Revista de Imprensa
Registos Audio Fotografias
dia 3 - 10.00
Sessão de Avaliação da UNIV
dia 3 - 12.30
Sessão Formal de Encerramento
dia 3 - 14.00
Almoço de confraternização com UNIVs de 2003, 2004 e 2005
Jantar-Conferência com o Prof. Dr Joaquim Azevedo
 
Boa noite a todos. Caros colegas, se me permitem gostava desde já de usar outra maneira de vos abordar, não será justo que ao fim destes quatro dias, e também quatro noites, e também depois de toda a ajuda e carinho que me têm acolhido, será mais correcto tratar-vos por caros amigos.

Caros amigos, também não estaria a ser justo, se não aproveitasse esta oportunidade para aclamar o rigoroso trabalho desenvolvido nesta actividade pioneira em Portugal, que é a Universidade de Verão.

Confesso que estou deslumbrado com o cuidado extremo com que tudo se desenrola nesta universidade, também estou deslumbrado com a dinâmica e precisão que aqui são ensinados.

Posso até usar uma metáfora de relógio Rolex para designar a mentalidade que aqui se faz mais uso.

Esta universidade é uma máquina consistente, moderna, e precisa. E que tem com estas propriedades a intenção de nos ajudar a lidar com um mundo cada vez mais agressivo e competitivo. Tenho então que felicitar esta direcção liderada pelo Dr. Carlos Coelho, pelo trabalho desenvolvido com esta selecção de jovens.

Quero também saudar uma pessoa em especial, uma pessoa que tem dedicado uma vida a uma área que nos afecta a todos, sem qualquer tipo de excepção, uma área que nem sempre é justa para os profissionais mais dedicados.

Imaginem o quanto é encorajador aquele protótipo de jovem que passa o tempo a reclamar. Diz que as aulas são uma seca. Os professores não são cativantes, a escola é que não presta, e a culpa é do sistema. Reclamações que passam de geração para geração de alunos, e que parecem fazer parte da estrutura do ADN do povo português.

Quero felicitar essa pessoa, pela coragem e determinação em avançar na resolução e eliminação deste tipo de problemas que afectam a espinha dorsal de uma sociedade que pretende modernizar-se.

É curioso que ainda hoje observámos que o mapa de ileteracia de há cem anos coincide com os mapas de riqueza dos dias de hoje, Portugal não escapa aos últimos lugares da Europa.

Este é apenas um exemplo de que se não actuarmos urgentemente no sistema que se encontra debilitado, há vários anos ficaremos pobres em termos monetários, e num cenário catastrófico ficaremos sem reacção intelectual para sairmos da crise em que nos encontramos.

Proponho então um brinde caloroso ao homem que tem dado resposta às questões do ensino, Sr. Prof. Joaquim Azevedo, é uma honra e um prazer tomar parte dos seus ensinamentos esta noite.
 
Dep. Carlos Coelho
Muito obrigado.

Eu não quero ser ingrato, mas tenho que ser justo, eu agradeço muito as palavras amigas que foram produzidas, mas pedia-vos para não insistirem nessa via.

Primeiro porque fico incomodado e depois porque não é justo, eu sou apenas a cara de uma equipa de muita gente que têm erguido esta Universidade de Verão.

Há mais de vinte pessoas aqui a trabalharem convosco, e vocês conhecem, desde os vossos conselheiros, aos avaliadores, à equipa de acolhimento, da informática, dos audiovisuais.

Tudo na Universidade de Verão tem um elevado grau de excelência porque temos dos melhores profissionais a trabalhar, e a fazê-lo de forma voluntária. E isto não tem preço.

Quero agradecer-vos o empenho, que se traduz por exemplo, de hoje, dizia-me há pouco o Paulo Colaço, o número de participações escritas, devem ter atingido o recorde de todas as universidades, ou seja, a Universidade de 2006 hoje, ultrapassou o nível de participações escritas de 2005, de 2004 e 2003.

É certo que não nos interessa só a quantidade, mas falo também pela qualidade, e essa vocês estão a ser testemunhas e vão continuar a ser seguramente até ao último dia.

Quero agradecer à pessoa que está à minha direita, ao Prof. Dr. Joaquim Azevedo.

Para aqueles que o não conhecem é um quadro do ensino, como foi dito e bem no brinde, professor do ensino secundário, director geral, membro do Governo, foi Secretário de Estado dos ensinos básico e secundários nos governos do Prof. Cavaco Silva, mais tarde doutorou-se, hoje é presidente da Universidade Católica do Porto, e é na minha modesta opinião (que acompanhei a área de educação muito tempo, desde a JSD até ter sido membro do governo), das pessoas que mais sabe de educação em Portugal.

A minha grande referência de educação em Portugal é o Doutor Joaquim Azevedo.

É muito rigoroso e sabe muito.

Quando lhe telefonei a convidar para vir a este Jantar - Conferência, prestei também um tributo a colegas vossos de outros anos, porque este jantar conferência não é uma invenção minha. Houve Universidades de Verão com jantares conferência onde o tema da educação não aparecia. Havia outros temas que nos pareceram, na altura, mais importantes.

E na avaliação que os vossos colegas fizeram, (a mesma avaliação para que vocês vão ser convidados no último dia, no Domingo de manhã, antes da sessão de encerramento com o Dr. Luís Marques Mendes), houve um conjunto grande de comentários assinalando “é essencial introduzir o tema da educação na Universidade de Verão”

Esse tributo à vossa participação e à participação dos vossos colegas, é necessário. Cada edição da Universidade de Verão (como eu disse na sessão de abertura) é melhor do que a anterior, porque é enriquecida com a avaliação que vocês próprios fazem da iniciativa em que estão envolvidos.

E portanto se querem dirigir agradecimentos pelo grau de excelência que eu acho que nós já atingimos, devem também com toda a justiça agradecer a todos os vossos colegas que por aqui passaram, e que ajudaram com os seus comentários e com as suas avaliações, a oferecer-vos e a proporcionar-vos estas experiências por que vocês hoje estão a passar.

Quero agradecer ao Prof. Doutor Joaquim Azevedo a circunstância de não se ter limitado a vir fazer uma conferência mas se ter preocupado em dar-nos informação, ela foi colocada nos vossos lugares, são dois documentos muito interessantes.

E quero pedir desculpa ao Doutor Joaquim Azevedo porque por lapso nosso não foi impresso o retrato falado que ele nos tinha enviado.

Como não quero que fiquem com a impressão que ele se furtou a esse retrato, não é pessoa para se furtar a nenhum desafio, gostaria de vos ler, estará depois disponível na intranet; os hobbies do professor Joaquim Azevedo são a fotografia e o desenho, áreas que ele me disse privadamente que gostaria de ter seguido se a vida não o tivesse empurrado para outras vocações, a comida preferida é mais indistinta é o peixe grelhado, presumo que aqui não há preferência entre os peixes, o animal preferido é uma resposta provocatória, diz apenas que não é o coelho, sabe-se lá porquê. O livro que sugere é A sombra do vento, o filme que nos sugere é A vida é bela, e a principal qualidade que aprecia nos outros é a capacidade das pessoas se darem, se entregarem.

Prof. Joaquim Azevedo muito obrigado por ter aceite o nosso convite, eu tenho o privilégio de lhe fazer a primeira pergunta, a primeira pergunta da noite, para dar início à nossa conversa, e ela é evidente.

Nós passamos esta semana, mas passamos praticamente o tempo todo a ouvir falar do problema da qualificação dos recursos humanos em Portugal, uns associam isso mais à economia, outros à qualidade de vida das pessoas, outras ao destino e à nossa afirmação internacional, mas há um diagnóstico geral de que há falta de qualidade no sistema educativo para valorizar os recursos humanos em Portugal.

E a questão que se coloca é tão simplesmente esta, é uma fatalidade? Os portugueses não são capazes de ser melhores?

O Dr. Victor Bento na aula de economia que deu aqui de manhã, mostrou um mapa de iliteracia de há cem anos para provar que já há cem anos a situação de Portugal era má, aliás começou a intervenção dele com uma citação de Eça de Queirós, dizia praticamente que as maleitas nacionais são as mesmas. Nós olhamos para trás e não vemos muita diferença.

Esta gente é gente com ambição, tem à sua frente um conjunto de jovens que foram seleccionados, na nossa opinião são os melhores, gente com qualidade e com ambição que seguramente não se querem resignar à ideia de que o país daqui a cem anos, estarão com os mesmo níveis que hoje hoje temos com o mesmo tipo de problemas que hoje enfrentamos.

Portanto, Prof. Joaquim Azevedo, quando falamos na melhoria do sistema educativo português, numa escola mais eficaz, na valorização dos portugueses, estamos condenados a continuar como estamos? O que é que se pode fazer para melhorar a escola em Portugal?

Muito obrigado, a palavra é sua.
 
Prof.Dr.Joaquim Azevedo
Então boa noite e muito obrigado.

Antes de mais queria agradecer o convite que o meu amigo Carlos Coelho me fez, foi uma alegria para mim receber esse convite, porque tinha muito interesse, e tenho geralmente muito interesse e empenho em discutir esta questão com os mais novos, porque acho que é fundamental transmitir às gerações mais novas o gosto, o interesse pela questão da educação, e a importância que isso tem na sociedade. Porque é que é tão importante investir numa educação dos portugueses.

Estas palavras que ele disse são também sobretudo prova da amizade que nós vamos alimentando ao longo dos anos, e que temos um pelo outro, creio que é sobretudo por isso, mais do que propriamente… porque de resto, eu dedico-me a esta área, outros dedicam-se a outras, há quem se dedique a limpar bem as casas, portanto o importante é que cada um faça muito bem aquilo que faz, aliás há um autor que diz “Não são as pessoas que fazem grandes as coisas, são as causas que fazem grandes as pessoas”

E eu creio que é sobretudo esta causa que nos ajuda a tornarmo-nos melhores. Esta causa da educação.

Tenho muito gosto e congratulo-me sobretudo com a iniciativa da Universidade de Verão, há muito que nós discutimos e conversamos há muitos anos sobre a importância de estudar e aprofundar os problemas, nomeadamente no âmbito do PSD, e esta iniciativa a meu ver é uma iniciativa fundamental para nesse espírito, nós não vamos conseguir ultrapassar esses tais dilemas ou problemas que temos às gerações e gerações se não aprofundarmos muito os problemas, se não os estudarmos muito a sério para podermos depois dedicarmo-nos à sua resolução e ultrapassagem.

E portanto felicito-vos a todos também por estarem aqui e por estarem a usar uma parte do tempo das vossas férias, certamente, para dedicarem a estudar estes problemas, creio que é também um sinal de amor pela sociedade e pelos outros, de alguma dedicação aos outros.

Eu, desde os dezoito anos, dezanove, estou envolvido nestas coisas da educação, comecei como presidente da JEC, da Juventude Escolar Católica, na altura, agora já não existe, existe outro movimento que, sucedeu mas desde essa altura corria o país todo a animar pequeninos grupos que como eu que andavam a pensar estes problemas da escola e da educação.

Depois fiquei com o gosto e nunca mais deixei de andar a correr e portanto também acho interessante vir a Castelo de Vide, eu andava aqui por esta zona, Castelo Branco, Portalegre e depois lá por baixo por Faro, Portimão, por essas terrinhas todas, Bragança e tal.

E é engraçado voltar a correr o país agora também a conversar com as pessoas sobre estes problemas.

Sobre a questão, vamos entrar na questão, eu não estava aqui a tentar esgotar os quinze minutos com considerações gerais, mas portanto, sobre a questão, é uma questão muito, não é nenhuma fatalidade, eu creio é que nós precisamos de pensar o problema com seriedade.

Nós temos uma educação escolar, quando nós falamos de educação, estamos aqui sobretudo a falar de educação escolar, não falamos de educação familiar nem, falamos de educação só, mas o que nós queremos dizer é educação escolar.

Esta educação, a educação proporcionada pela sociedade e sobretudo desenvolvida pelos sistemas escolares, em Portugal nós temos uma situação de atraso estrutural.

Esta questão parece que volta sempre a mesma, a culpa é do passado, é muito importante pensar o que é que isso quer dizer, porque Portugal foi o único país da Europa que durante cinquenta anos não investiu em educação. Foi o único. Portanto, não podemos agora pensar que em vinte anos ou com um golpe de magia vamos conseguir ultrapassar aquilo não fizemos. E nós não perdemos apenas cinquenta anos, nós perdemos muito mais. Porquê? Porque quem investiu durante estes cinquenta anos, hoje está a investir muito mais rápido e muito mais depressa do que nós para recuperar o passado. Nós perdemos permanentemente terreno.

Os países na Europa que mais investiram em educação, hoje estão a investir nos doze anos de escolaridade, na escolarização de nível superior para toda a população, nós estamos ainda a falar dos nove anos de escolaridade e nos doze anos, começamos agora a falar agora nos doze anos de escolaridade para todos.

Ora, esse atraso é um atraso que não se resolve senão com o tempo. É preciso muito tempo para resolver esse problema.

E nós não podemos ficar tipo baratas tontas, a dar às pernas, virados para cima, esperneando, esperneando, estão ali a perder tempo, é a chamada energia dissipada, gastam-na para nada. E podiam aplicar noutra coisa qualquer, nomeadamente virando-se ao contrário e caminhando. Pelo menos iam fazendo alguma coisa. E visitavam o mundo e iam fazendo alguma coisa.

Mas portanto há uma espécie de desespero, mas só desespera quem não percebe o que é que se está a passar.

Agora é evidente que é difícil, mas isso nós temos que ser solidários com o país que tivemos e que quisemos, foram os portugueses que estiveram envolvidos nisto, não foram outros. Foi o país, estivemos envolvidos neste processo.

Portanto, temos que ser solidários, eu sou solidário com as essas gerações que perderam anos e anos e anos de investimento em educação, nós temos também que ser solidários com eles. Nomeadamente, fazendo o contrário do que eles fizeram, a solidariedade não quer dizer fazer a mesma coisa.

Aliás os jovens aí, a solidariedade é ser capaz de romper com tradições do passado e inaugurar novas maneiras de trabalhar.

Creio que, no caso da educação, nós percebemos que fizemos mal, foi das coisas piores que Portugal pode ter feito foi ter desinvestido em educação.

Há um estudo muito interessante, esse artigo depois se alguém o quiser eu envio-lhes, feito sobre dois investigadores sobre os modelos, como é que os sistemas educativos que se desenvolveram no mundo.

E é muito interessante verificar Portugal está entre os primeiros países do mundo a decretar a escolaridade obrigatória de quatro anos. Mas foi dos últimos a cumpri-la. Portanto nós somos óptimos a descobrir a perspectiva, a ideia, era importante que toda a população tivesse uma escolaridade de quatro anos, nós em 1840, creio eu, já estávamos a perceber isso, mas fomos o último país da Europa a chegar à realização dessa escolaridade de quatro anos, só fizemos isso mais de cem anos depois.

Ora quando nós fizemos isso, mais de cem anos depois, já a maior parte dos países estava a escolarizar a sua população com doze anos de escolaridade.

Se forem às estatísticas há uma questão básica que é, comparem a população da Dinamarca, por exemplo, ou da Suécia ou da Noruega ou da Alemanha que tem mais de sessenta e cinco anos hoje e vejam o nível de escolaridade dessa população. 80% tem o 12° ano.

E nós hoje em Portugal, 40% tem o 12° ano. Hoje, entre os mais novos. Globalmente Globalmente! Não estou a falar dos mais de sessenta e cinco anos, nós temos 10% com o 12° ano. Dos mais novos aos mais velhos, num global da população portuguesa são 21%.

Portanto a distância é brutal, esta distância cava-se porque os outros países estão a avançar muito rápido e nós estamos a avançar lentamente. Nós devíamos ter avançado muito mais rapidamente, nós devíamos ter investido os fundos comunitários nomeadamente, desenvolver muito mais rapidamente a educação, nomeadamente a educação, o ensino, não estou só a falar da formação profissional nem sobretudo da formação profissional mas do ensino, o que é estrutural e isso devia de ter sido feito, nós temos agora a última oportunidade com CREN é, Quadro de Referência Estratégia Nacional até 2013, pelos vistos foi hoje anunciado o Governo deu hoje essa informação, a quantia do dinheiro para a formação e ensino disponível no CREN passou de 27% para 37 %, e são seis mil milhões de euros que acho que vale a pena pensar como é que os vamos gastar melhor do que até aqui.

Bom, mas para dizer que há essa questão do atraso estrutural, e que ela é muito importante para nós ganharmos alguma tranquilidade, temos que fazer muito e muito depressa mas com tranquilidade porque estamos atrasados, os discursos sobre os atrasos são patéticos, faziam-se há cem anos, são iguaizinhos aliás o Dr. António Nobre é que gosta de dar essas citações do Eça, do Antero, do Oliveira Martins, todas do século XIX e há outras ainda do século XVIII sobretudo, porque antes disso era difícil, mas do século XIX há citações a dizer do atraso português na educação, na cultura e na formação das pessoas.

Portanto nós estamos a fazer hoje em cinquenta anos o que os outros países fizeram em duzentos.

Vamos com calma, quer dizer, temos muita pressa, temos que andar depressa mas com calma, com serenidade porque sabemos bem o que é que se passou entre nós.

Depois é, perdemos muito tempo com as reformas iluminadas, portanto os Governos sabem sempre o que é que é preciso fazer melhor para a educação, o que é preciso, e quem o sabe? Os Ministros.

Há uma pessoa que por um processo mais ou menos aleatório é escolhido para Ministro da Educação, e depois essa pessoa quando é escolhida para Ministro da Educação, é como naqueles filmes, é imbuída de uns raios esbranquiçados que a iluminam, e faz aquelas colunas que vão da pessoa até ao céu, e a pessoa é imbuída de um espírito e de uma capacidade de visão que nunca teve até ali, e que uma vez imbuída daquele cargo sabe tudo o que é preciso fazer em educação, mas não só sabe fazer tudo o que é preciso fazer em educação, sabe tudo o que é preciso fazer em educação em cada escola. E sabe como é que se deve melhorar em cada escola, as aprendizagens, a maneira de ensinar, ficam super iluminados.

Ora e este modelo tem sido desastroso.

E o modelo destes últimos trinta anos em Portugal tem sido o modelo dos iluminados que chegam ao ministério e sabem sempre tudo o que é preciso fazer, como é que é preciso fazer, e por isso é que nós temos hoje a casa cheia de tralha. É o que eu chamo a tralha técnica.

Nós hoje temos, Portugal, o país, e nomeadamente o sistema educativo está cheio de tralha técnica, que é aquela espécie de arrecadação que existe também lá na Universidade Católica há isso, onde se vão metendo enquanto não se reparam ou não se deitam fora, as cadeiras que se vão partindo, as mesas e tal, as coisas vai-se tudo amontoando, amontoando e fica aquela tralha até ao tecto, é mais ou menos isso a situação em que temos a educação em Portugal.

Porque um chega e acrescenta sem fazer a avaliação nada do que se fez antes, acrescenta procedimentos, a nova prospectiva, o novo modelo, e nós devíamos parar com isso.

Durante dez anos não é preciso fazer legislação nenhuma, é preciso melhorar a educação, não é mudar a educação, começa por M na mesma, mas não é a mesma coisa.

É muito diferente, o paradigma que nós temos seguido é a mudança, muda, muda, muda, muda mas não melhora. E ao fim de trinta anos, o que nós podemos concluir, que de mudança em mudança, de mudança em mudança, é porque ninguém deixa estabilizar nada! Muda, muda, muda, mas não está melhor!

Não está melhor não é que estejamos piores do que há trinta anos, estamos muito melhor. É que o nível de desempenho exigido hoje com toda a evolução que já se processou deveria ser bastante melhor.

A outra questão é que nós confundimos o técnico com o político e portanto o grande problema da educação hoje em Portugal é político, é social, é como vamos melhorar a educação em cada escola, em cada comunidade, é como vamos melhorar a escola de Castelo de Vide. E a melhoria da escola de Castelo de Vide não é a mesma questão que a melhoria da escola de Portalegre, ou de Portimão ou de Chaves. São diferentes. Muito diferentes.

E devem ser as pessoas no sítio que a devem resolver. E isso deve ser entregue, a responsabilidade deve ser entregue a quem lá está.

E acabar com a prospectiva que isto é técnico, não é mudar o português, chega o ministro e muda as aulas de português de três para cinco, chega o outro e reduz ali a área, o outro introduz a disciplina mais, o outro retira a disciplina, até se pode ir para engenharia sem ter feito física e química.

Quer dizer, qualquer dia isto é… porquê? Porque se anda aqui a fazer puzzle, o problema não é técnico.

A pensarem que vão melhorar a educação, não vão! Não vão!

Eu não acredito em nenhuma melhoria da educação em Portugal nos próximos anos, não há condições nenhumas, nenhumas! As condições básicas e essenciais não estão reunidas. E elas são políticas não são técnicas!

O paradigma das reformas técnicas fora dali, menos de acolá, o professor não sei quê, andamos todos aqui entretidos com uma coisa que não tem interesse nenhum. Isto sou eu a dizer. Não levem isto muito a sério.

Estão assim com cara de muito assustados, não se assustem, não é caso para isso.

E a outra questão que eu também acho que é uma questão central da situação actual do sistema é que vivemos numa perfeita irresponsabilidade.

É um dos textos que eu vos deixo aí é sobre isso.

Vivemos num sistema de perfeita irresponsabilidade. E a minha análise é que não há sistema de responsabilidade na educação.

Eu com isto, cuidado, o que é que eu quero dizer com isto? É o sistema de irresponsabilidade. Que aliás referiu, agradeço o seu brinde, aproveito para agradecer, foi muito simpático, sobretudo amável, muito bem construído em termos humanos.

Eu acho que esta prospectiva de que o sistema é um sistema moldado na irresponsabilidade. Vão ter com um director de escola, perguntem-lhe porque é que o professor que faltou sempre todos os dias, durante o mesmo dia da semana, ou que faltou o ano inteiro, porque é que o professor não foi punido, ou o que é que se passou com esse professor, ou se não pode haver uma maneira de resolver o problema. Ele começa por dizer que desconhece o assunto, “Ai sim! Ai ele deu essas faltas? Ah está bem! Eu vou ver! Eu vou ver!”, e depois se dizem “Olhe, e o que é que pode fazer?”, “Eu não posso fazer nada! As faltas foram todas legais!”. E é verdade. Desse ponto de vista não podem fazer nada, não podem fazer nada. Estão tolhidos de pés e mãos.

“Mas ele é responsável?”, “Não, não é responsável!” Portanto a irresponsabilidade é absoluta! Porque ele não tem autonomia, porque ele não é capaz, porque ele não tem competência, por n razões.

Mas depois vão ao nível regional e perguntem ”Está bem, mas é a direcção regional que lhe dá essas condições?”, “não”, a direcção regional diz “Eu? Não! O ministério é que disse que era para fazer assim. A colocação dos professores ou qualquer outra orientação dada às as escolas? Não! Nós recebemos orientações de Lisboa!”, então vimos a Lisboa, e junto das estruturas do ministério de quem é a responsabilidade? “A responsabilidade é da equipa do ministério, o ministério disse que era para fazer assim!”

Mesmo os próprios funcionários, chamados altos funcionários do Estado que são fundamentais em qualquer país e no seu desenvolvimento, a elite dirigente da administração pública, queixam-se em geral e dizem-me “Não, foi a orientação política!” e a orientação política diz “Bem, eu já recebi isto tudo passado.”

Aliás esta ministra como os outros anteriormente geralmente dizem “Não, isto estava assim, eu não sou responsável”.

E hão-de reparar que se fizerem uma análise rigorosa disto, ninguém é responsável. Ninguém, Não há sistema de responsabilidade. Há um sistema instalado de irresponsabilidade.

E sistema educativo tem evoluído assim, sistematicamente há trinta anos que estamos nisto, em democracia, sem sermos capazes de sair do sítio, de alguns pontos de vista não saímos do sítiomporque não há responsabilidade no sistema. O primeiro nível de responsabilidade tem que ser o da escola, não é o do ministro, o ministro pouco faz, há alguns que usam esse mecanismo da barata tonta. Está bem, podem dar mais nas vistas. Mas de resto o problema é a escola, na escola, onde se ensina e se aprende, e depois dá as estatísticas da matemática e do português, das ciências, em que estamos ao lado do México e de Moçambique e não sei quê, nas estatísticas a nível internacional, e das médias de 7 pontos e de 6 pontos, na matemática ou na física.

Isso deve-se ao ensino e à aprendizagem. As escolas existem para ensinar, e para fazer aprender, é para isso que existem.

A gente às vezes esquece-se da questão essencial, e se elas existem para isso, a responsabilidade pela maneira como se ensina e pela maneira como se aprende, está em cada escola. E é aí que tem que se cortar o nível da irresponsabilidade, é ali que tem que estar a responsabilidade, porque se estiver concentrada a responsabilidade ali, a partir daí os outros níveis estão a dar apoio. Não têm mais nada que fazer senão dar apoio.

Por isso é que toda a administração devia ser totalmente reestruturada. Acabar com esses serviços regionais, centrais, não sei quê, e criar instâncias que apoiam escolas, que querem ser melhores, mais nada. Irresponsáveis? É para isso que existe a administração! É apoiá-las, e uma das instituições da administração, porque é uma das funções, é avaliar e inspeccionar como órgão independente.

O resto!? Há três mil funcionários no Ministério da Educação que fiscalizam as escolas, que não deixam as escolas trabalhar, que abafam as escolas, a Direcção Regional da Educação do Norte, escrevia às escolas sessenta mil ofícios por ano. Há escolas e presidentes e directores de escolas, que não fazem mais nada senão responder, ler, ter tempo assim no dia a dia, tempo social disponível para ler as coisas todas que vêm, e conseguir jogar umas coisas com as outras, porque têm que falar depois muito uns com os outros, os que são directores e tal, para perceberem, para acamarem aquilo tudo lá na tralha técnica que já existe, e poderem dar resposta e fazerem alguma coisa.

Mas num clima de irresponsabilidade. E falo apenas destes.

Eu creio que é preciso, para melhorar a educação, três coisas muito simples: - professores a ensinar, e a ensinar bem, se nós não tivermos bons profissionais e profissionais motivados e dedicados, coisa que não acontece neste momento, está tudo virado do avesso, tudo virado do avesso. Todo desmotivadíssimo.  A berrar com a ministra, a ministra a berrar com eles, e eles são os responsáveis pelo insucesso, e eles dizem que não são coisa nenhuma, e andam nesta troca de galhardetes, que não tem eficácia nenhuma na melhoria do sistema, nenhuma. E eles têm que ser capazes de ensinar, e de fazer aprender.

E é preciso verificar se eles ensinam, e se fazem aprender, porque um professor pode chegar ali e dizer rrrrrrrrr, e vai-se embora. E não cuida se faz ou não aprender. O professor tem que ensinar, e fazer aprender. E essa parte do fazer aprender é muito importante e demonstra um grau de responsabilidade social elevado.

Porque é preciso verificar se aprendeu ou se não aprendeu, e se não aprendeu como é que deveria aprender e o que é que eu tenho que fazer para que aprenda. Há uma experiência espectacular aqui em Estremoz, Nisa, aqui perto, de escolas, lá está, que autonomamente, à revelia, que pediram depois uma autorização especial, decidiram pôr a inteligência dos profissionais, que é isso que se devia pôr, 140 000 professores, quadros superiores que o país pagou, cuja formação o país pagou, dedicam-se a dar aulas todos os dias, e não têm autonomia nem nível de responsabilidade nenhum. Nenhum, é um exagero. Não têm autonomia nem nível de responsabilidade.

Tudo é determinado pelo Ministério da Educação, tudo é determinado. Há sempre o normativo, uma norma que diz como é que se faz isto, como é que se faz aquilo.

Se as coisas fossem assim para a medicina, para a saúde, nos tribunais, era um escândalo nacional, mas para a educação é assim. Mas porquê? São profissionais formados, diplomados, como os outros.

Portanto é deixá-los, cada escola tem cem, cento e cinquenta técnicos superiores de educação especializados, porque é que não tomam conta do que estão a fazer?

Deixem os professores trabalhar, deixem os professores trabalhar! Responsabilizem-nos! Dêem-lhes autonomia!

Estas escolas juntaram-se e criaram um modelo para não ter o insucesso escolar, que as escolas tinham número elevado, nomeadamente onde começou, em Estremoz. E gizaram um modelo interessantíssimo, não vale a pena estar agora aqui a explicar, que desenvolveram e que reduziu o insucesso em três ou quatro anos para níveis baixíssimos.

Mas não administrativamente, os alunos efectivamente aprendem. Essa é que é a questão. Os professores não só chegam ali, ensinam, campainhas, o fim do ano inteiro, eles ali a ensinar e no fim do ano pautas penduradas, uns reprovam outros passam, ano seguinte e é como uma fábrica de encher… exactamente!

E o que é que isso é? Não é escola! Uma escola é um lugar de Humanidade, é uma casa de Humanidade, não pode ser uma fábrica. Mas já estou a demorar.

Segundo, organizações escolares que funcionem bem, isto é como qualquer instituição, profissionais dedicados, uma organização a funcionar bem, que tenha bem clara a missão, qual é a missão da escola, como é que se organiza, como é que se estrutura, objectivos, metas, em cada ano as escolas deviam ter uma meta só, isso é que devia ser. A única lei que devia existir era, cada escola tem que ter um plano de melhoria anual, e o plano de melhoria anual é construído lá na escola, e as metas é cada escola que diz quais são, e as escolas todas deviam ter metas de melhoria.

Imaginem daqui a trinta anos, que não é nada. Daqui a trinta anos, andámos trinta anos a mudar, agora andávamos trinta anos a melhorar. Daqui a trinta anos, se todos tivéssemos um plano de melhoria anual, daqui a trinta anos onde é que nós estaríamos? Espectacular, não acham? Portanto, isto não é tão complicado!

E depois terceiro, alunos, pais, autarquias, tudo isso, empenhados na educação.

Interessados na educação. Nós dizemos, o elemento mais precioso para o desenvolvimento são os recursos humanos qualificados, as pessoas, as pessoas, as pessoas, e depois quando se trata de dizer o que é que investimos lá na terra, é em futebol. Qual é a prioridade nas câmaras? A maioria das câmaras? O futebol. E a seguir ao futebol? A construção civil. Quando não é a construção civil e por isso o futebol. Ou então o futebol e por isso a construção civil. Já não sei bem!

Reparem, é uma questão central é colocar a educação no centro do desenvolvimento. Tem que ser, não há outra saída.

E a sociedade valorizar isso, e depois um trabalho persistente, persistente, persistente ao longo de muitos anos, investir, investir, investir em educação, foi isso que a Irlanda fez e o sucesso está à vista.

Deixo-vos esta primeira reflexão, e desculpem que me alarguei um bocadinho.
 
Carla Fernandes
Boa noite. Antes de mais gostaria em meu nome e em nome do meu grupo saudar e agradecer a presença do Prof. Joaquim Azevedo, e retomando o que defendeu o papel mais responsável que as escolas devem ter, o que acha da proposta sobre a gestão privada das escolas no sentido de esta ser mais eficaz e racional, nomeadamente a existência de um conselho executivo profissionalizado, com a inclusão de gestores em conjunto com os professores das escolas?

Obrigada.
 
Prof.Dr.Joaquim Azevedo
Muito obrigado pela questão.

Eu tenho defendido sobre isso, eu tenho uma proposta sobre isso que tenho trabalhado ao longo dos anos, e que é um bocadinho diferente.

Eu defendo que se deve melhorar, há muitos anos que defendo isso, melhorar a gestão das escolas. Não defendo é que para melhorar a gestão das escolas a única saída é fazer uma gestão privada das escolas, deve-se é fazer uma gestão profissionalizada, competente, muito competente das escolas.

As escolas só teriam, porque isto depois está muito ligado, as coisas todas estão muito ligadas.

As escolas deviam ser autónomas, já expliquei isso há bocado, mas as escolas para serem autónomas, o Estado só deve aceitar dar autonomia às escolas se tiver outras coisas ao mesmo tempo decididas, uma delas é ter boa gestão, ter condições, ter bons directores nas escolas. Directores.

E ao mesmo tempo haver sistemas de avaliação implantados no terreno a fazer avaliação permanentemente. E outras condições, mas uma dela é essa de haver bons gestores.

Como é que se deveria fazer isso? Eu tenho uma ideia que é, nós temos 140 000 professores, estávamos há bocado a falar disso aqui, temos 140 000 professores, dos 140 000 é preciso, não há sequer mil unidades de gestão, em todo o país, dos agrupamentos escolares. Mas vamos imaginar mil, nós devíamos abrir um concurso público de pré-qualificação de professores que quisessem ser gestores escolares.

E portanto dos 140 000 escolhidos, escolhíamos os mil melhores, os mais capacitados, tinham que se estabelecer os critérios, escolhíamos esses mil, e esses mil seriam pré-qualificados, e depois as escolas quando abrissem, iam recrutar directores. Iam recrutar directores a essa base de pré-qualificados. E iam buscar o seu director.

E o seu director não era o director como nós temos em Portugal, somos o único país do mundo que tem isso, que está incluído no nível de irresponsabilidade que nós temos, é que o director das escolas em Portugal é escolhido pelos colegas, são os colegas professores que escolhem o colega director, e se o colega director não respeitar o que os colegas professores querem, os colegas professores tiram de lá o colega director e põem lá outro colega director que seja mais consentâneo com eles não fazerem nada, trabalharem quando quiserem, não serem exigentes, não serem avaliados, não serem não sei quê.

É o sistema do coleguismo. É o sistema que existe em Portugal, não é a de gestão das escolas, é o sistema do coleguismo escolar, e isto é de uma irresponsabilidade enorme, e somos o único país do mundo que tem um sistema destes, a funcionar, nem a China. Nem os países, os dinossauros do comunismo têm um sistema destes a funcionar.

Nós temos que acabar com isso rapidamente, é preciso muita oposição ideológica, muita. Sobretudo por parte do Partido Socialista e de toda a esquerda.

Portanto essa questão é uma questão nuclear, agora como é que se deve resolver? A gestão privada das escolas? Não, a gestão privada das escolas não faz sentido nenhum entrar por aí. Não faz.

Se avançássemos por passos, a fonte de legitimidade do director não podem ser os colegas, é o passo fundamental.

Não venham com a questão da gestão privada. Parece-me que não é essa a questão. É para algumas pessoas que acham que é esse o paradigma e não conhecem outros.

Mas a questão é cobrar essa questão, é quebrar esse elo, a minha fonte de legitimidade para dirigir uma escola não são os meus colegas. Eu dirijo a Universidade Católica, se a minha fonte de legitimidade fosse os professores que lá estão, eu não os geria. Não era capaz de os gerir, não os podia gerir, porque eu para gerir tenho que cortar, tenho que fazer assim e assado, tenho que construir uma missão com eles e objectivos mas depois tudo tem que se cumprir rigorosamente e eu tenho que cortar a direito quando é preciso.

E portanto, só para concluir, pré-qualificação, e desses mil, mil muito bons. Que eram escolhidos depois pelas unidades de gestão, porque cada escola depois abria concursos e eles podiam concorrer à escola tal, à escola tal, à escola tal, e ficavam colocados como directores, a sua fonte de legitimidade quem era? Era o contrato que eles tinham, podiam ser directores, podiam pertencer a um corpo nacional de directores escolares, que fosse prestigiado, deviam ganhar o dobro do que ganha um professor, logo para começar, o dobro, porque se o director de uma fábrica que faz parafusos tem essa legitimidade e esse reconhecimento por parte da sociedade, se o director de um hospital tem esse reconhecimento por parte da sociedade, se um director de outras coisas, podem dar exemplos, de um teatro, tem esse reconhecimento, porque é que o director de uma escola é um professor que ganha mais vinte contos?

Nós estamos a dizer que aquilo não vale nada! É isso que a sociedade está a dizer! É um contra senso! Dizer que a educação é a coisa mais importante e não prestigiar directores, primeiro não há directores. Segundo, aqueles que estão a fazer a figura de directores é um professor lá da escola, muitas vezes nomeado, porque ninguém quer, e é nomeado pelo ministério porque é o mais velho, e nomeia um qualquer, e depois dão-lhe mais vinte contos. Andamos a brincar, andamos a brincar com estas questões sérias, portanto eu acho que a saída não é essa da gestão privada, é possível, e depois se aquela não funcionar pode haver outras, eu estava a dizer o caso de Inglaterra com o Blair em que há um sistema muito forte de controlo das escolas que são autónomas, e o Estado tem é que fiscalizar e avaliar, é essa a sua função, mediante parâmetros públicos, publicamente reconhecidos, e à terceira avaliação negativa a gestão da escola é retirada à entidade local, e é entregue a uma entidade particular.

Não necessariamente uma empresa, pode ser uma cooperativa, ou uma actividade associativa, uma associação sem fins lucrativos, uma fundação.

Há muitas maneiras de resolvermos essa questão.
 
José Alberto Rodrigues
Ora muito boa noite a todos.

A equipa amarela cumprimenta o Sr. Prof. Joaquim Azevedo, na sua pessoa e de toda a mesa e os companheiros. Não podia também de deixar em meu nome pessoal de endereçar os meus cumprimentos a uma das pessoas que mais admiro no panorama nacional que é o Sr. Prof. Carvalho Guerra, fica aqui os meus cumprimentos.

De resto a nossa questão é muito simples, muito concreta e versa sobre o modelo de acesso ao ensino superior.

Consideramos esse modelo totalmente desadequado e castrador de jovens com elevado potencial, consideramos igualmente também que os exames específicos, estas específicas devem ser substituídas por provas ou exames elaborados por cada instituição de ensino superior, devidamente parameterizados e avaliados de uma forma rigorosa pela tutela.

Contudo não podia deixar também de lhe fazer uma pequena provocação, ao Director da Universidade Católica Portuguesa, no sentido de lhe questionar se continua a considerar justo que a Universidade Católica disponha de um grau de autonomia bastante diferente, para melhor, do ensino superior particular e cooperativo?
 
Prof.Dr.Joaquim Azevedo
Muito obrigado pela questão muito interessante, ou pelas questões.

Bom, sobre o acesso ao ensino superior eu defendo também há muitos anos disse que o acesso ao ensino superior deveriam elas ser responsabilizadas pela admissão dos seus alunos.

O que tem acontecido em Portugal, assim como em outras coisas, é que as instituições de ensino superior repousam alegremente sobre o que está instituído, e não estão para se maçar com algumas coisas.

E preferem tomar como boa a classificação dos alunos do ensino secundário e dos exames, e a partir daí, começam as suas aulas e o seu trabalho.

E não querem ter, não se querem envolver no trabalho de elas próprias criarem mecanismos de avaliação dos alunos, o que por exemplo é flagrante em medicina, mas é flagrante em muitas outras áreas, onde não existe uma prova de avaliação de capacidades, por exemplo nas áreas dos que querem ser professores, mas em todas, em todas.

Há muitas onde devia haver, as instituições do ensino superior deviam decidir que tipo de provas, e não apenas escritas, se calhar, que tipo de provas é que seriam adequadas para o acesso àquela área ou então por grandes áreas: engenharia, línguas e literaturas, informáticas, economia e gestão. Por grandes áreas podiam-se organizar modelos, e sancionados pelo ministério.

Isso existe em muitos países, ou então criar um sistema de livre acesso em que a selecção é feita no fim do primeiro ano.

Existem países onde o acesso é livre e onde no fim do ano se faz a mesma clivagem que se faz, e já estão lá dentro, e as instituições do ensino superior têm condições ao fim de um ano para saberem quem querem e quem não querem. É muito mais inteligente este modelo. E não tem o ónus de tapar a entrada de jovens às áreas a que querem aceder, seleccionam-nos já pelo conhecimento que têm deles no primeiro ano, e são também altamente, e o numerus clausus é formado na mesma, só que é um ano depois.

Por exemplo, a França faz isso e com custos sociais muito menores, e até pessoais, nós temos custos pessoais em Portugal do acesso ao ensino superior por deficiência de orientação por parte dos alunos muitas vezes, vão sem saber muito bem o quê e para quê, há gente a fazer dois cursos, e depois não fazem sequer, depois mudam para outros, depois acabam por não fazer nenhum.

Como sabem no ensino superior em Portugal o desperdício é brutal, 40% dos alunos não termina os cursos.

O sistema que está montado é um sistema gigantesco, hiper dimensionado, porque não é eficiente, porque o equívoco está logo no princípio, os alunos estão a ser direccionados e mal, era preferível que entrassem, ainda que equivocados mas entravam, ao fim de um ano viam eles próprios também que não estavam ali a fazer nada. E então redireccionavam-se também ao longo de um ano e a própria universidade ajuda a redireccionar, vão para outro tipo de cursos, para outras coisas. Mas não há a perda de 40% dos alunos que conclui o curso, fica com o diploma do 12° ano.

Isto é um desperdício brutal de dinheiro, brutal!

Sob a segunda questão, sobre as instituições acho que é possível fazer essas alterações, o acesso pode ser muito melhorado, agora as instituições do ensino superior repousam sem quererem fazer qualquer esforço.

Repousam em senados em sistemas de governo de universidade impossíveis, o senado da Universidade do Porto tem 124 pessoas e é uma coisa ingovernável, ainda por cima a representação de estudantes, dos professores, depois aquilo é cheio de interesses corporativos.

Um senado devia ter vinte pessoas, ter representação dos vários interesses em presença, tem que ter necessariamente, mas da maneira que é feito actualmente, e mesmo os reitores não têm nada que depender dos colegas, também, ou dos alunos e dos funcionários.

Devia haver um sistema que também fizesse como no básico e secundário, que não ligasse a questão da representatividade e sobretudo que fundasse a autoridade e a legitimidade noutra fonte que não o voto dos colegas.

Sobre a questão da Universidade Católica e da autonomia, eu acho muito bem o grau de autonomia de que a universidade goza, acho que lhe é devido isso, acho que é justo que isso assim aconteça.

Acho que a Universidade Católica tem um papel aqui em Portugal e no mundo inteiro, as Universidades Católicas têm um papel importantíssimo, e não é só aqui em Portugal, é um papel importantíssimo e justo pelo contributo que a própria Igreja Católica tem dado no desenvolvimento, nomeadamente do mundo ocidental.

E creio que é justo que se lhe reconheça esse estatuto de autonomia para criar, desenvolver, tem capacidade interna, tem maioridade, tem demonstrado isso ao longo dos séculos, e creio que é justo que se lhe reconheça esse estatuto.

Agora, se o estatuto das escolas superiores, e das universidades privadas devia ser um estatuto que contivesse mais autonomia?

Quer dizer, essa é outra questão.

Considero que devia haver desde logo para as universidades públicas, as universidades estatais deveriam ter um estatuto que lhes permitisse serem autónomas, aliás, o decreto-lei da gestão das universidades devia ser uma coisa deste género, cada universidade escolhe o seu modo de governo.

Era isso que devia dizer o decreto-lei!

E nós temos um decreto-lei para aí com setenta artigos complicação, complicação, complicação. Para quê? Cada uma devia governar-se como entendesse, é como eu defendo em relação às escolas, deviam fazer isso, toda a gente acharia… essa medida não se toma.

Mas toda a gente ficaria assim, anda tudo a esfregar as mãos a ver se alguém se lembra de fazer isso, mas depois na hora ninguém diz. E todos os reitores queriam isso, todos. Porque estão atados de pés e mãos. E gostariam de uma coisa que lhes facilitasse e que dissesse, pronto então vamos reunir nós em conjunto e escolher nós o modo de governo.

Mas ninguém toma essa decisão. Às vezes os passos mais simples são os mais difíceis de dar.
 
Pedro Sá Gomes
Boa noite professor, gostaria em meio nome e em nome do Grupo Rosa de saudar e cumprimentar o professor por estar aqui connosco hoje, um feirense, segundo sei, não é? Muito me apraz, também sou de lá!

Eu vou fugir um bocadinho ao assunto e vou passar para pós-graduações, penso que me perdoam esta pequena fuga, e perguntar sobre qual a importância das escolas de pós-graduação de gestão, da escola de gestão empresarial ou a Escola de Gestão do Porto, e se há espaço para estas duas escolas?

Eu, por exemplo, estou a fazer um curso na escola de gestão empresarial e vejo que nem todas as vagas são completas, o mesmo acontece com a de gestão do Porto, será que elas se deviam completar? Uma é mais forte, devia sucumbir uma porque é mais fraca, ou qual a solução?
 
Prof.Dr.Joaquim Azevedo
Muito obrigado.

Bom, eu creio que o papel das escolas de gestão é muito importante, eu creio que nós em Portugal temos deficits elevadíssimos de gestão.

Vê-se na administração pública e vê-se na administração privada. E a administração privada muitas vezes é um péssimo exemplo nomeadamente para a própria administração pública, e não é por ser privado que é bom.

E agora ligando à questão que pôs ali a vossa outra colega que dizia que se a gestão fosse privada tal, e aqui também este amigo que me dizia há bocado a mesma questão, se a gestão fosse privada não seria que…

Ora, no sector privado ou no sector público, é bom haver bons gestores.

E nós em Portugal temos um deficit enorme de gestão. No Porto por exemplo, a Universidade do Porto não tem gestão, e durante muitos anos não teve gestão, não tem uma escola de gestão, o que é gravíssimo porque formou economistas, formou engenheiros, formou n, durante anos e anos e anos, sem nunca ter investido em gestão.

E a criação dessas duas escolas de gestão, mais ao nível já da pós-graduação, é bem vinda, elas podem-se juntar para ganharem massa crítica, esse é um problema específico do Porto. Mas podem juntar-se para ganharem massa crítica.

Eu creio que devem juntar-se e aliás estão a juntar-se neste momento, para ganhar massa crítica. Em Portugal é difícil haver uma muito boa escola de gestão nesse sentido de escola de negócios, de bussiness school, é bom haver uma muito boa escola dessas, Portugal tem pouca dimensão, tem que se ligar ao Brasil ou a outros países de expressão portuguesa, mas sobretudo ao Brasil e à Espanha, e fazer então uma escola de nível internacional. E é para esse nível que devemos evoluir.

Agora, precisamos de fazer muita, muita formação em gestão.

Os nossos empresários precisam de formação em gestão que é uma coisa!

Devia ser todos os dias a todas as horas, fazer, fazer, fazer… porque eles são tantos, e são tão mal preparados, em geral, que é preciso fazer, fazer, fazer…

A maioria dos engenheiros que sai da Faculdade de Engenharia, que é formado em engenharia, recusa-se a fazer formação em gestão, sabendo que a maioria dos seus profissionais vai exercer actividade de gestão.

Mas diz que é uma escola de engenharia, não é de gestão.

E portanto esse problema tem que ser resolvido imediatamente. É justo que tome essa posição, só que nós vivemos na nossa sociedade. E esse profissional que depois entra na empresa vai ter que saber gestão. Então devíamos ter mecanismos preparados de apoio imediato para esse tipo de profissionais, para lhes dar formação em gestão.

E nós temos grandes, grandes deficits em gestão, aliás vê-se. Porque é que os portugueses, os mesmos portugueses trabalham na Bosh, trabalham na Vulcano que é da Bosh, trabalham na Siemens, em empresas alemãs que estão em Portugal, trabalham em Portugal, são empresas espectaculares, e das melhores empresas desses grupos no mundo inteiro, e são formadas por portugueses normaizinhos, não são escolhidos lá num sistema de ratinhos de laboratório, são normaizinhos.

E porque é que eles, nesses contexto, e por exemplo, ou em França ou não sei quê, em contextos internacionais ou noutros países, por exemplo muitos jovens como vocês forem estagiar ou forem fazer estudos lá para fora ficam lá, e são dos melhores profissionais, há exemplos, são dos melhores profissionais, são geralmente muito queridos pelos empresários.

Porquê? Porque nós temos essa capacidade de dedicação, de empenho, criativa, temos muitas capacidades com a nossa bagagem cultural que nos fazem ser muito bons do ponto de vista do trabalho.

E porque é que não somos assim cá, ou o nosso nível de desempenho não é esse?

Porque a organização não é gerida, não puxa, falta-lhe ali o rigor, profissionalismo, a motivação, o ambiente, tudo que leva, que nos puxa para cima, nós precisávamos todos os dias que vamos trabalhar, de ter um ambiente que nos puxa para cima, como quando vamos ver um bom filme, uma boa peça, aquilo faz-nos subir, saímos de lá um pouco a levitar, aquilo faz-nos ser melhores, faz-nos mais. É isso que devia haver nos ambientes de trabalho também, alguma capacidade de nos puxar, de nos incentivarem, dizerem “é isso, vamos lá. Essa ideia era interessante, vamos trabalhar essa ideia, eh pá é uma coisa que não dá nada.  Ok, pronto não dá essa, vamos a outra. Vamos tentar.”, e esses ambientes é muito importantes. Isso chama-se gestão, em grande medida.

E creio que o nosso investimento em Portugal em gestão é baixíssimo, é baixíssimo! Mas no público e no privado, não venham só dizer que é a administração pública, a França tem uma escola nacional de administração onde se formam os administradores, que tomam depois conta dos grandes negócios públicos, estatais e públicos.

Nós não temos uma escola nacional de administração, não temos sequer uma escola que forme as pessoas ao nível da administração pública, não há uma escola que… agora em Aveiro criou-se agora uma área de formação de administração pública, há assim em algumas universidades umas pequenas coisas.

Mas estão a ver? Nós estamos atrasadíssimos desse ponto de vista. Também há outras áreas onde estamos muito atrasados.

Mas é muito interessante o que se está a fazer e é um motivo de muita esperança, e muitos jovens como vocês estão a investir em formação em gestão, nomeadamente em bussiness schools e eu creio que isso é um sinal óptimo.

Eu fui director de uma escola dessas durante sete anos. E vi passar ali levas e levas de diplomados, jovens que se diplomaram, foram trabalhar e depois vieram fazer aquela formação enquanto trabalhavam. E o que isso deu de alterações nas empresas, é brutal.

E é um sinal de esperança enorme, e essas pessoas introduziram sempre novo nas empresas, pegaram nas empresas dos pais, ou de outros e fizeram, ou então criaram as suas próprias. Muitos negócios desses que estão agora a surgir, interessantes, são à custa disso, não é à custa dos programas do Eng. Sócrates.
 
Tiago Sá Carneiro
Em primeiro lugar queria desejar as boas noites a todos os presentes nesta sala, já agora destacando os melhores cumprimentos ao ilustre convidado o Prof. Dr. Joaquim Azevedo, em nome do Grupo Laranja que está aqui presente, e com quem tivemos o prazer de conviver durante este jantar, e trocar as mais variadas experiências aliadas à sua disposição e simpatia.

Sendo um dos directores de uma das universidades mais conceituadas do país, sendo os alunos que a frequentam dos mais privilegiados, na qual os valores como a exigência, o rigor, e o nível de aprendizagem, incutem naqueles que a frequentam um nível de maturidade, responsabilidade, e organização tal como a que vivemos esta semana na Universidade de Verão 2006.

A nossa pergunta desta noite consiste num tema que a tantos pertence, o movimento associativo estudantil.

Sabe-se que é uma área à qual é preciso dispensar tempo e dedicação, em luta pelos interesses do estudante, neste momento tem vindo a diminuir o papel destes na discussão da política educativa nacional, pois o tempo dispendido é essencial para a aplicação nos estudos, a pressão dos pais por vezes não o permite, e o grau de exigência para tirar um curso superior assim o obriga.

Quem leva este modo de vida com alguma dedicação, acaba sempre prejudicado, mesmo controlando e gerindo o seu tempo ao pormenor, para aqueles que estão aqui e frequentam ou tentam frequentar este voluntariado pelo interesse dos outros, acha que vale a pena levar este gosto e dedicação até ao fim, com tantas problemáticas, e porquê?
 
Prof.Dr.Joaquim Azevedo
Muito obrigado.

É uma questão muito interessante também e agradeço-a.

Desde logo gostava de dizer que a Universidade de Verão, esta Universidade de Verão aliás, não segue senão as pegadas da Universidade Católica, era só para explicar  (…)na Católica, estamos em negociações… exactamente! É uma OPA, Era mais takeover!

A questão do associativismo é uma questão interessantíssima e de facto foi bem enunciada, dado que ela significa por um lado um voluntariado e uma disponibilidade que é necessária. Na maior parte das vezes, é muito útil e importante e, ao mesmo tempo, muitas vezes também é vivida em situações dramáticas porque é a dificuldade de estudar. Eu próprio fui dirigente de um grupo de jovens com as mesmas características, perdi um ano- perdi quer dizer, decidi investir um ano- parei os estudos para investir nessa actividade, e depois voltei, mas nunca investi tanto nos estudos como poderia ter investido.

Nunca me senti muito constrangido na vida por não ter feito esse tipo de investimento. Porquê? Porque se trata, desde que se leve a sério o que se está a fazer, mesmo o estudo que se faz, por menor ou por mais breve ou mais condensado que ele seja, aqueles anos, vamos imaginar quatro anos, são anos de grande desenvolvimento pessoal, estejamos a fazer o quer  que seja. Se estivermos a trabalhar aprendemos muitíssimo, se estivermos a estudar aprendemos muitíssimo. Se estivermos dedicados só ao estudo, aprendemos muitíssimo! Mas se calhar não aprendemos tanto como se conciliássemos o estudo com alguma actividade de voluntariado, porque são quatro anos preciosos, como todos são, mas digamos que são preciosos no desabrochar, no agarrar de coisas, perceber como é que funciona isto e aquilo, de vocês encontrarem o que nós dizemos às vezes de uma maneira muito simples- um lugar no mundo, qual é o vosso lugar, onde é que eu me encaixo; são seis biliões, onde é que é o meu lugar, o que é que eu estou aqui a fazer.

Portanto, é perceber quem sou, como é que eu me relaciono com os outros, quem são os outros, como é que eu me encaixo nisto. Esses anos são muito decisivos para isso.

E portanto, eles ao serem passados de uma maneira rica, só vos podem trazer benefício.

Essa é a minha experiência, e de outras pessoas.

Quer dizer, se eu ficasse ali amarrado aos livros e não fizesse mais nada, eu não tinha tido uma experiência tão rica.

Eu, como estava a dizer há bocado corri o país todo, várias vezes. Não sou daquelas pessoas que tomam lugar nos gabinetes ministeriais e que a única cidade que conhecem é Lisboa, nunca viram outra, ou nalguns casos já passaram por Nova Iorque, no entanto, e por exemplo, o Porto dizem “O Porto?”, e então Castelo de Vide muito menos. Mas passarão a conhecer agora alguns, falar de outro- do país, das tradições, das nossas tradições, da nossa realidade, do povo, da relação com as pessoas. Governar é ter essa relação, não é? É sobretudo puxar para cima um país- isso é que é governar. E só se puxa para cima conhecendo as pessoas, sabendo onde estão, o que é que elas precisam. Para isso tem que se conviver muito com as pessoas, conhecê-las e de facto essa riqueza dos meus dezassete anos e dezoito anos, andar pelo país todo a animar grupos, eu ficava em casa dos meus colegas, e  conversava com os pais, conhecia os país, e lembro-me de andar de casa em casa a dormir um dia numa, outro dia noutra e de ter essa percepção, até uma vez um padre numa igreja em Ferragudo, ali no Algarve. Era Domingo e claro eu era o presidente da JEC e tal, e estava ali muito direitinho à frente lá na missa, e depois chegou à homilia, e ele diz assim: “Ah! Agora para comentar a homilia de hoje, para comentar as leituras de hoje vem aqui o presidente da JEC e tal, o nosso amigo Quim Azevedo e tal!”. E eu lá fiz a minha primeira homilia, e a última! E a última! Mas foi a última também.

Portanto, só para rematar, creio que a questão do voluntariado e o voluntariado nas universidades, está a ser muito valorizado com o processo de Bolonha, atrelado a uma coisa chamada o suplemento ao diploma. Quando chegarem ao fim dos cursos, os alunos vão ter o diploma e vão ter aquilo que se chamou o suplemento ao diploma que é um outro documento que diz que competências o aluno desenvolveu naqueles anos na universidade, ou que a universidade conhece fora da mesma mas com o seu apoio, nomeadamente em voluntariado, e em outras actividades também que se desenvolveu ao longo daqueles anos e que lhe deram competências pessoais. Por exemplo, o que eu fiz naquela altura podia ter sido sancionado pela minha universidade que reconhecia aquilo e que o colocava no suplemento ao diploma.

Quando o jovem ingressa no mercado de trabalho leva na mochila o seu curso mas leva também isso, e é por isso que se valoriza muito o suplemento ao diploma, e Bolonha entre muitas outras coisas, traz essa novidade. As universidades agora vão valorizar muito mais o que é para além da actividade lectiva, o que é o vosso desenvolvimento humano globalmente. O voluntariado e, nomeadamente, tudo o que é o trabalho associativo vai passar ser muito valorizado, mesmo em termos dos diplomas do Ensino Superior.
 
Sara Brito
Boa noite Sr. Prof. Gostaríamos de fazer uma consideração sobre Bolonha e a seguir fazer a nossa questão:

A grande maioria das instituições de Ensino Superior estão a adaptar-se a Bolonha, num processo meramente matemático, ao invés de realizarem uma alteração estrutural e pedagógica do Ensino Superior. A nossa questão é- será que a implementação do processo de Bolonha, da forma como está a ser realizada em Portugal, não será uma oportunidade perdida?

Obrigada.
 
Prof.Dr.Joaquim Azevedo
Eu já estava a adivinhar. Já fiz a introdução à questão, na respostas às vossas perguntas escritas.

E eu digo de facto, que a implementação do Processo de Bolonha em Portugal é uma grande oportunidade perdida.

E já é, acho eu. Porquê? Por muitas razões.

Porque sobretudo eu acho que fizeram a análise na preparação da pergunta. Aliás, como eu costumo explicar, só pergunta quem sabe. Já pensaram nisso?

Só faz perguntas quem sabe. Porque se a pessoa não sabe e não tem nenhum conhecimento ou  nenhuma conjectura, não pode elaborar uma pergunta.

Às vezes dizemos, “olha aqueles, os nabos que estão para ali a fazer perguntas, são os que não sabem”. É o contrário. Só quem sabe é que faz perguntas. E vocês para enunciar a pergunta enunciaram-na a partir deste pressuposto, que é de que Bolonha foi uma aplicação matemática como diziam, apesar de achar que a expressão não é correcta, porque lesa a matemática. Penso que é mais uma aplicação mecânica, feita de uma forma mecânica de planos de estudo com uma lógica que está instituída que diz que o primeiro ciclo tem três anos e x créditos, o segundo ciclo y e o terceiro ciclo z, e portanto, que os cursos têm que se adaptar àquelas circunstâncias.

Depois dentro de cada área só pode ter x horas presenciais, chamadas horas de contacto. Aquilo que nós chamamos aulas, as horas de contacto com o professor diminuem, e aí começa o problema.

As aulas vão diminuir. As horas em que o aluno tem aulas vão diminuir muito. As horas em que o aluno trabalha autonomamente aumentam imenso. E as horas em que os professores trabalham com o aluno fora do contexto da sala de aula aumentam. São as aulas de tutoria e de apoio aos alunos.

Ora, dar aulas, lá se vai fazendo. Só que agora, o trabalho autónomo do aluno também lá se vai fazendo, o que origina que agora o trabalho autónomo do aluno, como tem menos horas de contacto o professor, este é mais um organizador e um estimulador não pode estar ali a ler a sebenta.

Não sei se alguns não continuarão a ler a sebenta.

E começa aí o problema! Outro problema, que me referirei mais à frente.

Agora, o professor tem menos horas porque foi-se buscar o modelo inglês, anglo-saxónico, em que o professor vai à aula estimular os alunos, e os alunos depois vão trabalhar, vão pesquisar, vão à biblioteca, vão fazer trabalhos de grupo, vão trabalhar sozinhos. É esse o modelo há muitos anos, e vão para o gabinete.

Estão ali disponíveis para apoiar os alunos quando quiserem. E depois têm essas horas de tutoria marcadas para darem o apoio em horas específicas.

Ora, imaginem de Junho de 2006 para Outubro de 2006, a mudança radical da situação.

A maioria dos cursos mudou, tendo muitas universidades mudado imenso, e se não mudam todas este ano mudam para o ano, uma vez que até ao próximo ano lectivo têm que ter tudo mudado.

Portanto, em dois anos lectivos ou num ano e tal, vão mudar os cursos todos e o que é que se fez? Fez-se uma adaptação exactamente mecânica segundo uma regra, em que havia um frame definido, e foi apenas preencher aquilo.

São alguns professores a dizer que não temos tantas horas, e foi a guerra entre os professores! Ficas tu ou fico eu. Porque diminuíram as horas. E deste modo, o que isto originou foram guerras internas. Aumentou a energia dissipada, as universidades fervilharam, durante estes meses, para nada. Gastaram as energias para nada.

E fizeram planos de estudo adaptados a Bolonha, rigorosamente, e o ministério aprovou.

Numa lógica perfeitamente burocrática, do pior que há na burocracia, pois apesar da burocracia ter muitas coisas importantes, tal situação mostrou o pior que há na burocracia.

O que é que acontece?

É que nós agora temos os alunos do secundário mal preparados para trabalho autónomo, entram no Ensino Superior que diz que vai ser assim “Meus caros, isto agora é Bolonha! Eu dou aqui a aulinha e vocês agora organizem-se e tal. Porque agora há uma coisa chamada trabalho autónomo.” Os professores não foram preparados para dar este salto. A maioria deles não têm competências pedagógicas, Porque baseiam a sua actividade nas competências científicas que têm.

Ora, um pressuposto básico disto era que os professores do ensino superior se requalificariam do ponto de vista pedagógico, para trabalharem com esta comunidade de outra maneira, Sobretudo, para fazerem das aulas um período de motivação e dizer na próxima aula que “têm que me trazer este e este texto trabalhados”.

Mas imediatamente tem que haver dispositivos para que todos tenham acesso ao texto, todos tenham acesso à biblioteca, todos possam ou tenham computadores e tenham condições para trabalhar em grupo na escola. Tudo isso, implica que tem que haver condições. As próprias universidades têm que criar espaços novos para os alunos trabalharem. De outra forma vão ter que ir para casa uns dos outros, que é o que normalmente fazem.

Devia haver espaços com mais capacidade de acolhimento para a investigação e, sobretudo, de pesquisa. E discutirem-nas depois, na próxima aula, em que um tempo importante das mesmas vinha do feedback dos alunos sobre o trabalho que fizeram.

Eu volto a lançar outro estímulo.

Isto é assim que vai ter que ser feito.

No entanto, a maioria vai chegar lá e vai repetir aquilo que fazia em trinta horas, só que desta vez em apenas vinte.

Porque não houve preparação nenhuma. Apesar disso Universidade Católica fez um curso de preparação que se chamou ACP (actualização de competências pedagógicas). Mas fez um curso de seis sessões, e para a maioria dos professores eram precisas sessenta. Foi um princípio.

Fez-se um curso de actualização, sendo que nós, no Porto, investimos muito nisso e toda a gente foi obrigada a fazer a formação. Alguns foi assim, foram para lá e entraram assim e saíram assim. Porque acham que a coisa pior que lhes podem fazer é dizer que têm que actualizar as suas competências pedagógicas.
 
Dinis Filipe Carvalho
Boa noite!

Eu, em nome do Grupo Encarnado gostaria de saudar o nosso excelente convidado pela sua disponibilidade de se deslocar aqui a Castelo de Vide, para falar de um tema tão importante para o nosso país como é o da Educação.

Este ano passou-se com os exames nacionais algo de estranho, e até ridículo, nomeadamente com Física e Química.

Até que ponto esta medida imposta pelo Governo foi constitucional e legal? E para além disso, não foi particularmente democrática a diferenciação do novo e do antigo programa, pois a estes não foi dada a tão famosa segunda oportunidade. Será que foi criado um precedente que poderá pôr em causa a credibilidade da educação no nosso país?
 
Prof.Dr.Joaquim Azevedo
Muito obrigado pela vossa questão. É um tema de facto oportuno, sobre o qual tenho uma posição que não tornei pública. Eu costumo escrever nos jornais, exprimir as minhas opiniões e discuti-las com os meus concidadãos, porque acho muito importante.

Nós temos muita dificuldade, e hoje o mundo todo vive problemas que não sabemos resolver. A questão do terrorismo, dos fundamentalismos, das lutas entre poderes,  interesses e mundividências, que nós não imaginávamos que se revestissem das características que revestem.

E a melhor forma que nós temos de exorcizar o medo é conversar uns com os outros, fazer estas coisas que estamos a fazer aqui- conversar.

E eu acredito na capacidade de dialogar sobre as coisa, por isso é que eu tenho essa postura e tento também tomar posição, porque acho que é preciso também discutir as coisas uns com os outros e aprofundá-las.

E sobre isso, eu acho que era preciso ter-se discutido um bocado mais, e sobretudo informado mais, porque o que se fez, além de ser ilegal, até porque foi tomada sem ter conhecimento das consequências, do que poderia estar antes e do que viria depois.

Mas também é muito irresponsável. Porque, por pressão de uma elite, isso também nunca se disse, porque mesmo aquele debate no parlamento foi muito fechado, devia ter sido mais aberto e mais livre. Porque houve uma elite que por causa do acesso aos cursos de Medicina pressionou o Ministério para tomar a decisão. Essa é que foi a questão.

O resto, depois foi preciso pintar o quadro, porque primeiro vendeu-se o quadro, e depois é que se teve que pintar. Depois teve que se pintar, e pintou-se daquela maneira, como se podia ter pintado de outra. Assim, a questão é que houve uma precipitação naquela decisão. Porque uma pessoa que sabe como é que funcionam o sistema dos exames, nunca poderia ter tomado aquela decisão. Nunca. Era a última que se podia ter feito! E que se devia ter feito.

Primeiro, porque não é legal. Tem um decreto-lei que diz claramente que não se pode fazer aquilo; segundo, é uma medida injusta imediatamente, porque provoca e inunda de injustiça todo o resto do sistema de exames. O problema  de Física é o daquele ano, mas é também o dos anos todos que estão para trás, e é o dos anos que hão-de vir. é que não se sabe qual é o parâmetro, porque simplesmente não há. Porque nós em princípio o parâmetro é a lei. É a lei que nos rege. Se a lei não vale, é o descrédito total. Isto só aumenta a confusão e o descrédito nas leis e nas instituições.

Depois, é uma medida que é insensata porque os alunos que fizeram aquela prova vão ser submetidos a outra prova, que foi feita ao mesmo tempo que a primeira, há meses atrás, que está impressa e metida em pacotes. Mas também porque os alunos fazem provas de uma maneira alietória, são distribuídas pela polícia, por todo o país, que são distribuídas às escolas, sendo que as provas são numeradas e naquele dia é a prova D de matemática.

Podia ter sido a F ou a A, mas calhou foi aquela!

Portanto a prova que os alunos iam fazer de Física, a seguir era a feita pelos mesmos critérios, da mesma maneira, e os alunos iriam ter os mesmos resultados.

Portanto, até desse ponto de vista a medida é insensata. É de quem não conhece o sistema.

Até parece que houve uns “maduros” que se reuniram desde aquele momento  a fazer outra prova, que imprimiram, distribuíram pelo país e puseram nas escolas no dia certo. Não, ela já estava feita e distribuída. Foi dada uma ordem de entregar a prova x. Mais essa ,ainda por cima,  a que não estava prevista entregar. É a prova que elas estavam todas feitas.

Porque é que melhorou? Porque é que os alunos subiram?  Simplesmente, porque os alunos ao fazer a primeira prova souberam qual era a lógica de exame que estava em questão. E o problema está aí. O Ministério não quis, e toda a gente colaborou nisto, porque nenhum partido foi capaz de colocar essa questão, de desvendá-la, porque o que o Ministério fez ao longo do ano inteiro foi dizer às escolas que pediram insistentemente para lhes fornecerem as provas modelo, como existem há quinze anos para todos os programas no secundário. Existem sempre provas modelo para os alunos e os professores se prepararem para o exame. Este ano a Ministra disse que não dava provas modelo e o Ministério recusou facultar provas modelo às escolas, e disse que para aplicar os novos programas e os exames não havia provas modelo este ano.

Ora, é agora evidente que o resultado só podia ser esse. É que os alunos iam preparar-se para um exame que não sabiam como ia ser.

E portanto tiveram o primeiro embate com a prova modelo que era aquela, mas que desconheciam. À segunda vez que fizeram o exame já sabiam que era aquele modelo, era fácil subir pelo menos um ou dois pontos. Como é óbvio.

Nem que não soubessem, porque eles não sabiam mais física. Eles encontraram foi uma maneira de explicarem o que sabiam que era mais fácil, habituaram-se minimamente. E para o ano se calhar sobe, outra vez.

O que isto põe em causa é a actuação política do Ministério. Está aí o erro, que foi não ter aceite a existência de provas modelo.

Foi isso que levou a este desastre e a esta classificação, mas tinha que se aguentar as notas, porque a elite de Lisboa que quer os filhos em medicina andava a incomodar a Ministra durante o dia inteiro.
 
Carla Bernardes
Boa noite, desde já queria agradecer a presença do Sr. Prof. Joaquim Azevedo.

A minha questão vai-se prender com a formação inicial dos professores, e eu própria quero dar o meu exemplo, uma vez que este ano fiz estágio e ao contrário do que se tem passado até então, não tive uma turma atribuída, a minha turma foi a da minha orientadora, que apenas tinha duas, e eu tinha mais três colegas estagiários.

Assim sendo, e tendo em conta o novo modelo de estágio, gostava de perguntar se este modelo vai potenciar a qualidade de futuros professores e se vai prepará-los para a sua carreira que escolheram?

Obrigada.
 
Prof.Dr.Joaquim Azevedo
A questão da formação inicial de professores é também uma importante, como eu dizia há pouco, pois os docentes são quadros superiores que são preparados para aquela função.

E um dos momentos mais importantes da preparação desses quadros é o estágio. Porque é quando os professores, portanto os jovens que querem ser docentes se preparam numa dada área do saber, que isso deve-se fazer no terreno com os alunos, por forma a aprender e, assim, obter a formação inicial de professores que deve ter muito mais formação prática. Em muitos outros países, os candidatos a professores tiram o seu curso de formação e são envolvidos em turmas reais, ao mesmo tempo que são envolvidos num trabalho, têm um tutor, têm um professor supervisor mais velho, com mais experiência e depois são testados e aprendem regras básicas do que é que é enfrentar uma turma.

Muitas vezes é enfrentar vinte, passo o exagero, vinte ou trinta touros.

Gente cheia de força, que está ali para aprender mas também para mil coisas mais.

Assim, é ao professor que compete canalizar a energia toda para aprender alguma coisa.

E esse processo tem técnicas, tem truques sobre as maneiras de se fazer, há sistemas de motivação, como por exemplo, o domínio da voz, pois o que se pode fazer com a voz para captar, motivar, pelo que há mecanismos que se aprendem  que têm mesmo que se apreender. A maioria dos professores nunca as aprendeu. Nem aprende. Alguns aprendem com a experiência, enquanto Outros não aprendem com a experiência e berram com os alunos a todo o momento.

Uns entram pelo modelo histérico, outros entram pelo modelo mais soft, outros entram pelo modelo da expulsão, mais tribunalício, há n modelos. Mas não enfrentam a questão que é esta- tendo um grupo de alunos, e dependendo dos níveis etários, tenho ali um grupo com quem eu tenho que trabalhar, a quem eu tenho não só que ensinar, mas fazer aprender. E todos aprendem. Não há nenhum cidadão que não aprenda. É preciso dar-lhe as condições adequadas a ele próprio, para que ele possa aprender. Essa é que é a questão.

Chama-se a isto o princípio da educabilidade de cada pessoa. É um princípio básico, que é desrespeitado todos os dias nas nossas escolas.

É que há pessoas ainda hoje, umas de uma maneira mais aberta, outros de maneira implícita, que tratam os alunos, diferenciando claramente os que são capazes, dos que têm dificuldades.

E isso ainda hoje é assim. De mil maneiras. E feito de mil maneiras. Antigamente, era logo na primeira classe em que os professores separavam logo os alunos na sala, no entanto, hoje há maneiras muito sub-reptícias de fazer isso. Mas isso continua a ser feito.

Ora, o professor tem que partir do princípio que aqueles vinte e cinco, ou aqueles trinta, ou aqueles vinte ou os sessenta são pessoas com capacidade de aprender.

Agora o nível, a maneira como aprende, o nível de envolvimento do  que apreende é que é que diferente de pessoa para pessoa.

As pessoas que estão aqui esta noite são todos diferentes. Quando eu digo uma palavra ela ecoa na vossa cabeça, em cada um de vós, de maneira diferente.

Quando eu digo um professor, vocês avaliam de forma diferente, é assim é, pois depende da experiência que vocês tiveram com o docente. Professor para vocês quer dizer algo que difere de pessoa para pessoa. Porque não têm a mesma percepção e a vossa experiência, a vossa bagagem cultural, influenciam a imagem que vocês têm na cabeça do professor.

Por isso é que nós, professores, falamos, mas cada um ouve o que quer.

Neste tipo de comunicação, bem como outras das muitas centenas de conferências que já fiz, as pessoas constatam muito isso, porque às vezes dizemos algo e a primeira pessoa que fala “Olhe o Sr. Acabou de dizer não sei quê!”, assunto que não foi abordado. E geralmente são os que falam logo primeiro, cheios de vontade.

Porquê? Porque uma palavra ou duas que apanharam do que nós dissemos, entraram de uma certa maneira na cabeça da pessoa, na sua cultura, na sua bagagem, na sua maneira de pensar, na sua visão dos problemas, na sua experiência, muitas vezes dolorosas e até traumáticas, que a pessoa transforma logo aquilo na vertente que mais lhe interessa.

Depois se forem todos de um estrato cultural mais ou menos idêntico, podemos pensar que iremos começar a ouvir coisas mais ou menos comuns, mas tal não é verdade, pois  em cada um de nós, não há cidadãos médios, nem normais. Isso não existe. Existe sim cada pessoa individualmente considerada, e cada indivíduo é diferente do outro, e eu entendo que nessa questão, do ponto de vista do que é a educação e uma turma, um professor precisa de aprender isso como regra básica. Os americanos, por exemplo, dão uma importância crucial a dotar os professores de competências técnicas de como lidar com uma turma, por exemplo de adolescentes, como lidar com uma turma de jovens, como lidar com uma turma de crianças, e representam técnicas diferentes.

Isso aprende-se. E aprende-se primeiro teoricamente, e depois com um tutor à frente de uma turma real, onde a pessoa faz uma asneira e depois gravam aquilo, visionam, vão ver onde esteve a falha e corrigem-na.

Essa formação inicial dos professores é fundamental. Porque é preciso perceber que os professores não vão apenas ensinar, vão fazer aprender e terão que fazer aprender. As escolas não existem para dar aulas e pendurar pautas, apesar de ser isso que a maioria faz. Existem para receber pessoas, fazer delas melhores cidadãos, e no fim dizer, independentemente da pauta, que eles cresceram. Eles são outras pessoas e são melhores cidadãos.

É esse salto que é preciso dar e fundamental assegurar. A formação inicial de professores tem que ser melhorada, sobretudo, na componente prática, dotando as pessoas dessa capacidade, e tem que haver à posteriori um sistema de profissionalização em serviço, que eu acho que, que se fez há uns anos, onde havia tutoria na escola, com um supervisor, com um apoio muito específico, mas dentro da própria escola. Ou seja, professores dedicados a essa função de supervisão, e esse modelo que era feito em dois anos, é um modelo muito melhor porque permite ao novo docente ter capacidade e ir aprendendo, testando  a sua capacidade e as suas potencialidades.

Posteriormente, os professores deviam ter um exame de acesso à profissão, porque entendo que a profissão de professor é a mais nobre. A Educação é a pérola, sendo o património mais precioso que uma sociedade pode ter, porque é isso que faz com que uma pessoa nasça, uma vez que todos os cidadãos que nascem podem através dela tentar serem melhores. E por forma a que possam ser aquilo que eles são, que transportam em si aquilo que é, e que consgiam trazer isso tudo cá para fora, pois isso é que é educar. A própria palavra “educere”, tem também esse sentido, de fazer explodir e trazer essas potencialidades cá para fora, sendo que se os pais o fazem,  são os professores que, em termos do sistema de ensino, potenciam isso.

O sistema de ensino tem essa função, e ser-se professor  é uma profissão do mais nobre e rico que pode ter a sociedade, e o que é que nós fazemos? Qualquer pessoa pode ser professor. É se licenciado não sei em quê, mas pode ser professor.

A Espanha por exemplo, tem um sistema de provas de acesso à profissão de docente, em que depois de tirar uma licenciatura, e mesmo com formação pedagógica, tem um sistema de provas (de uma semana), em que os potenciais professores passam por várias provas para serem admitidos à carreira docente.

Ora, logo isso dá um prestígio enorme aos professores e à profissão em si. A sociedade toda sabe disso e diz “bem ser professor não para de qualquer um, nem é de qualquer maneira”.

E um dos alicerces básicos do sucesso na Finlândia chama-se trust, a confiança que a sociedade tem nas escolas e nos seus professores.

E esse é que é o problema. Em Portugal quem é que tem confiança? Quem são os pais que confiam nas escolas e nos professores? Muito poucos!

E com esta ministra, os professores são os responsáveis por tudo o que de mau acontece no sistema, e com as escolas em que nenhuma funciona bem, o que dizer? A desconfiança aumenta todos os dias!!!
 
Francisco Mestre
Boa noite a todos. Um bem-haja ao Prof. Joaquim Azevedo.

Ouvindo falar os opinion makers deste país, sinto que um dos principais entraves ao desenvolvimento do país são pessoas licenciadas ou formadas nas áreas tecnológicas. Tendo em conta que as pessoas que ingressam nos cursos de ensino, principalmente no pré-primário, primário e básico provêm da área de letras e quando ingressam na universidade não têm matemática há pelo menos três anos e fogem dela como “o Diabo da Cruz”, como é que essas pessoas um dia no futuro vão fomentar o interesse das crianças pela área tecnológica e pela Matemática em si?
 
Prof.Dr.Joaquim Azevedo
Eu acho que é melhor dividirmos essa questão em duas partes.

Por um lado a questão da Matemática, faria só um comentário-  há alguma investigação feita, que explique porque é que há então resultados tão débeis a matemática? Há muitas explicações, e não será certamente o código genético dos portugueses?

Nós não temos nenhum chip, ou nenhuma parte do chip que não funcione, e que é adverso à Matemática.

O problema de aprendizagem na Matemática que nós temos tem uma grande causa, entre outras, mas há uma causa de que pouco se fala, e que é decisiva- é que, em geral, nós temos muito maus professores de Matemática.

Isso está mais que estudado. Mas isso não se diz, não se trabalha, porque ensinar Matemática não é a mesma coisa que ensinar introdução às Actividades Económicas, nem Física ou Inglês. O que é exigido para ensinar Matemática é diferente, sobretudo ao nível da capacidade de abstracção e de trabalhar com os outros a esse nível fazendo-os aprender nesse nível de abstracção.

Isso qualquer aluno aprende, no entanto, o problema é que não é qualquer um que ensina e faz aprender. E o problema está aí. Em geral, os nossos maus resultados a Matemática são devidos a isso: a maior parte dos professores nunca quis ser professor, ou seja , é se professor de matemática por acaso e, sobretudo, é se professor de matemática não investindo no que é isso implica. Porque se ensina Matemática como se ensina outra qualquer disciplina.

E porque a matemática exige uma pedagogia e uma didáctica muito específicas que é preciso trabalhá-las a um nível diferente, de uma maneira muito diferente do que se faz para outras, sendo que os professores precisam de se preparar de uma maneira muito especial, algo que, normalmente, não fazem.

Entendo que é de deixar esta reflexão.

Às vezes andamos todos à procura dos motivos que levam  a que os alunos tenham tão más notas a Matemática, e não está assim tão longe. Temos muito maus professores de matemática em geral. Só que isso ninguém o diz.

A questão dos opinion makers dizem respeito à  reflexão que fez.

Eu considero que a opção pelas áreas tecnológicas e científicas, tem que ver com esta questão da Matemática, mas também tem que ver com outras questões, como por exemplo, quem é que quer seguir áreas profissionais e técnicas? Esse é um dos dramas que o nosso país tem, ou seja, a pouca valorização das áreas técnicas e profissionais.

E eu creio que é preciso nos próximos anos investir muito nisso, continuando a dar oportunidades aos jovens para estudar em áreas técnicas e científicas. É assim, reparem na falta de senso que isto é, mas no qual nós trabalhamos todos os dias.

Até ao fim da infância, até aos onze, doze anos, isto é, até ao 6° ano de escolaridade, a maior parte dos países chamam a isso ensino primário, ou então educação de infância, e é por isso que muitos países da Europa o ensino primário é de seis anos, e acaba aos onze. Porque aí é que acaba a infância do ponto de vista do desenvolvimento humano.

Aí começa a adolescência, e o que ela representa? É um período em que se abandona as influência da mãe e do pai e se começa a descobrir a si próprio e os outros, começa aquela turbulência, para os pais sobretudo, e um dia depois aquilo há-de de uma maneira ou de outra ir acabando.

Mas essa turbulência é um período de muita descoberta, e nós na escola o que é que fazemos?  Fazemos a mesma coisa que fazemos que na infância, a partir do 6° ano de escolaridade aos alunos no 7°, 8° e 9°. Temos o mesmo currículo  para todos os alunos, ao mesmo tempo, em todo o país, da mesma maneira. Isto é impossível funcionar bem!

Nunca poderá funcionar bem, ou melhor, só por sorte!

É que a maioria dos cidadãos são pacatos, conformam-se com isto, vão tolerando aquilo, vão dizendo que “as aulas que são uma seca”, apesar de ser uma seca muito maior para uns do que para outros. Muitos alunos, queriam era aprender uma coisa mais simples, prática, começar a praticar, para a  partir dali pensar algumas coisas, e exercer outro tipo de actividades, e assim atingirem os desejados níveis de desenvolvimento. E os níveis de excelência de desenvolvimento que nós podemos atingir, podem ser muito diferentes de cidadão para cidadão, o importante é que a escola dê condições de todos desenvolverem níveis de excelência e de motivação.

Todos devíamos ter condições para nos podermos motivar na escola, não é? Mas para que tal suceda, teria que ser um espaço em que nem todos faziam o mesmo.

É por isso é que os currículos únicos impostos pelo ministério a todas as escolas não resolve. Foi assim que se desenvolveu o sistema educativo em Portugal-é no mesmo dia, à mesma hora, todos os professores estão a ensinar física, e todos os alunos estão a ouvir naquele momento, naquele minuto do programa, estão a ouvir a palavra Newton, todos os alunos! É esse o paradigma que nós temos na cabeça. E esse paradigma está totalmente desbroado, mas nós ainda continuamos com ele, mas agora todo desfigurado. Está meio escangalhado, mas estamos a usá-lo: agora não são todos à mesma hora e há uns que falam dele e outros que não, uns que falam no Newton «rock and roll» e os outros falam no Newton muito «sério e tal», e depois não sabem, e penduram as pautas no fim do ano.

Depois, seja o que Deus quiser, e lá respondemos aos inquéritos internacionais e é a desgraça do costume.

A questão era muito mais simples: era dizer naquela escola, aos professores como é que se resolvem os problemas da aprendizagem daqueles alunos. É impossível que todos os adolescentes portugueses aceitem aquele currículo nacional igual para todos. Não é possível, e deste modo os 7°, 8° e 9° ano são um sacrifício terrível para muitos cidadãos portugueses.

Aquilo não lhes diz nada!

E o 10°, 11° e 12°, onde a adolescência numa fase muito mais desenvolvida, já começa a haver uma pequena diferenciação, mas 70% dos alunos vão para os cursos gerais. Isto não acontece nos outros países da Europa.

E temos que perceber, que o caminho é criar escolas que tenham autonomia e que sejam capazes de se organizar autonomamente e escolher para os alunos a melhor maneira deles poderem aprender e desenvolverem-se, dentro de currículos nacionais pré-estabelecidos, e com regras pré-estabelecidas.

Por exemplo, escolas do interior, como a zona onde está a realizar-se esta iniciativa- o que é que fizeram?

Reuniram-se e disseram- os alunos do 7°, 8° e 9° não aprendem todos, nós estamos aqui a laborar num equívoco, e nesse sentido o que fizeram? Juntaram-se e procuraram responder ao desafio sobre como alterar este estado de coisas

Então fazem de uma maneira muito simples. Criaram um modelo que eles próprios chamam, a Turma +. E a Turma + o que é? Eles têm quatro turmas, cinco turmas, onde cada professor mais ou menos tem quatro, e no caso do Português e da Matemática, para ter um horário completo têm mais ou menos quatro turmas. Ora, eles têm as quatro turmas, geram-nas em conjunto- o de Português, Matemática- e um grupo de professores está responsável por uma turma. Nessa turma, em que, por exemplo, um bom aluno, mas indisciplinado, ou os hiperactivos, podem ser muito bons alunos, mas dão cabo do ambiente da turma e portanto não é só os maus alunos, eles pegam nesses alunos e durante uma parte do ano, chamam-lhe um segmento de tempo. Nesse período, eles pegam nos alunos que estão com problemas, e que têm dificuldades ao nível da aprendizagem, ou porque são hiperactivos, ou porque são muito bons alunos mas são hiperactivos, ou porque são muito indisciplinados ou muito mal educados, entre outras situações, e o que é que fazem? Pegam nesses alunos e criam a Turma + e os mesmos professores vão trabalhar com ela, durante aquele período, para trabalhar os problemas específicos daquele grupo de alunos. Após esse período, os alunos voltam às turmas, e vê-se a seguir, quem é que está a precisar desse tipo de apoios. E pegam outra vez noutro grupo de alunos (podem ser os mesmos) e esses alunos voltam a criar outra Turma +, e isto cada mês e pico há uma Turma +, sempre. Sempre há uma Turma + durante o ano.

A Turma + é a turma de, digamos, de rodagem em que os alunos com dificuldades ou com problemas vão rodando e regressam à turma de origem. Não são os parvos ou os burros, são os alunos que são como os outros, estão nas mesmas turmas, mas que precisam de um tipo de apoio especial.

E ao fazerem isso reduziram de 40% para 10% o insucesso nessas turmas, ao fim de cinco anos.

Mas trabalho destes professores, não foi na 5 de Outubro, foi ali na escola, e foi a competência daquela gente, até porque as escolas são as instituições portuguesas que têm mais licenciados. São as instituições escolares portuguesas, nem é a Banca, nem os Seguros, muito menos empresas que têm tantos técnicos qualificados a trabalhar. E as escolas são tomadas como se os professores fossem mentecaptos, não soubessem nada do que estão a fazer, e têm um ministério por detrás, todos os dias a decretar o que eles devem fazer e como devem fazer.

Na Lombardia há um despacho que diz qual é a voz dos professores em função dos tipos de alunos que as turmas têm. Como é que o professor deve colocar a voz, há normas da colocação da voz dos professores.

Nós também lá chegaremos um dia destes. Ainda não chegámos ao nível da Lombardia mas para lá caminhamos.
 
Dep. Carlos Coelho
Sr. Prof. Joaquim Azevedo, eu vou dar agora a palavra aos dois grupos finais para fazerem as perguntas. Temos uma norma de cortesia que é dar a última palavra ao nosso convidado e, sendo assim, eu não voltarei a pegar no microfone, pelo que aproveito o ensejo para reiterar aos meus, e os nossos, agradecimentos não só pela presença mas também pela participação na Universidade, pela excelente intervenção e pelas excelentes respostas que está a dar às perguntas dos nossos grupos.

Grupo Azul, Rita Cipriano.
 
Rita Cipriano
 Muito boa noite, em nome do Grupo Azul, gostaria de agradecer a presença do Prof. Dr. Joaquim Azevedo.

Pegando no que há pouco disse, da falta de competência pedagógica dos professores, gostaríamos de saber o que acha da proposta de avaliação dos docentes do ensino básico e secundário. E como implementar um sistema de avaliação no ensino superior público?
 
Carla Santos
Desde já agradecemos a sua grande contribuição neste evento, e fazemos a seguinte questão; um dos problemas do ensino em Portugal é o ministrar de cursos sem aplicabilidade e com dificuldade de inserção no mercado de trabalho, muitas vezes por falta do conteúdo prático. Esta situação encontra resolução no modelo do politécnico, caracterizado por uma formação de cariz prático e polivalente, vocacionado para uma entrada mais directa no mercado de trabalho.

No entanto, ainda hoje existe uma ideia pré-concebida, que o ensino nas universidades é mais completo do que no politécnico. O que faz com que as universidades em vez de investirem na investigação e desenvolvimento, continuem  a formar técnicos, o que leva a um fenómeno de proliferação de cursos.

Assim sendo, qual deverá ser o caminho para uma solução eficiente neste âmbito?
 
Prof.Dr.Joaquim Azevedo
Muito obrigado. São perguntas nada cinzentas não é?

Podemos então fazer como fazíamos até aqui, primeiro o Grupo Azul sobre as competências técnicas e a avaliação.

Avaliação dos professores, como é que se faz?

Eu creio que a avaliação de desempenho, e suponho que está a falar da avaliação de desempenho profissionais, dos professores.

É fundamental fazer a avaliação de desempenho dos professores, mas tem sido muito difícil que os professores aceitem um sistema de avaliação, ainda por cima, professores que todos os dias avaliam. São os profissionais, que mais resistência têm tido à avaliação.

Houve vários modelos de avaliação, no entanto têm sido postos de lado. O sistema de avaliação que havia era mais exigente, no entanto, houve um partido que ganhou as eleições em 1995 dizendo que ia acabar com o modelo de avaliação dos professores  que havia, que era a única coisa que ainda havia de avaliação dos professores, e hoje não existe modelo de avaliação dos professores.

E por isso que eu tenho, e ainda bem que fez a questão, dito sistematicamente, e tenho tomado essa posição, e digo isto à frente de duzentos, trezentos, quinhentos professores. Há uns anos dizia isto e havia imensa gente a mexer-se nas cadeiras, e muita gente incomodada inclusive, e saíam das salas. Hoje já ouvem, e alguns já apoiam, pois se nós não avaliamos acontece uma coisa muito simples, só pode acontecer uma coisa dessas- É que quando eu trabalho numa organização, e não avalio o desempenho dos colaboradores nessa organização, o que é que eu estou a fazer? Estou a eleger a mediocridade como excelência. Porque eu digo, se eu fizer um desempenho medíocre, e no fim do ano sou promovido, os professores cada de três anos ou quatro ou cinco, agora está alterado, subiam as fases e os escalões depois.

Agora está congelado isso. No entanto vem aí a nova regra, ou há-de vir agora aí a nova regra que é da progressão automática, em que os professores progridem por antiguidade, como na tropa.

Progridem por antiguidade, estão ali, dizem aquela coisa, penduram a pauta, dizem aquilo e penduram a pauta, três anos passados, um escalão à frente, mais três anos passados e a pendurar a pauta, e outro escalão.

Se são péssimos, se faltam muito, se não ligam aos alunos, se só dizem aquilo e não se interessam, se os alunos aprendem ou não, esses professores são tão premiados como aquele que se dedica, que se empenha, que está ali preocupadíssimo, que apoia aos alunos, que procura as famílias, tenta apoiar, fala com os pais, tenta estimulá-los, traz estratégias e concebe estratégias novas, passa imenso tempo com os colegas a tentar definir isto e aquilo.

Esses professores, quando dei aulas e dirigi uma escola dessas cinco anos, eles diziam “Vais ter uma medalha de cortiça!”. É assim que se diz nas escolas a quem se dedica.

“Vais ter uma medalha de cortiça!” Até se dizem coisas piores: “Não tens marido em casa!”

Eu estou a dizer as expressões que eu oiço.

Ouvia mais do que ouço! “Sim e vai ter uma estátua!” E não sei quê! Essas coisas amáveis todas. E o que é que isso quer dizer? Quer dizer que os próprios colegas e profissionais da educação, desvalorizam aquela dedicação, porque sabem que ela não vale nada. E mesmo esses profissionais ao fim de cinco anos, alguns ao fim logo de um ou dois, outros ao fim de cinco, ou ao fim de dez metem as mãos nos bolsos como os outros.

E o problema é que nós temos um corpo docente altamente desmotivado. E nenhuma organização consegue, e eu já geri várias organizações que não escolas, e sei que se eu não premeio aquilo que eu quero, não estabelecemos metas em conjunto e objectivos para cada ano; se no fim do ano houve colegas nossos, colaboradores nossos que se empenharam especialmente, e que conseguiram melhor as metas, eles têm que ser premiados, e não é dar a todos a mesma coisa, não, é sim diferenciar.

E por isso tem que haver mecanismos de avaliação justos, e mesmo mecanismos também para, caso haja injustiça, existam sistemas de recuperação das injustiças cometido, pois é humano também o poder, há pessoas que se vingam noutras, tudo isso.

Agora, o problema é que existindo um sistema nós podemos dizer o que é a excelência, e podemos dizer “Olhe,  se você quiser para o ano também ser promovido sabe como é que é! Vá por esse caminho!”

E as pessoas sabem o que é ser melhor. Houve funcionários que eu não aumentei nem sequer a inflação, durante três anos ou quatro, e para quê? Para eles perceberem que não podem trabalhar assim. Mas eles trabalhavam assim e ao fim dos quatro anos continuavam a entrar no trabalho e a sair.

Está bem, mas então não têm nem sequer o aumento da inflação. Têm o direito que têm, mas eu também tenho e, portanto, quero que a organização saiba o que é que é excelência no trabalho.

Voltando à questão da escola, se eu não premeio o mérito, eu estou a elevar a mediocridade à excelência, e o que existe hoje em Portugal, o que existe hoje nas nossas escolas é a mediocridade. Porque basta, e se basta porque é que eu vou trabalhar mais?

A avaliação é fundamental, um sistema qualquer de avaliação, e aí valia a pena abrir uma guerra. Porque um sistema de avaliação uma vez instituído, mas correcto, não é criar uma coisa que diz aos professores, ao fim de cinco anos, têm que produzir um relatório. O relatório é avaliado por uns colegas que dão a todos satisfaz.

Quer dizer, andamos todos a brincar outra vez, pelo que tem que ser um sistema de avaliação eficaz. Realmente eficaz.

Segunda questão, a dos cinzentos, a questão do politécnico, da universidade… é uma questão de facto, há muitos cursos que não têm muito interesse no mercado de trabalho, mas nem tudo o que o mercado de trabalho desvaloriza deve ser a medida do ensino superior.

Bom, primeira questão, as escolas e a universidade não existem por causa do mercado de trabalho, ou por causa da economia, existem porque o ser humano para se realizar precisa da educação.

E a educação escolar o que é? A educação escolar, ao lado da educação familiar, há que dizer que a educação familiar é que é a mais importante. É a básica do ponto de vista da educação, porque se  essa não funcionar a escolar andará sempre ali a zoar e não mais. É preciso fazer funcionar é a família e a educação familiar. E se nós sobre esta pudermos colocar uma outra, qual é a outra que a família não dá? É a transmissão do «tesaurus» cultural das gerações anteriores. O conhecimento vai-se sedimentando e vai evoluindo, e cada geração tem que passar à geração mais nova todo o conhecimento que recebeu, mais aquele que acrescentou, e tem que passar aos que se seguem.

E nós fazemos um grande serviço a quem nasce, e mesmo que eles não nos agradecem também não é preciso, porque nós sabemos que estamos a fazer aquilo que devemos. É aos mais novos que queremos dar este legado, dar-lhes aquilo que nós na Química, na Física, na Matemática, na Língua Materna ou na língua Estrangeira, o que nós fomos capazes de perceber, de conquistar, de desenvolver até hoje. É um dever da Humanidade transmitir isso.

E é isso que a escola faz. A escola existe para isso apenas, e mais nada.

E a escola tem que se concentrar nessa missão. Educação do consumo, educação rodoviária, educação sexual, educação sexual que devia ser na família, educação cívica, educação ambiental. A escola faz tudo, e tem que ser tudo feito na escola. A escola é a mãe de todas as tarefas educativas porque a sociedade dá de barato que ninguém faz, as instituições ninguém tem responsabilidades sociais e educativas, e isso é um erro gravíssimo, pois a escola tem que se concentrar na sua missão, que é transmitir o tesaurus cultural e criar condições para que todos os cidadãos o possam adquirir, uns de uma maneira outros de outra. Nem todos da mesma maneira. É para isso que a escola existe.

E o erro hoje é tentar confundir isto tudo, e como as famílias não funcionam e nós achamos que não é questão de preocupação, como as igrejas não funcionam e nós achamos que o melhor é sermos todos ateus e ninguém ligar a essa coisa da religião, não tem interesse nenhum nas sociedades de hoje- isto é mais chip menos chip, mais gameboy menos gameboy, ou mais programa de software e a coisa está resolvida- as questões centrais da vida não são essas, como sabemos.

Podemos andar aí com os chips todos, e com os gameboys todos, mas a questão central é quem nós somos e o que é que andamos aqui a fazer, de onde vimos e para onde vamos. Essas é que sempre foram as questões centrais, e serão sempre- com quem nos relacionamos e porquê.

E essas continuarão a ser as questões de fundo, e a essas, a educação tem que lhes dar o lugar devido, para isso é muito importante aprender essas coisas, aprender os fundamentos, porque depois eles aprendem; a gente aprende ao longo da vida, vai aprendendo aqui e acolá, e hoje com as tecnologias de informação e comunicação que nós temos, nós temos acesso a essa possibilidade de ir aprendendo e acumulando saber ao longo de toda a vida.

Logo, o princípio é dar as categorias, as grandes referências, os grandes frames, é para isso que a escola existe!

Por isso é que a filosofia é muito importante mas a língua materna é a disciplina mais importante de todas, porque nós existimos na nossa língua, nós sonhamos, nós pensamos no futuro, nós pensamos, nós amamos na nossa língua, por isso é fundamental o domínio da língua materna, qualquer que ela seja. As pessoas não comunicam bem nem escrevem bem se não pensam bem, uma vez que essas coisas estão muito ligadas!

E a língua materna tem que ser decisiva, depois as outras; a Matemática tem a mesma importância que a música, mas na prática tem muito mais importância a matemática. No entanto, se leccionássemos música, ela teria a mesma capacidade de desenvolvimento mental da matemática, mas há muito preconceito em relação a isso.

Para terminar, em relação à questão colocada, a questão é muito da elite dirigente.

A elite dirigente não valoriza o ensino profissional, nem o ensino tecnológico, nem o ensino politécnico, porque se a elite dirigente nestes trinta anos tivesse valorizado, dado importância, ao ensino politécnico, e às profissões técnicas, e à aprendizagem técnica, isso era muito importante.

Agora só falam é em universidades, e portanto acho que é um erro, um erro da elite dirigente.

Para terminar o que eu posso dizer. Que gostei muito de estar aqui, mas gostei mesmo, porque acho que percebe-se na relação pequenina que pude estabelecer convosco que estão muito atentos, que estão muito sequiosos de conhecimento e do saber, de puder pensar as coisas. Eu acho que assim é que é- não é só receber informação; é cruzá-la, e tentar pensar a vida e o mundo da nossa sociedade. E vocês estão aqui porque querem uma sociedade melhor, porque querem ser melhores, e porque querem uma sociedade melhor.

Não é só a educação que querem melhor. Também estão aqui, certamente, porque querem ser melhores num mundo que seja melhor também, e isso é o mais importante.

É por isso que eu é que eu tenho que vos agradecer ter vindo cá, ter estado convosco, porque eu também saio daqui mais motivado. É verdade, não estou a fazer retórica, e termino com o que não vos disse no princípio que era o tal paradigma teórico de desenvolvimento de sistemas educativos, as três categorias.

O modelo de desenvolvimento- como é que se desenvolveu a educação no século XVIII, XIX e XX na Europa?

E então é o modelo político, o modelo social, e o modelo retórico.

O modelo político é por exemplo a França. Em França, o Governo decidiu e implementa em todo o país, a escolaridade de quatro anos. Pôs a máquina toda a fazer a escolaridade de quatro anos. Escolaridade de dois anos, a mesma coisa.

O modelo social é o modelo inglês, por exemplo, onde toda a sociedade é que tem que se mobilizar para dar a escolaridade de quatro anos ou de seis. Aqueles países em que a educação se desenvolveu devido às igrejas, como por exemplo na Noruega, o Ministério da Educação ainda se chama Ministério da Educação e da Religião, onde toda a sociedade se empenhou em criar educação!

Não foram os sistemas educativos nacionais centralistas e estatistas.

E o modelo retórico, em que o exemplo paradigmático é Portugal, que é dado nesse estudo. já desde o século XVIII e XIX, em que nós pusemos sempre à frente a capacidade retórica de construir as coisas retoricamente, na realidade depois não se avança. Não avança politicamente nem avança socialmente.

Esse estudo é muito engraçado porque analisa durante o século, sobretudo no século XIX e princípio do século XX, país a país como é que se desenvolveu, e no fim constrói esse modelo de três padrões e dá como referência para o padrão da construção retórica da educação, o caso de de Portugal.

Mas ao mesmo tempo, eu acho que a beleza que tem a vossa presença aqui é que apesar de estarem num país que é categorizado a nível internacional como o da construção retórica da educação, vocês estão aqui porque querem, e porque optaram, e eu creio que isso vai trazer um país diferente. Que vai ser o país da construção social da educação, e de uma coisa nova que vai ser muito mais interessante. E eu creio que mesmo com a crise toda e com esta confusão, e não sabermos muito bem o que é que vem aí, e que mundo será o amanhã, vocês têm condições para fazer coisas espantosas que as gerações anteriores não tiveram.

E eu acho que isso é óptimo.