europa conta muitíssimo mais do que contava antes do alargamento. Hoje, quando nos encontramos com os chineses ou os russos ou outros poderes importantes na escala mundial, eles vêem que a Europa começa a ser uma coisa séria: 27 países, 500 milhões de pessoas. Nunca houve na história da humanidade um caso de sucesso como este, em termos de integração de países. Nós vamos à América Latina e eles perguntam: como é que vocês conseguiram? O Mercosul, ainda não conseguiu verdadeiramente arrancar, entre o Brasil, a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e Venezuela. A Ásia do Sudeste está à procura de um modelo para se integrar, e tantas integrações regionais que infelizmente falharam na América Latina ou em África. Só na Europa conseguimos esta criação extraordinária, que é manter a nossa nacionalidade, manter a identidade nacional e criar por cima dessa diversidade algum tipo de unidade, isso é notável.

É por isso que eu digo, que talvez a Europa seja e deva ser o primeiro império não imperial.

No passado, quando tínhamos uma tal extensão, um tal conjunto de países unidos e já o tivemos, era pela força, era um diktat que era imposto a partir de um centro. Tivemos o império romano e tivemos ao longo da história europeia vários impérios que agrupavam vários países, mas havia um poder central que impunha a sua força aos outros, havia uma pressão das identidades nacionais.

Hoje, nós temos na Europa aquilo que eu podia chamar um império não imperial, porque hoje temos na Europa uma associação livre de Estados-Membros, não há ninguém que seja obrigado a ficar, e posso dizer-vos que não sei de ninguém que queira sair e sei de alguns que querem entrar, razão pela qual talvez não seja assim tão negativa como às vezes se diz, a realidade europeia de hoje.

É por isso que eu queria acabar com um apelo: é que combatam este euro pessimismo. Hoje o que é de bom tom é aquilo a que eu chamo a crisofilia, toda a gente gosta da crise, então em Portugal é extraordinário, a crisofilia, as pessoas gostam de mergulhar na crise.

Além da crisofilia há a crisologia, os especialistas da crise, todos querem mostrar que são mais inteligentes que os outros de perceber por que razão é que há crise.

E há analistas, comentadores. Portugal tem imensos comentadores e analistas que adoram fazer as suas crises e as suas análises da crise.

A liderança, essa impõe um caminho. Eu também podia fazer uns belos artigos a falar na crise na Europa. Garanto-vos que tinha algumas coisas interessantes para dizer, porque no dia a dia, no contacto quotidiano com todos os estados, conheço muitíssimo bem as dificuldades e algumas são sérias, porque não é fácil pôr a trabalhar em conjunto 25 ou 27 países.

Mas a função da liderança é dar esperança, mostrar um caminho. E hoje em dia eu tenho que lamentar que alguns líderes em vez de fazerem isso, puseram-se no papel de comentadores, e não resistiram à tentação da crisofilia, e não querem ser mais do que alguns crisólogos do tempo contemporâneo.

E hoje em dia, um dos problemas que temos na Europa é precisamente este, é que temos além do euro cepticismo tradicional daqueles que nunca gostaram da Europa e que não querem a Europa, na extrema direita ou na extrema esquerda e que nunca aceitaram a ideia de uma construção supranacional, além do euro cepticismo tradicional dos inimigos da Europa, temos hoje o euro pessimismo dos europeístas que estão desiludidos, que estão desmoralizados. Eu vejo hoje muita gente que é sinceramente pró-europeia, que entende a necessidade de criarmos esta comunidade e de reforçarmos esta comunidade de valores, mas que também cedeu, cedeu a esse euro pessimismo de bom tom.

O problema é que, muitas vezes a linha que separa o pessimismo do cinismo é extremamente ténue, e então as pessoas põem-se numa posição de acomodação em relação a isso.

Eu acho, pelas razões que vos disse, que não há razões para essa situação ou para esse sentimento.

Eu acredito sinceramente que temos razões de estar orgulhosos daquilo que a Europa faz. Sei que há problemas e são problemas sérios que vos expus com sinceridade, mas sei também que a Europa tem forças e recursos como nenhuma outra parte do mundo para os vencer. E sei que os nossos valores estão certos, os valores fundamentais, que são valores europeus da civilização europeia, o valor do reconhecimento do primado da pessoa humana, o valor da liberdade, o valor da democracia.

É por isso que eu digo à juventude contemporânea para não ceder à posição careta das gerações anteriores que não acredita na Europa e que já desistiu antes de ganhar esta batalha pela globalização e pela Europa de valores.

Muito obrigado pela vossa atenção.

 
Dep. Carlos Coelho
Muito obrigado Dr. Durão Barroso. Vamos passar então às questões dos grupos.

Quem começa na conferência desta manhã, é o grupo amarelo, pelo Nataniel Araújo.
 
Nataniel Araújo
Bom dia a todos. Bom dia Dr. Durão Barroso. Em nome do grupo amarelo, queria dar-lhe as boas vindas e dizer-lhe que é uma enorme honra recebê-lo entre nós. Desde já queremos agradecer o facto de ter aceite este convite.

Os mais recentes sucessos parecem ter sido a introdução do euro e o alargamento dos países do centro e do leste da Europa, contudo é indubitável que o projecto da integração europeia passa actualmente por uma questão profunda de identidade.

Tendo a integração europeia como berço o plano Schuman, de 1950, que traçava um desígnio: chegar à federação europeia.

Será este desígnio viável ou alguma vez virá a ser?

Muito obrigado.
 
Dep. Carlos Coelho
Esqueci-me de referir no início, iremos  fazer blocos de duas questões de cada vez.

O grupo rosa, José Alves.
 
José Alves
Bom dia a todos.

Permitem-me que cumprimente de forma muito especial o Dr. Durão Barroso, que emprestou o seu nome a um empreendimento habitacional social na minha terra, que é Gondomar, e em nome do grupo rosa, gostava de saber até que ponto a comunidade europeia num futuro próximo, tem ou não capacidade de resolução dos grandes problemas da Europa, nomeadamente no combate ao desemprego e na resolução dos grandes conflitos sociais que têm assolado o velho continente.

No que diz respeito às oportunidades de negócio, gostaríamos de saber que directivas comunitárias estão previstas no sentido de promover o turismo nas grandes margens fluviais?

Muito obrigado e bem haja.
 
Dr.Durão Barroso
Vou talvez deixar a primeira questão para a segunda fase, que é uma questão mais geral.

Vamos a estas questões mais concretas do grupo rosa e do nosso amigo de Gondomar.

Combate ao desemprego: a melhor forma de combater o desemprego é o crescimento económico. Pode haver medidas específicas, desactivas para o emprego, mas aquilo que verdadeiramente resolve o problema do desemprego é o crescimento da economia. É por isso que nós, na nova estratégia de Lisboa, colocámos ênfase precisamente nisso, crescimento e emprego. Em inglês até é mais simples “growth and jobs”. Jobs, portanto, lugares para trabalhar, é isso que a gente precisa. Bom, e para isso temos um conjunto de políticas que são diárias como a desregulamentação, ou seja, evitar burocracia a nível europeu e a nível nacional, até ao investimento na tecnologia, na ciência, em tudo aquilo que possa ter valor acrescentado para a nossa economia.

É verdade que a Europa não pode competir com a China, com a Índia ou com outros países numa base de salários, eles vão ter no futuro previsível, salários muito mais baixos que a Europa, mas que também vão aumentar. Um dos erros que as pessoas por vezes cometem quando analisam a globalização, é pensarem em termos ficcistas. Portugal também aumentou imenso os salários nos últimos 20 anos, ou a Espanha, que está já com salários extremamente elevados, portanto, pensar que a China e a Índia vão ficar sempre neste nível de salários é um erro, mas a verdade é que estão muitíssimo abaixo. Ou seja, se a Europa quiser ganhar a batalha da competitividade tem que investir mais no valor acrescentado dos seus produtos e dos seus serviços. É essa a mensagem que hoje em dia está aceite e está mais ou menos consensualizada em todos os países europeus, e os países europeus têm vindo a fazer reformas neste sentido. Depois, também há problemas estruturais que estão a ser tratados pelos líderes europeus. De modo diferenciado, mas globalmente no bom sentido.

Um problema central é precisamente aquele que eu há pouco referi, o problema da flexibilidade e da segurança em termos de emprego. A questão é esta, é uma questão difícil e controversa. No passado havia a ideia de que uma pessoa podia ter ao longo de toda a sua vida o mesmo emprego. Hoje, estou a falar para vocês especificamente, é melhor não pensarem assim. O mais provável é que ao longo da vossa vida, tereis de mudar várias vezes de emprego. É o mais provável, porque as condições da concorrência internacional e as condições da mudança na economia global são essas.

Por isso, a questão está em saber qual é o modelo para dar resposta ao desemprego. É melhor criar uma fixação, proteger o lugar de trabalho, garantir o emprego que se tem, ou garantir a possibilidade de encontrar emprego. E é aqui que está o modelo da flexibilidade e da segurança, que em alguns países europeus tem sucessos notáveis. Eu recentemente estive na Dinamarca. Por minha iniciativa fiz uma reunião além do governo, com os empresários e com os sindicatos. Foi extraordinário o que eu vi: Eles têm uma flexibilidade quase total para contratar e para despedir, quase total, não há quase nenhuma limitação burocrática para uma empresa contratar ou para uma empresa despedir, mas tem um sistema de protecção extremamente elevado, quem está no desemprego é ajudado, é ajudado em termos muito generosos, muitos dos desempregados da Dinamarca ganham muito mais que os empregados no nosso país, mas ao mesmo tempo há esquemas activos de apoio ao encontrar o emprego. Eu defendo esse modelo. É o modelo que em inglês se chama “flexisecurity”, é um modelo de flexibilidade e segurança, que a meu ver, a Europa deveria progressivamente adoptar. A Europa tem várias sensibilidades diferentes, não podemos falar num modelo único na Europa, uma vez que o modelo francês é muito diferente do inglês, e o modelo escandinavo diferente do dos novos Estados-Membros, o modelo chamemos-lhe mediterrânico é também muito diferente do modelo escandinavo.

Mas o modelo da flexibilidade e da segurança, a meu ver, é um modelo que pode permitir aquilo que nós queremos, ou seja, uma resposta ao problema da competitividade, ao mesmo tempo, com garantias de coesão e de protecção social. E com isso já responderia à segunda parte da sua pergunta. Os conflitos sociais devem ser resolvidos por essa via. Nesse contacto com os parceiros sociais da Dinamarca, eu vi do lado dos sindicatos e em matéria de competitividade da economia dinamarquesa, o mesmo interesse do que do lado dos empresários. Talvez isto explique o facto de na Dinamarca, mais de 70% da população achar que a globalização é uma boa oportunidade, enquanto que nalguns países europeus onde os sistemas são mais de certa forma mais fechados, apenas cerca de 30% da população pensa isso, isto significa que há uma maioria que pensa que a globalização é um risco, portanto, é muito importante que isto se faça com diálogo social, e esse também é o modelo europeu.

Voltando à questão do modelo europeu, quando afirmo que o modelo europeu não é apenas o modelo do crescimento económico e da competitividade económica, é um modelo que se apoia na ideia e no diálogo social. O que nos distingue, por exemplo, dos Estados Unidos, ou da China ou de outros países que neste momento estão em grande crescimento, as chamadas potências económicas emergentes, é que nós somos pelo diálogo e pela concertação social, com diferenças, com matizes diferentes nos diferentes países, mas globalmente há na Europa nas economias europeias a ideia de que devem procurar-se consensos do ponto de vista económico e social.

A terceira questão mais concreta que pôs sobre turismo e sobretudo nas áreas fluviais, o que existe é regulamentos comunitários que colocam algumas regras para a construção em áreas ditas protegidas, seja a Natura 2000, seja precisamente em áreas que têm um valor turístico ou um valor natural, um valor ambiental que deve ser preservado, mas agora não lhe posso dar uma resposta global, tem que se observado cada caso concreto e perceber o que se passa. Mas a Europa pode estar orgulhosa nesta matéria. Nós somos de longe a área do mundo onde há uma maior protecção do ambiente. Na Europa, temos os níveis e os standards mais elevados, e julgo que devemos ter a coragem de o fazer, porque o problema do ambiente é um problema global sério. O problema das alterações climáticas não é uma invenção de alguns movimentos verdes, é uma realidade na qual estamos já a trabalhar no pós-Quioto. É uma pena que outras potências não acompanhem a Europa no esforço que estamos a fazer para a preservação a longo prazo do ambiente. É também uma questão de solidariedade com as novas gerações. Portanto, nesta matéria temos de ter uma regulamentação obviamente séria, mas que procure mais uma vez conciliar o crescimento económico. O turismo é importante do ponto de vista económico, mas associado à preservação do habitat natural, para que as futuras gerações possam beneficiar disso.

A primeira questão sobre a federação europeia:

No debate sobre o modelo europeu, eu penso que devemos evitar muitas vezes aquilo que são os lugares comuns e categorias estereotipadas. A Europa num futuro previsível, não será os Estados Unidos da Europa, como são os Estados Unidos da América. Não me parece que venha a ser, nem sequer sei se seria desejável que fosse. A Europa não será isso. Mas a Europa vai ser mais do que uma simples associação de estados. Por isso há uma expressão que eu pessoalmente gosto, que é a ideia da federação de estados-nação, ou seja, os estados vão manter-se, não vão desaparecer, e os nossos estados são estados democráticos (às vezes há pessoas no federalismo europeu que falam dos estados como se estes fossem a personificação do mal – não, os estados-nação são comunidades políticas organizadas do ponto de vista democrático). Na Europa, Portugal é um estado democrático, ao qual corresponde a uma nação bastante bem identificada, na qual as pessoas se identificam. Portanto, não vejo no estado português ou no estado francês ou alemão ou seja qual for, a personificação do mal. Pelo contrário, são estados democráticos, mas não chega. O estado, pelas razões que há pouco disse e não vou repetir, não chega. Precisamos de uma entidade, que mais do que no usual “acima”, esteja ao lado dos estados-nação. Eu pessoalmente não gosto de ideia vertical que há muitas vezes na política, “os de cima”, “os de baixo”. Não penso que seja a terminologia mais adequada no nosso mundo em rede. Precisamos é de uma realidade, de uma entidade que supere a mera visão estadual, ou seja, de alguns mecanismos federais. No método, não devemos ter medo. Eu não tenho medo da palavra federal, embora haja nalguns países uma resistência à ideia do federalismo.

No passado a palavra “federal” era muito utilizada. Hoje dizemos mais “comunitário”. Mas o método comunitário, é na realidade, um método federal. Acredito que nesse sentido vamos ter uma federação europeia, mas uma federação europeia que não anula nem substitui os estados-nação que continuarão a ser uma comunidade política extremamente relevante, senão a primeira comunidade política de referência para os cidadãos europeus.
 
Margarida Balseiro Lopes
Bom dia. Em nome do grupo laranja, começo por saudar a mesa, em particular o nosso ilustre conferencista Durão Barroso.

O grupo laranja tem uma questão muito interessante para lhe colocar acerca do papel da União Europeia no futuro do Médio Oriente.

Gostaríamos de saber qual é a sua posição em relação a esta problemática.
 
Rodrigo Farinha
Bom dia, Sr. Presidente da Comissão Europeia. Em nome do grupo bege, nós gostaríamos de saber se concorda com a actual forma como o presidente da Comissão Europeia é escolhido, ou se defende que este deveria ser eleito directamente pelos cidadãos europeus. Obrigado.
 
Dr.Durão Barroso
Primeira questão: Médio Oriente.

A Comissão Europeia, a União Europeia, têm feito um esforço notável ao longo dos anos para apoiar todas as possibilidades de paz naquela região. Mas sejamos também aqui absolutamente sinceros, ninguém no mundo consegue impôr a paz contra a vontade das partes, num cenário de conflito. Nem Europa, nem Estados Unidos nem nenhum outro poder. Estou a dizer isto porque por vezes também vejo nalguns comentários a ideia de que a Europa não resolve o assunto. Se não há uma solução para o Médio Oriente não é por culpa da Europa, é por responsabilidade daqueles que no terreno ainda não foram capazes de entre si criar um mínimo de entendimento. A posição por parte da União Europeia e da Comissão Europeia é clara: nós defendemos o direito de Israel existir, o direito de Israel ter fronteiras seguras e estáveis, mas defendemos também o direito do Povo Palestiniano a ter o seu próprio estado, vivendo em paz com os seus vizinhos. É isto que temos vindo coerente e consistentemente a defender. Mais que isso, temos vindo a ser os principais dadores de ajuda à região. Ninguém no mundo dá tanta ajuda ao povo palestiniano como a União europeia. Ainda agora, com este último governo Hamas, que ainda não aceitou Israel como realidade, que ainda não aceitou os princípios do quarteto de paz, foi a Comissão Europeia, mais concretamente a Comissária Benita Ferrero-Waldner que, trabalhando directamente comigo, encontrou a solução, o chamado TIM, que é o transitional international mechanism, o mecanismo internacional de financiamento para a Palestina. Este mecanismo é a forma encontrada para que o dinheiro chegue aos palestinianos sem que seja para o governo, que nós obviamente queremos que reconheça os principais valores da paz na região. Portanto, esta é a nossa posição, mas é uma posição difícil porque infelizmente não temos visto ainda das partes no conflito a vontade para quebrarem este círculo vicioso da violência e para se envolverem a sério num processo de reconciliação. Eu há muitos anos que sigo este processo como Primeiro-Ministro, como Ministro dos Negócios Estrangeiros ou como Secretário de Estado. Visitei Israel várias vezes, os territórios ocupados, Gaza e Cisjordânia e mantenho infelizmente razões de cepticismo que gostaria que fossem desmentidas.

Nós poderemos ajudar. Estamos a ajudar do ponto de vista político ou diplomático, mas não podemos substituir-nos à vontade das partes para encontrar uma solução definitiva para aquele problema.

O problema do Médio Oriente agravou-se agora com a questão do Líbano, mas é um problema que deve hoje entender-se numa dimensão mais larga. Quando tradicionalmente se falava em processo de paz no Médio Oriente, falava-se em Israel versus Palestina. Hoje, já se entendeu que o problema não é, infelizmente, assim tão simples.

Israel, Palestina, Líbano, Síria, Iraque e Irão. O Irão é um elemento chave nesta dificílima equação.

Na questão do Irão, foi a Europa, são os estados da Europa apoiados pelo Conselho que estão à procura de uma solução, envolvendo também os Estados Unidos da América e se possível a Rússia e a China. Mais uma vez estamos a fazer tudo, até ao limite das nossas possibilidades, para evitar uma situação de confrontação, que obviamente não é fácil encontrar. Pelo contrário, tem-se mostrado extremamente difícil encontrar uma vontade correspondente do lado iraniano.

A segunda questão do grupo bege tem a ver com a eleição do Presidente da Comissão. Pessoalmente não tenho nada contra a ideia de uma eleição directa, num sistema politicamente mais integrado e seria aquilo que faria sentido.

O que temos actualmente é um sistema misto, digamos assim, visto que há uma designação pelo Conselho, ou seja, pelos Estados-Membros, mas depois há uma eleição pelo Parlamento Europeu, e o Parlamento Europeu, como sabem, representa, porque há uma eleição directa, os cidadãos europeus.

A esse respeito, queria chamar a atenção para o seguinte: há vários Primeiros-Ministros na Europa que não foram directamente eleitos. O Primeiro-Ministro francês não foi eleito, foi designado pelo Presidente da República e depois foi votado na Assembleia Nacional Francesa. Em Portugal já tivemos vários Primeiros-Ministros que não foram eles próprios eleitos, naquele período digamos, dos governos constitucionais, e eram Primeiros-Ministros legítimos, perfeitamente legítimos de acordo com as regras constitucionais. Não estou a dizer que a Comissão seja o governo da Europa porque a Comissão não é exactamente o governo da Europa. É muito mais complexo do que isso. Há a Comissão, mas há também o Conselho e há o Parlamento, bem como existe um sistema de co-decisão. A Comissão é contudo a instância executiva por excelência, é a Comissão que tem o chamado “monopólio da iniciativa legislativa”, mas a Comissão não é o governo da Europa, é aquilo que mais se aproxima dessa ideia no plano europeu.

No dia em que a Comissão for, se vier a ser, o governo da Europa, com certeza que o modelo ideal será o da eleição directa, embora eu julgue que hoje não há, ao contrário do que se diz, um verdadeiro problema do ponto de vista da legitimidade da Comissão. Isso é uma crítica que muitos eurocépticos, para não dizer, eurófobos, fazem em relação à Europa. Mais, a verdade é que o Parlamento Europeu é directamente eleito, portanto a legitimidade está lá. A Comissão responde perante o Parlamento Europeu. O Parlamento Europeu pode fazer derrubar a Comissão. Até agora nunca aconteceu verdadeiramente, mas foi com um receio de um derrube pelo Parlamento Europeu que a Comissão Santerre se demitiu. Na prática foi isso, portanto, os mecanismos democráticos ditos de “accountability”, portanto, de responsabilização, funcionam na União Europeia. Creio mesmo que em muitos casos funcionam mais na União Europeia do que nos Estados-Membros. As regras de transparência a que nós estamos obrigados na Comissão Europeia, são maiores do que aquelas que temos em alguns países. Posso dizer, eu hoje como Presidente da Comissão Europeia estou sujeito a mais deveres de transparência na gestão da Comissão Europeia do que estava em Portugal como Primeiro-Ministro. As regras são mais exigentes, por exemplo. As regras em termos de circulação de documentos, de informação à imprensa são também muito mais exigentes. É por isso que eu não aceito a crítica que alguns fazem de que a Comissão é um monstro burocrático. Com certeza que há sempre em qualquer organização uma tendência burocrática, mas estamos a procurar contrariar essas tendências que existem em qualquer organização. Mas globalmente, do ponto de vista da legitimação democrática, e do ponto de vista dos mecanismos de transparência, podemos pensar que temos um dos sistemas mais avançados do mundo, e estamos a reforçá-lo. Ainda agora, por minha iniciativa, criámos um novo mecanismo de transparência. Os documentos da Comissão que até agora eram enviados ao Parlamento Europeu, passam a ser enviados simultaneamente a todos os parlamentos nacionais, o que vai permitir aos parlamentos nacionais intervirem, se desejarem, numa fase anterior do processo. Ou seja, nós discutimos na Comissão uma nova directiva ou um novo regulamento, e ao mesmo tempo o texto é enviado para a Assembleia da República Portuguesa e para o Parlamento Europeu, e a Assembleia da República, se quiser, pode, através da sua Comissão de Assuntos Europeus, ou do seu plenário, enviar as suas opiniões para as instituições comunitárias. Não tem ainda (como teria se já estivesse em vigor a constituição) a possibilidade de aplicar o chamado teste da subsidariedade. Não tem ainda esse poder formal mas é um direito de intervenção política importante. Portanto, nós estamos na Europa a reforçar os mecanismos de transparência e de subsidariedade e deste modo, os mecanismos de legitimidade democrática.

Dito isto, a sua pergunta concreta: sim, se e houver uma evolução no sentido de maior federação dos esforços a nível europeu, aquele que pode ser um modelo a contemplar e que seria provavelmente o ideal do ponto de vista da realização democrática, seria a eleição directa do Presidente da Comissão pelos cidadãos europeus, mesmo baseados nos partidos políticos europeus.

 

 
José Pedro Salgado
Queria primeiro que tudo aproveitar para saudar o Dr. Durão Barroso, em especial porque não só é um grande orgulho para mim e creio que para todos nós termos um português enquanto Presidente da Comissão Europeia, como para mim, especialmente, é um orgulho ter um ex-aluno da Faculdade de Direito de Lisboa enquanto Presidente da Comissão Europeia.

A minha pergunta prende-se com um dos elementos essenciais da integração na Europa, que é a nossa tutela judicial, nomeadamente pelos nossos tribunais,

Hoje em dia, temos já, a nível internacional, alguns tribunais que centram a sua actividade na responsabilização dos indivíduos, concretamente o Tribunal Penal Internacional, e os tribunais “ad hoc”. Não temos infelizmente esse sistema na União Europeia. Já tivemos a tentativa de aderir ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, mas houve problemas de incompatibilidade.

Quando teremos um sistema desses para os cidadãos da Europa, tendo em conta que uma eventual integração terá sempre problemas a nível europeu, e não somente a nível nacional? E será que essa solução passará por uma eventual adopção da Carta Europeia dos Direitos do Homem, e portanto, a submissão ao seu tribunal?

Muito obrigado.
 
João Pires
Bom dia a todos. Uma saudação especial ao Sr. Dr. Durão Barroso. É um enorme orgulho ter entre nós uma pessoa tão distinta, cujo desempenho político eleva o nome da nossa nação às maiores instâncias europeias. O grupo verde vai reportar-se a um assunto que é a agricultura no nosso país. Nas últimas quatro décadas, tem vindo a registar-se uma perda de importância económica relativa ao sector primário na economia portuguesa. A redução do emprego neste sector tem sido progressiva, quer devido ao êxodo rural, quer ao envelhecimento da população.

Verifica-se neste sector que o número de quadros superiores, quadros médios e trabalhadores altamente qualificados, rondam valores inferiores a 1%.

Apesar dos inúmeros quadros de apoio que a União Europeia tem disponibilizado à agricultura portuguesa, o facto é que os jovens não se fixam neste sector, o que resulta na decadência do mesmo.

Será que a União Europeia deve mudar a forma como apoia a agricultura, ou será um problema de política interna de Portugal?

Muito obrigado.
 
Dr.Durão Barroso
Muito obrigado. A primeira questão do grupo encarnado, do meu colega da Faculdade de Direito de Lisboa, o Tribunal Europeu:

Bom, nós hoje já temos uma jurisdição comunitária, como sabe, para o direito propriamente comunitário, é o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, onde há pleno direito de recurso e é uma instituição extremamente importante, aliás, uma instituição supranacional e as suas decisões são obrigatórias para os Estados-Membros. É uma instituição prestigiadíssima. Mas isso é para o próprio direito comunitário, ou seja, quando estamos a tomar decisões, seja sobre regulamentos, sobre directivas ou sobre decisões nacionais que possam estar em contradição com o direito comunitário, e como sabem, o princípio geral é que o direito comunitário prima sobre o direito dos Estados-Membros (algo que estava bem expresso no projecto de constituição).

A questão que está a colocar, de outros tribunais, nomeadamente o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e por que razão é que a União Europeia ainda não faz parte deles como tal, é porque ainda não ficou resolvido o problema da personalidade jurídica da Comunidade Europeia, que estava resolvido no projecto de Constituição Europeia. Hoje, do ponto de vista jurídico, ainda não existe a União Europeia como tal. Há a Comunidade Económica Europeia, há ainda outras realidades, há ainda a Comunidade Europeia da Energia Atómica, mas não há, de facto, uma comunidade, o Eurotom. Não há ainda a União Europeia constituída como entidade única do ponto de vista jurídico-formal. Politicamente existe, o Conselho Europeu reúne e toma orientações que depois são aprovadas pelas próprias instâncias comunitárias, nomeadamente pelo Conselho. O Conselho de Ministros como sabem não é o Conselho Europeu. O Conselho Europeu é a cimeira dos chefes de estado e do governo. Portanto, eu espero que esse problema seja resolvido quando for resolvido o problema da Constituição ou de um texto constitucional que possamos encontrar. Obviamente, o mesmo aplica-se à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. A Convenção Europeia dos Direitos Fundamentais seria integrada no direito comunitário plenamente no projecto de constituição. É basicamente a parte segunda da Constituição.

O que acontece é que os Estados-Membros já aderiram. Por exemplo, Portugal já aderiu, ou seja, qualquer cidadão pode fazer um recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em Estrasburgo, se entender que os seus direitos não foram respeitados, mas a União Europeia como tal não é parte ainda dessa Convenção, precisamente porque ainda não está resolvido o problema da personalidade jurídica da União.

A segunda questão tem a ver com a agricultura.

Bom, se há um domínio onde a União Europeia tem investido ao longo dos anos é precisamente o domínio agrícola. É verdade que tem vindo a haver uma redução proporcional na medida em que isso, aliás, tem sido imposto pelas regras do comércio internacional. Como sabem, muitos dos apoios dados à agricultura, são considerados hoje incompatíveis com as regras da Organização Mundial do Comércio, e também porque na própria Europa há diferentes perspectivas.

Mas desde a fundação da Europa, da Comunidade Europeia, que houve a ideia de uma política agrícola comum, que é verdadeiramente uma política integrada, diferentemente de outras políticas, que são políticas complementares, ou seja, nós temos medidas a nível europeu para a investigação e para a tecnologia, temos ainda o sétimo programa quadro para a investigação, mas esse programa quadro não substitui nem impede programas nacionais. No caso da agricultura é diferente. Trata-se de uma política verdadeiramente integrada, ou seja, todos os Estados-Membros têm que aplicar a política agrícola comum.

É verdade que Portugal aí está numa posição de relativa desvantagem. Porquê?

Por duas razões fundamentais:

A primeira, estrutural, tem a ver com a pouca competitividade da nossa agricultura. A nossa agricultura é pouco competitiva, por razões que têm a ver com o nível de preparação da própria população que tradicionalmente se dedicava a actividades agrícolas, com pouco desenvolvimento tecnológico na agricultura portuguesa, com a própria estrutura da propriedade em Portugal, nomeadamente o minifúndio em algumas regiões muito importantes do país. Isto à partida já era uma situação negativa para Portugal, comparando por exemplo com a Espanha aqui ao lado, que tem vantagens competitivas em algumas áreas da agricultura.

Mas a acrescer a este aspecto, há outra dificuldade, é que a política agrícola comum foi desenhada antes da adesão de Portugal e da Espanha, e da Grécia e outros, ou seja, houve na origem da política agrícola comum, uma prioridade dada a produções que não eram as produções ditas mediterrânicas.

É verdade que a Espanha, graças às tais vantagens competitivas que tem, conseguiu superar isso e hoje em dia é um dos grandes beneficiários da política agrícola comum. Portugal, verdadeiramente, ainda não conseguiu.

A evolução mais recente da política agrícola comum tem sido, contudo, num sentido que favorece Portugal, se Portugal souber aproveitar as oportunidades.

Porquê?

Porque precisamente por causa das regras da Organização Mundial de Comércio, cada vez mais, estão limitadas as possibilidades de apoios directos à produção.

Não sei se vocês se lembram disso, mas aqui há uns anos, falava-se nas montanhas de manteiga e nos lagos de leite, porque como eram subsidiadas pela União Europeia, havia sobre-produção de manteiga, havia sobre-produção de leite, algo que era considerado irracional do ponto de vista do mercado, uma vez que esses produtos podiam ser comprados no mercado global a preços muito mais baratos. Ora, o que é que fez a Comissão Europeia e a União Europeia tem vindo a fazer?

Tem vindo a fazer uma espécie de “phasing out” de subsídios para a produção e têm vindo a fazer uma espécie de “phasing in”, isto é, a aumentar os apoios, não tanto à produção directa, mas ao desenvolvimento rural.

Porquê?

Porque queremos manter uma componente rural na Europa. É importante manter essa componente rural. Mas em muitos casos poderá não fazer sentido estar a comprar ou a subsidiar produtos que se podem comprar a preço muitíssimo mais baixo no mercado mundial e assim estar a Europa também a fechar-se a importações que podem vir de países em vias de desenvolvimento, ajudando também o desenvolvimento desses países. E também, com certos limites, porque haverá sempre algumas preocupações de segurança alimentar, vamos querer manter alguma produção agrícola na Europa. Mas devido à lógica dos subsídios pelos subsídios, houve um tempo em que mais de 70% do orçamento comunitário era destinado à agricultura. Agora está à volta dos 40%, mesmo assim há quem diga que é excessivo em termos proporcionais. Bom, e aparentemente é. É estranho que haja muito mais dinheiro para a agricultura do que para a investigação e para a ciência, por exemplo. Sobretudo quando pensamos no número de pessoas que estão dedicadas à agricultura, e no número de pessoas que são afectadas pelas decisões que temos no capítulo da ciência ou da investigação ou mesmo da indústria.

Bom, só que, esta comparação não é verdadeiramente séria, como já vos disse, porque os estados podem pôr recursos que na agricultura não podem pôr.

Portanto, a tendência será para reduzir gradualmente os apoios directos à produção. Mas devemos manter uma política activa de desenvolvimento rural. Eu estou muito empenhado nisso. A própria comissária europeia da agricultura está neste momento, no Douro, onde estamos a trabalhar com as autoridades portuguesas para ver se conseguimos encontrar do lado português também, o melhor aproveitamento de fundos que são muitíssimo importantes para o desenvolvimento da agricultura portuguesa. Portanto, há hipótese de manter uma agricultura em Portugal, desde que seja uma agricultura de qualidade, desde que seja uma agricultura com maior input de know-how melhor adaptado às condições do mercado e desde que integre não só essa dimensão agrícola, mas outras dimensões de protecção ao turismo rural, de desenvolvimento rural no sentido lato, de protecções ambientais, de cultura biológica. Há, portanto, uma evolução a fazer no tipo de agricultura em Portugal, e em outros países europeus.
 
Rui Saraiva
Em nome do grupo roxo, queria cumprimentar o Dr. Durão Barroso, agradecer a sua presença aqui, e a problemática que nós queremos abordar é acerca do terrorismo.

Quais é que são as medidas que estão a ser tomadas ao nível da União Europeia para prevenir esta ameaça e tendo em conta também que muitos dos prováveis terroristas já serão, provavelmente, cidadãos europeus?

Muito obrigado.
 
Tiago Araújo
Antes de mais, bom dia a todos.

Queria desde já, e em nome do grupo azul, saudar a mesa e em especial o Dr. Durão Barroso pela sua presença na Universidade de Verão 2006.

Apesar do recente alargamento da União Europeia, a verdade é que ela continua a ser e continua a representar uma meta a atingir por muitos países.

Será a União Europeia capaz de absorver esses países sem correr o risco de desvirtuar a sua matriz de formação?

Muito obrigado.
 
Dr.Durão Barroso
Bom, primeira questão: terrorismo.

Como sabem, em primeiro lugar, do ponto de vista jurídico-formal, a responsabilidade de luta contra o terrorismo continua a ser dos Estados-Membros, das polícias nacionais e dos sistemas de justiça nacionais. No entanto, tem havido progressos grandes em termos de cooperação neste domínio no âmbito europeu. Posso dizer-vos agora também com alguma experiência que muitos atentados já foram evitados graças à cooperação que há hoje no âmbito europeu. E agora falo até em relação à minha experiência em Portugal. Hoje em dia, há uma cooperação entre as polícias e os serviços de informação europeus, que não havia há alguns anos atrás. Os governos europeus entenderam perfeitamente que o terrorismo não tem fronteira e que também não faria sentido manter compartimentado no âmbito nacional a luta contra o terrorismo. Há uma série de medidas já tomadas que levam a dar maior coerência a essa luta. Para vos dar um exemplo: mandato de captura europeu. Hoje já há um mandato de captura europeu, ou seja, podem as autoridades judiciárias de um país pedir a outro que seja capturado alguém, suspeito de crime, de terrorismo ou de criminalidade organizada, de certos tipos de criminaliade noutro país europeu? Um exemplo mais recente: nos atentados que aconteceram em Londres, ao fim de 40 dias, um dos suspeitos, o maior suspeito desses atentados, foi apanhado em Roma, foi transferido para o Reino Unido.

Dizem os especialistas que antigamente, antes deste mandato, a captura podia demorar 4 anos ou nem ocorrer. Recorria-se, apenas, ao sistema de extradição. Disse alguém com humor que foi a primeira vez na história que o Tribunal de Roma reuniu em pleno mês de Agosto. Foi em Agosto que tal se deu.

Portanto, obviamente que isto dá maior coerência. Ou seja, há uma ameaça contra um estado–membro esta é percebida como uma ameaça contra qualquer estado-membro.

Foi no seguimento dum projecto, de uma proposta da comissão. Demorou muito tempo para que os estados-membros aceitassem esta medida. Agora, estamos a avançar. Só foi desbloqueado no conselho quando fizemos a última proposta, o chamado mandato de provas europeias. Porque não basta trazer os suspeitos para os julgar, é também preciso julgar as provas, porque somos estados de direito. E, as provas que eram produzidas perante o tribunal de um país não eram muitas vezes aceites por outro. Pois bem, isso já está em vias de resolução.

Recentemente, também em iniciativa da comissão, a Comissão Europeia é que tem o papel de apresentar as propostas, como sabem, depois são ou não aprovadas pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu, apresentámos uma regulamentação para a protecção das mensagens dos telemóveis. É um caso curioso que vou explicar. Havia duas tendências diferentes: aqueles que queriam mais segurança, ou seja, a possibilidade de as operadoras guardarem as mensagens dos telemóveis muitíssimo mais tempo e porquê? Porque quando há um atentado terrorista, foi assim que se descobriu em Espanha, os autores do atentado terrorista em Espanha foram descobertos por causa as comunicações que tinham feito nos telemóveis. Então, a polícia foi ver posteriormente as comunicações e conseguiu recuperar praticamente toda a rede, senão mesmo toda a rede que o tinha feito. Pois bem, as autoridades de segurança queriam uma garantia de que as operadoras de telemóveis conservam a possibilidade de fazer chamar o tracing, ou seja a identificação de todas as chamadas, mas isso tem alguns custos para as empresas, as empresas não queriam, queriam reduzir ao mínimo. Haviam duas posições extremas. Chegámos, com os Ministros do Interior, a uma solução de compromisso.

Este exemplo concreto que vos estou a dar, não podia ser uma medida tomada num país, porque obviamente isto criaria problemas de competição. Se há uma operadora que num país tem o dever de guardar o tracing durante um mês, outra tem o dever de guardar durante um ano. Isto cria problemas de concorrência.

Portanto, este é mais um exemplo, do sentido que faz e porque é que é racional, em muitos casos haver regulamentação europeia. E permitam-me agora esta digressão, porque às vezes, em Portugal felizmente isso não acontece. Em alguns dos países europeus, há a ideia de que a Europa não deve regulamentar nada, deve ficar tudo a nível nacional, de que a Europa está-se a meter onde não deve.

Eu também acho que a Europa não se deve meter onde não deve, mas deve meter-se onde deve. E não faz sentido quando temos um mercado de 25 ou 27 países, ter 25 regulamentações diferentes, portanto, uma regulamentação europeia pode em muitos casos simplificar a burocracia de 25 diferentes regulamentações nacionais, e nalguns casos pode fazer a diferença em termos de segurança.

Portanto, estas são as medidas que estamos a apresentar, concretas, são exemplos para uma approach, uma aproximação mais coerente na luta contra o terrorismo na Europa.

Nós estamos a fazer a proposta aos estados–membros que ainda não foi aceite, e vai demorar algum tempo a ser aceite, para que haja uma verdadeira política de justiça e de segurança interna, integrada, na Europa. Chamada comunitarização. Já existe nalgumas áreas, como por exemplo para a emigração ilegal, mas não há para a emigração legal, o que não faz sentido, porque as duas coisas estão ligadas. Apresentamos essa proposta para que a comunitarização acontece.

A comunitarização quer dizer em termos práticos que a votação destas decisões é feita por maioria e não por unanimidade. Porque como sabem a regra nas questões de segurança é que tem de haver unanimidade dos estados-membros. Ora a unanimidade demora muito tempo, e portanto nós estamos a facilitar, nesse aspecto também, a luta contra o terrorismo e contra criminalidade organizada em geral. Porque os criminosos de uma forma geral, não conhecem fronteiras, estas redes que estão organizadas são muitíssimo rápidas, são muito mais rápidas muitas vezes que os estados-membros e é necessários dar-lhes uma resposta no plano europeu.

A questão do Grupo Azul tem a ver com o alargamento e com a questão da absorção. Bom, este é um problema eterno na Europa, a chamada dialéctica alargamento/aprofundamento. Se uma contraria a outra, na história europeia não tem acontecido assim, pelo contrário, se repararem a Europa fez os seus avanços maiores em termos de aprofundamento político depois de alargamentos. Não foi a adesão da Inglaterra ou da Dinamarca, ou da Irlanda, que impediu a Europa de avançar depois daquela adesão. Pelo contrário, não foi a adesão de Portugal e da Espanha que nos impediu de avançarmos para o mercado interno, de avançarmos para o Euro, pelo contrário, mas eu lembro-me que na altura quando Portugal e a Espanha aderiram, e antes disso, havia muita gente que dizia que Espanha e Portugal eram países muito mais atrasados e que portanto, isto ia pôr um problema de coerência na Europa, que iria haver uma invasão do resto dos países mais ricos da Europa, pelos trabalhadores espanhóis e portugueses, como sabem aconteceu o contrário, houve mais gente a ir para Espanha do que gente a sair de Espanha, por exemplo.

Isto para vos dizer que muitas vezes os cenários feitos são mais negativos e mais pessimistas do que aquilo que se vem a verificar. É verdade que este último alargamento põe problemas diferentes, desde logo pela sua dimensão, foram 10 países que aderiram de uma só vez, há quem lhe chama o big bang. 10 países. E 10 países na sua maioria com um nível muitíssimo mais baixo do que a média comunitária, portanto, criando um problema de, digamos, compatibilidade e de coerência.

Agora, vou dar-vos a minha opinião pessoal, por causa das funções que exerço.

Desde que estou em funções, ainda não fez dois anos, posso dizer-vos que não vi ainda uma verdadeira dificuldade na Europa, quanto a decisões tomadas do ponto de vista europeu, por causa de qualquer posição tomada por estes novos estados-membros. Não foi nenhum dos estados-membros novos que votou contra a constituição. Eles defendem os seus interesses é verdade, e é verdade também que ainda não estão tão integrados na Europa como estão os países como Portugal que já está há vinte anos, ou os que fundaram a Europa que já estão há 50 anos. Isso é verdade.

Mas posso dizer-vos, na Comissão Europeia concretamente, nós reunimos todas as quartas-feiras, estamos ali 25 pessoas à volta da mesa, 25 pessoas, cada uma do seu país, de vários partidos políticos, mais à direita, mais à esquerda, com várias formações, até agora não houve um voto, pode ser que haja porque é democrático votar, não há mal nenhum, mas todas decisões têm sido tomadas por consenso. Ou seja, é possível, é perfeitamente possível numa Europa alargada chegarmos a consensos e pormos o mecanismo institucional a funcionar. É mais difícil, com certeza que é. Demora mais tempo, seguramente, é mais complexo, certo, mas a realidade é complexa, e perante uma realidade complexa nós temos que assumir essa complexidade e não vê-la necessariamente como negativa.

Agora, é um desafio maior, é verdade, às vezes há muitos mal entendidos, ainda ontem recebi em Bruxelas o novo Primeiro Ministro polaco, porque havia algumas acusações dirigidas às novas autoridades polacas, ele quis ir a Bruxelas como a primeira cidade que visitou depois de ser eleito, depois de ser nomeado primeiro-ministro, precisamente para dar garantias, segundo ele, de que não haveria nenhuma contradição entre os valores deste governo e os valores europeus. É um processo de permanente negociação.

Mas obviamente que se fala hoje do problema da capacidade de absorção, e foi decidido no último Conselho Europeu que íamos apresentar, e é o que estamos a fazer, a Comissão está a preparar um relatório sobre a capacidade de absorção da Europa.

Isto é, até onde é que a Europa pode alargar-se sem prejudicar a sua coerência e a sua operacionalidade. E nós, Comissão Europeia, estamos a preparar esse relatório que vamos apresentar agora durante a presidência finlandesa, ou seja, até ao fim do ano. É um papel estratégico sobre o alargamento.

A minha posição e a posição da comissão é de que não devemos à partida fixar limites artificiais à Europa, A ideia de limite é uma ideia perigosa. Porque o limite é por definição, desculpem-me o truísmo, limitativo, é uma ideia defensiva. O que está nos tratados, como sabem, é que todos os países europeus que se identifiquem com valores europeus e que aceitem as regras comunitárias, têm o direito a se candidatar a tornar-se membros da União Europeia. E penso que isto não deve ser posto em causa.

E depois está claro e é verdade que se eles têm o direito a candidatar-se, também os países membros da União Europeia tem direito de verificar se estão em condições de os receber. Isso é verdade, é como se fosse um clube, não podemos alargar demasiado.

É esta a dialéctica que estamos a viver.

Para já a Europa definiu que foi dado o sim à adesão da Roménia e da Bulgária, que vão entrar muito em breve de acordo com a decisão do Conselho Europeu, ou em 2007 ou em 2008, o mais tardar em 2008, nós vamos tomar a decisão que vamos propor aos estados-membros no final deste mês, a Comissão Europeia vai tomar essa decisão, compete à Comissão fazer a proposta neste sentido, não posso ainda antecipar qual seja a decisão, mas enfim, muito em breve teremos a Roménia e a Bulgária entre nós.

Depois, foi dito que começávamos negociações com a Turquia e com a Croácia, e essas negociações estão em curso, sendo claro que com a Turquia são negociações que vão demorar, com certeza muito tempo, porque a Turquia coloca alguns problemas especiais, pela sua dimensão e por outros problemas, não será para amanhã nem para depois de amanhã que a Turquia poderá vir a ser membro da União Europeia.

E foi dito também que os países dos Balcãs, têm uma vocação europeia, e já foi reconhecido o estatuto de candidato à ex-república jugosláva da Macedónia. Candidato, ainda não se começaram negociações. Mas já foi reconhecido que tem condições.

Para aquelas que estiveram nos Balcãs, eu estive nos Balcãs várias vezes, e vi, vi a guerra, vi o ódio, mais indescritível, eu vi naquelas cidades europeia jardins que hoje em dia são cemitérios na Bósnia Erzgovina.

Pensar que nós europeia podemos estabilizar aquela região, que ao fim e ao cabo não é assim tão grande, todos juntos, e dar àquelas pessoas ali que são europeus como nós, a possibilidade de viver em paz, democracia e liberdade, penso que é um grande desafio a que não podemos dizer que não.

É por isso, obviamente preparando esses países, e hoje em dia toda gente que conhece ao Balcãs diz, que a única garantia que temos de manter a paz e a estabilidade ali é precisamente a perspectiva daqueles países um dia virem a ser membros da União Europeia.

É por isso que defendo o alargamento, defendo o alargamento, obviamente, desde que seja possível gradualmente garantir que os mesmos princípios da fundação da União Europeia serão actualizados na Europa alargada.

Isto é um processo dinâmico, e a gente também tem que pensar dinamicamente, é que as vezes as pessoas pensam “Bem, eu não estou a ver a Turquia hoje membro da União Europeia”, diz muita gente, “eu não estou a ver a Bósnia”. Bom, mas também ninguém está a dizer que eles vão membros hoje, ou mesmo amanhã, estamos a pensar daqui a alguns anos.

Se me dissessem em 1989 que a Polónia iria ser membro da União Europeia, provavelmente muitos de nós não teríamos acreditado. Se tivesse alguém dito nos anos 80, que a Estónia, a Letónia, a Lituânia vão ser membros da União Europeia, todos começariam a rir, mas como? São partes da União Soviética, nem sequer são países independentes, e hoje em dia são membros activos da União Europeia.

Portanto, temos que pensar dinamicamente e não pensar sempre em termos ficcionistas, não pensemos naquela parte do mundo agora, como está hoje, pensemos como é que ela pode estar aqui a dez, quinze ou vinte anos. E trabalhemos para que esteja melhor, e a Europa tem todo o interesse em exportar estabilidade em vez de estar a importar instabilidade. Temos todo o interesse nisso, é uma questão de valores, é uma questão de solidariedade, dar a hipótese à paz, mas é também uma questão do nosso próprio interesse, algumas das redes de contrabando, contrabando não apenas de bens e mercadorias, algumas das redes de tráfico de mulheres, tráfico de crianças que hoje em dia estão a fazer mal à Europa, vêm daquela região.

O que é que vamos fazer? Vamos pôr uma muralha, vamos fazer guerra? Ou vamos, pelo contrário, fomentar os nossos valores e fomentar o crescimento e a prosperidade daquela região para que deixe de haver esse tipo de actividade naquela parte da Europa, e para que a Europa possa encontrar mais trabalho. É esse o desafio, eu acredito que podemos vencê-lo, exige também uma coisa, exige responsabilidade, exige que os líderes europeus em vezes de caírem na xenofobia e no populismo, e a ameaçarem contra essas ameaças, expliquem à sua população o que é que a Europa tem a ganhar com isto. E o que é que nós ganhamos com uma Europa alargada. E aí temos números extraordinários, se vocês virem por exemplo o aumento que há de exportações dos países membros da União Europeia para os novos estados-membros, verificam que em muitos casos ele é 5 a 10 vezes superior ao aumento que há para os outros países da União Europeia, ou seja, o crescimento económico desses novos membros é também algo que vai alimentar o crescimento nesta parte da Europa. Vamos fazê-lo mas vamos fazê-lo gradualmente e de maneira coerente.
 
Alexandre Brito
Muito bom dia, em nome do grupo cinzento gostava de agradecer e saudar a presença do Dr. Barroso na Universidade de Verão 2006, sendo caso para dizer o bom filho à casa torna. Gostávamos de saber o que é que a União Europeia está a fazer para ajudar os estados-membros a resolver o problema da emigração clandestina nomeadamente a que está a surgir no mediterrâneo.
 
José Baptista
Ilustríssimo Dr. Durão Barroso, excelentíssimo Director da Universidade de Verão, Deputado Carlos Coelho, e caro Presidente da JSD, companheiro Daniel Fangueiro.

Exmo. Sr. Dr. Durão Barroso, em nome do grupo castanho é um prazer recebê-lo em Castelo de Vide três anos depois, esperemos que se sinta tão animado e tão feliz em cá estar como nós em recebê-lo.

Em nome do grupo castanho, a nossa homenagem, a bandeira de Portugal e a bandeira da Europa, para ver como somos europeístas e como estamos consigo mesmo não estando em Portugal neste momento.

Queríamos colocar uma questão: quanto à criação de uma agência europeia de armamento e de investigação estratégica para reforçar a base industrial e tecnológica do sector da defesa, conferindo aos estados-membros a possibilidade de levarem a cabo entre si, diferentes programas de cooperação, e assegurar o respeito pelos compromissos assumidos em termos de capacidades, qual é que é na opinião do sr. Presidente da Comissão Europeia, a resolução, se seria possível a criação desta mesma agência e uma maior cooperação a nível da defesa entre os estados-membros?
 
Dr.Durão Barroso
Talvez comece por esta questão visto que a outra é mais geral.

Em primeiro lugar obrigado por essa homenagem à Europa do grupo castanho, eu defendo o reforço da cooperação na área da defesa, há ideias concretas para avançar nessa Agência europeia de defesa, há aliás, uma parte disso em que já temos alguma competência, porque também há um mercado interno, e portanto o comércio de bens ou de mercadorias na área das defesa também cai, de algum modo sob a nossa responsabilidade.

Mas a verdade é que não há ainda uma política integrada de defesa no âmbito europeu.

E nós temos vindo a defender isso, eu próprio me tenho pronunciado, várias vezes, a favor, ainda há pouco disse aqui na minha intervenção inicial, é preciso que os estados-membros vençam algumas resistências, e procurem criar, também aí, uma identidade europeia.

A questão da imigração ilegal, é muito recente. Isto é do grupo cinzento. Eu não tenho nada contra as cores, mas não seria melhor no futuro, algumas cores prestam-se a interpretações. Por exemplo escolher nomes de cidades, ou portuguesas ou europeias, sei lá, o grupo Lisboa, o grupo Bruxelas, o grupo Roma, o grupo Londres, Paris, é melhor do que algumas cores que se prestam aqui, ou outra sugestão qualquer, desculpe lá, não quero meter aqui na vossa competência. Temos que respeitar o princípio da subsidiariedade. Mas as cores por outro lado têm uma vantagem, eu disse isso no início da presidência austríaca, não sei se se lembram, a presidência austríaca fez um magnífico logo com muitas cores verticais, que é aliás um gráfico de barras, com cores, e eram as cores das bandeiras europeias, quem o fez é aliás, aquele grande arquitecto holandês, Koolhaas, que foi o homem que fez a casa da música no Porto, foi o autor do logo, e na altura eu disse, felicitei a presidência austríaca por aquelas cores, porque disse, para vencermos de facto aquela perspectiva cinzenta que há hoje sobre a Europa.

E para vencermos a perspectiva cinzenta, vamos pôr esta multiplicidade de cores, porque a Europa precisa de confiança e precisa de cor. Mas agora vejo aqui um grupo cinzento que espero que esteja plenamente identificado com esta multiplicidade de cores. Sei que está aliás identificado com isso.

Bom, a imigração ilegal é muito recente, o esforço da Europa para haver uma política comum. Porque até agora estava praticamente no âmbito da sacro-santa soberania dos estados.

O direito de decidir quem entra e quem não entra nas nossas fronteiras. Obviamente que as pessoas perceberam que num espaço em que há liberdade de circulação, isto tem que ser bastante adaptado, porque aquelas pessoas que estão a entrar em Espanha, nas Canárias, ou em Malta, ou em Lampedusa na Itália, muitas delas não ficam ai, vão para todo o espaço europeu, e por isso só faz sentido ter uma política europeia.

Foi criada recentemente a chamada Frontex, que é a agência das fronteiras externas, mas é uma organização que está a dar os seus primeiros passos. Temos poucos recursos do ponto de vista económico-financeiro, para fazer face a todos os pedidos que temos dos estados-membros. Começaram-se agora a dar os primeiros passos, muito por causa destas crises humanitárias terríveis que têm havido, e que têm tocado alguns estados-membros, mas têm sido uma tragédia sobretudo, para aqueles africanos que procuram as nossas costas.

Vou vos dar um elemento que se calhar não tem presente: este Verão morreram mais pessoas no mar, entre a África e as Canárias e outras regiões da Europa, do que no conflito do Líbano e de Israel.

Já pensaram na tragédia que é, aquelas africanos que procuram chegar a Espanha, a Itália, à Europa, não são criminosos, são pessoas que procuram desesperadamente fugir às situações de fome ou de pobreza em que se encontram, muitas vezes com todas as economias da família, é a família toda que se reúne para lhes dar o dinheiro, eles metem-se numas jangadas às vezes absolutamente fracas e artesanais, jogam-se à aventura para vir trabalhar para a Europa. Com certeza que em muitos casos são explorados por redes criminosas, redes de emigração clandestina. Mas eles não são criminosos e estão a morrer estas pessoas aqui. Portanto, é uma tragédia humanitária de uma dimensão trágica, de uma dimensão trágica.

E era importantíssimo que a Europa lhes faça uma resposta, a resposta a isto não pode ser só de segurança. Claro que tem que haver fiscalização, aliás, eu sei que Portugal também está a colaborar com as autoridades espanholas, eu recebi a vice-primeira ministra espanhola, anteontem, precisamente em Bruxelas, ela veio mais uma vez falar connosco, e tomamos algumas decisões concretas, eu nomeei o vice-presidente da comissão, Frattini, o comissário italiano que é responsável pela segurança, para coordenar um grupo de trabalho com outros comissários que tem a ver com esta matéria, para procurarmos mobilizar fundos de diferentes programas, não apenas o programa que temos no âmbito das relações externas, mas também o programa de ajuda aos países em desenvolvimento, programas sociais para ajudar as regiões afectadas, programas de várias competências da comissão.

É de facto um desafio de uma grande dimensão que já está no topo da agenda.

Ao mesmo tempo é um bocado absurdo, que a imigração legal não seja ainda uma política comunitária, então dá-se este paradoxo, os países podem decidir as chamadas legalizações extraordinárias de imigrantes, como aliás fez a Espanha, sem consultar os outros. Isto muitas vezes tem o efeito de chamada, mas depois, aqui já não há qualquer direito, nem nenhuma obrigação, melhor dizendo, de concertação comunitária.

É por isto que é necessário, também aqui, termos mais Europa, e não menos Europa, é o que faz sentido, eu estou a lutar com a comissão, nós estamos conjuntamente a lutar para que os estados-membros nos dêem mais meios e mais instrumentos para fazer face a esta tragédia, que é uma tragédia terrível e que não vai diminuir, pelo contrário, espera-se que agrave nos próximos meses por causa das condições climatéricas e das correntes, e vamos ter de defrontar este problema durante muito tempo.

Estou também empenhado neste diálogo com África, vou aliás estar na Etiópia, em Adis Abeba, no próximo mês de Outubro, porque a solução de fundo para este problema, não é de segurança, é de desenvolvimento. É da Europa entender que também aqui, além do dever de solidariedade, tem todo o interesse em ajudar as populações africanas, a fixarem-se e a encontrarem de forma endógena razões para o seu desenvolvimento. É aí que estamos. E vamos articular isto cada vez mais com a Comissão da União Africana, já temos feito isso, para que os próprios países aí nos ajudem, nem sempre nos têm ajudado tanto quanto queremos, a desenvolver os seus países de maneira a evitar fenómenos de emigração ilegal, que são para a Europa muito negativas, e que são para aqueles que nelas estão, uma verdadeira tragédia.
 
Dep. Carlos Coelho

Terminando as questões de cada grupo, irei abrir, teremos 30 minutos para efectuar questões livres ao nosso orador, irei abrir as inscrições neste momento.

Eu vou ler as pessoas que estão inscritas: José Alberto Rodrigues, Filipe Carraço, Adilson Zego, Nuno Matias, Lisete Rodrigues e Tiago Machado.

As questões serão efectuadas dois a dois, também como foi feita na primeira fase.

José Alberto Rodrigues.

 
José Alberto Rodrigues
Muito bom dia a todos. Cumprimento especial ao Dr. Durão Barroso. Relativamente às cores, aí está a sugestão de tirar o verde e o azul, reforçar o vermelho e branco. Sr. Dr. Durão Barroso nós ainda há bem pouco tempo éramos oposição, fomos governo a seguir, depois passamos por uma turbulência que ainda ninguém percebeu muito bem qual foi e deixamos de ser governo outra vez, estando novamente agora na oposição, Dr. Durão Barroso uma questão muito simples é: qual será o caminho que devemos seguir para voltar a recuperar o governo e colocarmos Portugal no caminho certo?
 
Filipe Carraco dos Reis
Ora então, bom dia a todos os presentes, também gostava de saudar aqui de um modo particular o nosso convidado de hoje, Dr. Durão Barroso, acho que é muito aliciante estarmos todos aqui numa manhã como esta, a poder falar destes temas no interesse de todos, certamente, consigo.

A pergunta que eu queria colocar aqui era a seguinte: face ao impasse que se tem verificado nos últimos tempos, em termos da evolução do processo europeu, queria-lhe perguntar se não acha que uma inevitabilidade a convergência para uma Europa política mais do que uma união europeia económica, ou uma união europeia social, não será uma inevitabilidade face aos desafios que de hoje em diante se vão colocar cada vez mais, face à globalização e, face ao surgimento de um novo mapa geopolítico. E se, apesar desse alargamento que se tem verificado, não têm sido no fundo, os fundadores da União Europeia, que a criaram com o intuito inicial de uma comunidade económica europeia, talvez eles tenham sido nos últimos tempos os maiores cepticistas em relação ao avanço para essa união política, que eu julgo necessária e inevitável para o reforço duma posição europeia forte e consistente no mundo actual.
 
Dr.Durão Barroso
Bom, em relação à primeira questão, peço desculpa, mas não vou responder, estou aqui como Presidente da Comissão Europeia, não posso entrar em política partidária, peço que compreendam isso.

Em relação à segunda questão sobre a Europa política e a sua inevitabilidade, continuo a pensar que a tendência forte na Europa, a longo prazo, é a tendência da integração política.

Haverá quem diga “mas isso é uma questão de fé, você é um optimista, eu baseio-me, é verdade que tenho isto como um objectivo, e é verdade que normalmente procuro ver as coisas pelo lado positivo também, mas julgo que é uma análise baseada em factos. E vou dar-vos apenas um elemento ou outro.

Devem ter seguido recentemente o debate em alguns países acerca do chamado “patriotismo económico”, que era necessário resistir às tomadas de posição de outras empresas, outros países no nosso próprio país e coisas do género. Pois a verdade é que nos primeiros três ou quatro meses deste ano, houve mais operações ditas cross border, mais aquisições, do que em todo o ano passado, e a tendência tem vindo sempre a subir.

Ou seja, a realidade económica, tem sido cada vez mais uma realidade de integração. E isto tendencialmente levará, obviamente, à criação de um mercado mais integrado e de um maior sentido de comunidade.

Claro está que, eu não acredito nas inevitabilidades, acho que em política há muita coisa que não se deve dar por adquirida, é por isso que é necessária vontade política, é por isso que é necessário liderança.

Nunca podemos considerar que o projecto está definitivamente adquirido, a Europa teve ao longo da sua história a presença de demónios terríveis. O demónio do nacionalismo, o demónio do racismo, o demónio do chauvinismo, da xenobofia, e aqui e além vê de vez em quando manifestações disso; são minoritárias é certo, mas existem. Essas ameaças existem e por isso é que temos que estar atentos que nada se deve dar por adquirido e temos que valorizar as coisas. Costumo fazer esta comparação com as pessoas, desculpem esta referência talvez um pouco piegas, mas as pessoas também nós nunca devemos dar por adquirida, nem o nosso namorado, nem a nossa namorada, nem o nosso amigo ou a nossa amiga, se gostamos de uma pessoa é bom que lhe digamos isso e que a valorizemos.

E na Europa também, nas relações e nos países também é assim. Se damos valor a esta comunidade é bom que digamos isso, é bom que expliquemos, é que não pensemos que por uma questão de lógica económica, isto já está feito. Não é assim.

Repito: estou convencido que a lógica económica vai trabalhar toda nesse sentido. Porque é o que faz sentido neste mercado alargado, é o que faz sentido por causa da globalização, pelas razões de dimensão que há pouco referi.

Mas falta também mais vontade política, mais capacidade de explicar isso, mais pedagogia, mais necessidade de fazer as pessoas partilhar desses valores – isso é muito importante.

E a segunda parte da sua pergunta, eu confirmo a sua preocupação, de facto em alguns estados-membros, incluindo alguns dos fundadores é que surgiram sinais mais inquietantes. Porquê? Penso que pelas razão que há pouco referi, há um receio da globalização, e como são países que atingiram níveis muito desenvolvidos, estão preocupados com uma concorrência acrescida que vem de países menos desenvolvidos, alguns que aderiram à União Europeia e outros que são lá fora.

Isso cria a tal inquietação. Cria a tal resistência, cria o tal efeito, desculpem a expressão em francês “replis sur soit”, de fechamento, a tal ideia de protecção. E é isso que temos que combater, combater de maneira racional, obviamente, e com argumentos sérios, mas temos de combater. Porque, uma parte do problema, a meu ver, explica-se por isso, e nós estudamos atentamente o que se passou em França e o que se passou nos Países Baixos. Por exemplo em França houve um debate sobre o chamado “pomplier polonais”, que é o canalizador polaco, em que as forças anti-europeias disseram, vai haver uma invasão de canalizadores polacos, coisa absolutamente ridícula. Dizia há dias um membro da minha comissão que há menos canalizadores polacos em França do que ursos nos jardins zoológicos franceses. Mas o debate foi esse, a ameaça de perder. Bom, e para a pessoa que está em França, para o trabalhador que está em França é uma questão séria “então a gente pode perder o nosso emprego”, estão a ver, estou a falar isto, o Presidente da República Francesa disse, ele próprio disse que achou que essas intervenções estiveram no limite da xenofobia e do racismo. Isto magoou muito os polacos, aliás. É uma coisa muito séria.

A Holanda é um dos países mais tolerantes do mundo, com uma traição liberal extraordinária, recebeu muita gente, recebeu até judeus que foram expulsos de Portugal. Pois é verdade é que na Holanda no debate sobre a Europa, hoje em dia talvez por causa do peso duma grande parte da comunidade islâmica na Holanda, houve muitos discursos de xenofobia.

Por isso é que não podemos garantir as conquistas do ponto de vista civilizacional que já temos. Não podemos dá-las como garantidas, e para as garantir temos que travar constantemente este debate político e cultural.
 
Adilson Moreno Brito Zego
Boa tarde, sou Adilson Zego, cabo-verdeano, sou autarca, estou a representar uma média de 20 mil pessoas do meu concelho. Honro-me bastante de estar aqui presente convosco, e especialmente com o Dr. Durão Barroso, que é a primeira vez que vejo cara a cara.

E a minha pergunta é a seguinte: no âmbito da política externa da União Europeia, qual é a relação com a África e em especial com os países que falam língua portuguesa, pois em Cabo-Verde tem-se discutido na esfera política, a possibilidade de haver uma parceria especial com a União Europeia, sendo o Dr. Mário Soares um dos apologistas, e o impacto que essa medida poderá ter no relacionamento com os outros países também da África, e em especial dos PALOP’s.
 
Nuno Matias
Muito obrigado, primeiro de tudo saudar o Dr. Durão Barroso, pelo facto de estar aqui mais uma vez na nossa casa, que também é sua. A questão que lhe gostaria de colocar prende-se com o seguinte: fala-se muito que á medida que aumenta o número de estados-membros da União Europeia, aumenta também uma espécie de esclerose institucional das instituições comunitárias. A questão que gostaria de colocar é se não acha que esta situação se agrava pela malha apertada que representa o processo de decisão e de formação de maiorias no seio destas instituições.
 
Dr.Durão Barroso
Primeira questão do nosso amigo de Cabo-Verde. A União Europeia tem uma política africana e uma política de desenvolvimento muito desenvolvida, é de facto o maior doador de ajuda ao desenvolvimento a África, nomeadamente no âmbito do chamado grupo ACP – África, Caraíbas e Pacifico, não é só a África, é a África, mas também são alguns países das Caraíbas e do Pacifico, que eram ex-colónias de países europeus, e com as quais se quis estabelecer um regime preferencial,

E nomeadamente temos um política para os 50 países menos desenvolvidos do mundo, chamados PMA – Países Menos Avançados, uma política que consiste a partir de 2009 em garantir o acesso livre de qualquer imposto e livre de qualquer quota a todos os produtos, excepto armas, no mercado europeu.

Portanto acho que globalmente a Europa pode estar orgulhosa do seu papel, em relação à ajuda ao desenvolvimento, fazemos mais do que qualquer outro país ou grupo de países no mundo. Dito isto podemos sempre fazer mais, e melhorar.

E estamos a trabalhar nesse sentido, a minha comissão tem colocado agora uma prioridade enorme a África, como disse ainda há pouco vou proximamente visitar a União Africana, eu próprio já estive lá, já recebi os meus colegas da Comissão da União Africana, visitei já alguns países africanos, apesar da minha agenda ser terrível como devem calcular, e vou manter esse interesse e essa prioridade do nosso discurso. Resolvemos aliás que em toda a ajuda ao desenvolvimento acrescido e que foi decidido e anunciado em Gleneagles, no G8, do ano passado que eu próprio anunciei, que 50% de todo esse acréscimo seria para África, porque entendo que África deve ter um papel especial.

No âmbito de África há obviamente os países de língua oficial portuguesa, há hoje um programa chamado PIR PALOP, que é um Programa Indicativo Regional PALOP, que foi criado precisamente, durante a presidência portuguesa d 92, eu era Secretário de Estado na altura, e conseguimos convencer, não foi fácil, conseguimos convencer a União Europeia da altura, (agora estou a falar como português, como ex-membro do governo português), conseguimos convencer a Comissão Europeia a aceitar que os PALOP’s embora não sendo uma entidade regional, podia ser para alguns efeitos uma entidade equivalente a regional.

Como sabem a Comissão Europeia privilegia nas suas relações as entidades regionais: CDAO em África e outras; SADEC que é África Austral. Pois bem, aqui dissemos, na altura era o comissário Mari, um comissário espanhol, o comissário responsável pelo desenvolvimento, dissemos “oiçam, lá, estes países é verdade que não são geograficamente contíguos, temos Angola na costa ocidental, e Moçambique na costa oriental ambos na África Austral, mas depois temos a Guiné na costa ocidental e ali encravada na ex-África francesa, e temos dois arquipélagos, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.

Mas há proximidades culturais e outras que levam a que faça sentido nalgumas áreas, haver alguma cooperação. E foi lançado e está a funcionar. E está a funcionar, não tão bem como gostaríamos, razão pela qual agora, recentemente escrevi um carta a todos os chefes de estado destes países pedindo-lhes para fazer algum esforço, para que agora no próximo FED, 10, FED é o Fundo Europeu para o Desenvolvimento, tenhamos um apoio continuado a este sistema de cooperação.

É verdade que Cabo-Verde está à procura de um regime especial, até agora não se encontrou uma formula, porque Cabo-Verde é de facto um país especial, nós reconhecermos isso, mas é um país que está nos ACP, e é um pouco difícil tratar Cabo-Verde como se não fosse um país africano, como se fosse um país que não é africano. Porque nós só temos na União Europeia estatutos diferentes para aqueles países que não estão no grupo ACP e penso que Cabo Verde também não quer sair do grupo ACP.

Mas estamos a trabalhar, eu próprio já recebi várias vezes, aliás, já estive várias vezes com o Primeiro Ministro de Cabo-Verde, já nestas funções, e estamos a trabalhar no sentido de dar um tratamento na prática privilegiado a Cabo-Verde, até porque Cabo-Verde merece. Cabo-Verde é um dos casos mais extraordinários, em termos de boa utilização de fundos comunitários. Cabo-Verde é um caso único, eu cito muitas vezes Cabo-Verde, porque Cabo-Verde desmente a teoria, que é tão comum nalguma ciência politica, de que o nível maior de desenvolvimento económico corresponde a um maior nível de desenvolvimento político, não. Cabo-Verde que é o país mais pobre que há muitos países da África muito mais ricos, é hoje em dia uma democracia plena, com alternância do poder, com liberdade de expressão, sem presos políticos, com pluralismo democrático; enquanto que outros países muito mais ricos não conseguiram fazer isso ainda em África.

O que mostra a importância do factor político-cultural. E Cabo-Verde em termos de desenvolvimento social, nas estatísticas das Nações Unidas, é um dos 4 países mais desenvolvidos de África: Cabo-verde, Tunísia, Maurícias e Líbia também, do ponto de vista social não direi do ponto de vista político. Mas a Líbia é como sabem riquíssima, por causa do petróleo. O que é extraordinário, Cabo-Verde não tem quase recursos naturais nenhuns comparado com estes países que citei, está no topo das indicações em África, de desenvolvimento social, ainda haja imenso ainda a fazer, naquele país, como sabe melhor do que eu, com certeza.

A segunda questão, a questão do Nuno Matias sobre os processos de decisão. Pois, já tinha parcialmente respondido.

Honestamente o que é que lhe posso dizer. É verdade que a 25 ou a 27 é mais difícil, vocês compreendem isso perfeitamente.

Dantes tínhamos, já estive como ministro dos negócios estrangeiros na União Europeia quando éramos 12, em termos práticos é assim, à volta da mesa há 12 mais a comissão, eram 13. Passou depois para 15, com a adesão da Áustria, da Finlândia, e da Suécia. Agora, passou para 25 de um dia para o outro. E em breve vai passar para 27, quer dizer que à volta da mesa estamos 25, já estamos na prática, porque os dois já são convidados, 27, mais a comissão, 28.

Pelo menos 28 pessoas, quando é a reunião restrita, quando são as reuniões mais formais, há o Primeiro Ministro, há o ministro dos negócios estrangeiros no caso da comissão, ou o da comissão e um comissário ou comissária.

Bom, a própria dinâmica da reunião é diferente, vocês devem compreender isso, entre vocês aqui são cerca de 100, por isso é que criaram os tais grupos, é porque 10, com certeza é mais eficaz para a interacção do que cem.

Dito isto acredito que se houver vontade política, é possível suprir as dificuldades institucionais disto, é muito mais importante a atitude política, a cultura política de uma organização, do que os mecanismos institucionais da mesma.

E há muito potencial para melhorar. Já vos disse há pouco, que na comissão, esta comissão a 25 não funciona pior do que a comissão a 15, pelo contrário, podemos ver o número de decisões tomadas, o consenso obtido, é maior do que quando a comissão era mais restrita.

Portanto, sei que alguns gostariam, alguns na Europa gostariam que eu dissesse que nada funciona para justificar, mas a verdade é que algumas coisas podem funcionar.

Agora se me perguntar: mas vocês favorecem ou não uma modificação das regras no sentido... Aí com certeza que sim, eu apoio sem reservas, nesse aspecto, a constituição, o poder da constituição. É muito melhor, muito mais prático, e muito mais eficiente, tomarmos decisões por maioria, do que decisões por unanimidade em tantas questões, paralisam a questão.

É com certeza melhor, mas daí a dizer que actualmente não funciona, que há uma esclerose por causa da questão institucional, eu não concordo com isso, eu acho que é reconhecendo as dificuldades que podemos ultrapassá-las e acho que o mais importante é os estados-membros meterem mais investimento político, mas espírito de compromisso, mais espírito europeu, mais espírito comunitário, isso é mais importante do que a questão meramente do design institucional.

 
Dep. Carlos Coelho
Sr. Dr. Durão Barroso, em nosso nome e em nome da Universidade de Verão agradeço-lhe a sua participação qualificada, a honra e a distinção que nos concedeu, peço ao Dr. Alexandre Picoto para vir aqui, o Daniel e eu como é costume vamos acompanhar e despedirmo-nos do nosso convidado à saída, que, e honra seja feita ao sr. Presidente da Câmara, ao nosso anfitrião, tirando partido da presença do Dr. Durão Barroso na nossa universidade, convidou-o para inaugurar a Avenida da Europa, acto oficial que acontecerá logo a seguir à saída da Universidade de Verão.

Dr. Durão Barroso, muito obrigado.