dia 3 - 10.00
Sessão de Avaliação da UNIV dia 3 - 12.30
Sessão Formal de Encerramento dia 3 - 14.00
Almoço de confraternização com UNIVs de 2003, 2004 e 2005
Globalização: Aceitar? Rejeitar? Regular?
Dep. Carlos Coelho
Saudo a vossa pontualidade marca da Universidade de Verão, bem diferente da regra, infelizmente, regular no nosso país. E em nome de todos dou as boas vindas ao Prof. Dr. Viriato Soromenho Marques, que é Professor Catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa, mas que foi particularmente conhecido enquanto foi Presidente da Quercus. É um escritor prolixo, tem várias obras publicadas como poderão ver pelo currículo que publicámos, e independentemente da sua função académica, é um homem que não deixou de lutar pelas causas em que acredita e de ter, quer no plano nacional quer no plano internacional, uma participação muito activa.
Foi também o nosso convidado que, não apenas aceitou o nosso desafio de fazer o seu retrato falado, mas de o justificar, o que de facto é um bom exemplo para os outros. É mais interessante quando percebemos porque é que o nosso convidado escolhe aquele filme ou escolhe aquele livro ou escolhe aquela qualidade. Isso dá um valor acrescido às escolhas que nos comunica.
O hobby é o exercício físico, sobre diversas modalidades, sobretudo a ginástica, natação e a marcha e corrida de manutenção. A comida preferida é o bacalhau, embora também goste de pratos vegetarianos, portanto o Jivan tem aqui um aliado. O animal preferido, são todos os animais selvagens, presumo que o coelho não faça parte desse elenco, mas os lobos fazem que por acaso são predadores da minha raça (risos). O livro que nos sugere é uma tradução da Ilíada de Homero. E o filme que nos sugere e que eu achei muito interessante pela justificação, é um clássico da ficção científica, o Blade Runner, porque (diz o Prof. Viriato Soromenho Marques) ensina-nos que a dignidade humana não está nos genes, mas na nossa constante luta para a conquistar e para dela não abdicarmos.
Prof. Viriato Soromenho Marques, muito obrigado, por ter aceite o nosso convite, mais a mais como homem independente que é, e passo-lhe de imediato a palavra.
Prof.Dr.Viriato Soromenho Marques
Muito obrigado Sr. Reitor da Universidade de Verão do PSD pelo seu simpático convite e pelas amáveis palavras com que me apresentou.
É para mim um grato prazer estar convosco, nesta universidade que me parece ter, enfim, já estive de manhã um pouco na parte final da intervenção do Eng. Carlos Pimenta, que me parece ter, digamos, uma característica fundamental que marca por um lado, a característica de universidade, mas ao mesmo tempo também a origem e o empenhamento político de quem a realiza. E digamos que, essas duas características são as seguintes, é que quando analisamos um tema, um problema e o tema que vou analisar convosco e discutir convosco é um tema que nos interessa a todos, que é justamente um pouco o retrato desta terra que habitamos, no fundo a globalização, quando analisamos podemos fazê-lo de duas formas: podemos fazê-lo como cientistas, como estudiosos, como académicos, procurando analisar aquilo que o objecto, neste caso este objecto muito vasto que é a globalização tem, respeitando as características desse objecto, ou seja, no fundo é muito importante percebermos o que é que as coisas nos têm a dizer, antes de tentarmos intervir sobre elas, mas para lá destas relação sujeito/objecto, que é típica da ciência, não há ciência se não há sujeito/objecto. Há uma outra questão muito importante que é a relação que vós, jovens, de uma centena de jovens, certamente jovens que têm no vosso projecto pessoal, na construção daquilo que podemos considerar a vossa narrativa biográfica a construir, que têm certamente o empenho cívico nesse vosso percurso, também sabeis que os objectos também são tarefas, e neste aspecto, certamente que muitos dos temas que vamos abordar aqui na globalização, são tarefas para um sujeito desta vez não um sujeito científico mas um sujeito cívico o cidadão.
Portanto, vamos analisar a globalização primeiramente como objecto científico, mas também vamos analisá-la como tarefa que se coloca a nós como cidadãos.
É justamente esta a primeira tarefa que se coloca é aquela que está associada a este slide inicial, que é o habitar a terra. No fundo, o habitar a terra pela primeira vez na história da humanidade, temos efectivamente uma terra una, uma terra que anda em busca de um sujeito, porque uma coisa é a existência da humanidade enquanto quantidade numérica, outra coisa é a existência da humanidade como sujeito. Diria que temos o habitat, temos a casa, não temos ainda é os moradores da casa. Uma das tarefas principiais da globalização, e é uma tarefa também ela essencialmente política, é encontrar este sujeito para habitar a terra.
Mas, a minha viagem convosco sobre o tema irá ser orientada por seis perguntas principais.
Quando o deputado Carlos Coelho me fez o convite pensei como é que vou tratar deste tema, e no fundo julgo que a forma interrogativa é talvez aquela que se coaduna melhor com aquilo que poderíamos considerar o denominador comum das nossas interrogações aqui.
E, portanto, procurei encontrar 6 perguntas que pudessem ser comuns a todos nós, independentemente do grau de conhecimento que sobre esta matéria tenhamos. E julgo que não me enganei, pelo menos nalgumas delas.
Mas reparem que a primeira talvez seja um pouco diferente do que poderia ser esperado que é a pergunta acerca do que é que precisamos individualmente para compreender a globalização? Este é um aspecto que me parece muito importante, irei falar dele a seguir.
A segunda, é uma pergunta indispensável: estamos a falar do quê, estamos a falar de um tema que começou no momento em que começaram a surgir os livros sobre a mundialização, a globalização, ou é uma coisa mais antiga?
A terceira pergunta: é a globalização essencialmente económica? É outra pergunta, que certamente todos nós nos colocamos.
A quarta: é ela inevitável? Alguns autores, sejam analistas e alguns actores também, apresentaram, sobretudo não tanto hoje, mas no final dos anos 90, falava-se muito numa espécie de lei de bronze da globalização. Era uma espécie de necessidade férrea. Vamos ver que é preciso ter cuidado quando falamos em necessidades no plano político e social.
Quinta pergunta: enfrenta a globalização algum limite objectivo incontornável? Vamos ver também isso.
E, finalmente, penso que talvez a última pergunta, que é aliás uma pergunta que eu gostaria que depois nos grupos de trabalho, já percebi que há essa estrutura interessante, em que estão organizados, pudesse servir um pouco também para o vosso trabalho posterior, que é tentar responder mais profundamente a esta pergunta última, a saber: Há lugar para políticas públicas no processo de globalização?
Vou tentar dar algumas respostas mas são escassas e são muito vagas, digamos assim, e por isso pedia-vos o vosso concurso, pedia-vos o vosso apoio no sentido de irmos um pouco mais longe.
A primeira pergunta: O que precisamos individualmente para compreender a globalização?
Isto é um aspecto que me parece muito importante, no fundo a verdade é que as coisas começam todas em nós, não há dúvidas, o mundo é o mundo da nossa representação. Há muitos anos o grande filósofo Schopenhauer escreveu um livro chamado “O mundo com vontade e representação”, e ele tinha toda a razão quando no fundo referia o facto de que qualquer problema, qualquer objecto, qualquer realidade é sem dúvida, é-o a partir do momento em que ela é representada, e a globalização não é um fenómeno diferente.
A globalização só existe para aquelas pessoas que têm condições de representar, que têm as condições de espaço/tempo, de conhecimento, as condições sociais, económicas para isso. E, nesse aspecto, diria que, para lá das condições digamos conjunturais e que são de certa forma exteriores, diria que há um conjunto de condições subjectivas que são condições que eu diria até de natureza quase que ética, porque no fundo são condições que têm a ver com o nosso comportamento e que podem ser modeladas pela nossa atitude, e que são indispensáveis para, não apenas compreender a globalização, mas penso que para compreender muitos aspectos mais complexos da nossa vida.
A primeira é justamente uma mente aberta e uma atitude de humildade perante a complexidade. Este é o contrário da arrogância intelectual. Abertura de espírito. Capacidade de compreender justamente que as coisas complexas não se oferecem resolvidas, não há resumos para a globalização. Não há versões abreviadas, não há atalhos.
Segundo aspecto, que fui retirar a um grande autor italiano, que morreu nas cadeias do Mussolini, o Antonio Gramsci, que é justamente um combinação invulgar de características pessoais. O cepticismo da inteligência e o optimismo da vontade. O que é que isto significa? Significa justamente que o cepticismo da inteligência, é a capacidade que nós temos ou não temos de nunca considerar uma determinada tese como completamente resolvida, e essa insatisfação leva-nos a quê? Leva-nos a investigar mais, a discutir mais, a tentar compreender mais. (…) isto é fundamental para quem queira ter uma vocação de intervenção cívica e política, este binómio é decisivo, vejam, se fizéssemos ao contrário, se em vez de termos o cepticismo da inteligência, tivéssemos o cepticismo da vontade, e o optimismo da inteligência. O que é que aconteceria, aconteceria que ficámos todos a ver televisão, parados, passivos.
Portanto, o cepticismo da inteligência não é pessimismo, é uma atitude de desconfiança crítica, mas que é apoiada pela energia que uma vontade optimista, ou seja, uma vontade que não aceita ficar silenciada, passiva, permite.
Terceira capacidade, ou terceira característica, capacidade de trabalho, gosto pelo trabalho, gosto pelo estudo. O Estudo passa evidentemente pelo trabalho individual mas também pelo trabalho de grupo, pela capacidade de dialogar, de trocar no fundo opiniões, é um aspecto muito interessante, não teremos muito tempo, mas se no debate surgir alguma pergunta eu até gostaria talvez de desenvolver esta ideia, que me parece muito importante que é, não o vou fazer agora porque sairia um pouco fora do âmbito, que é justamente muitas vezes nós queixamo-nos hoje, e com razão, de que a política pública não está suficientemente informada pelo conhecimento. Mas também nos podemos queixar de que o conhecimento e aqueles que o produzem profissionalmente, têm muita relutância em intervir no campo da política.
Porque é que isto acontece? Enfim, podia ser um tema para o debate.
Outra característica é o esforço de aproximação interdisciplinar. Penso que a globalização, tal como o tema que esta manhã o Eng. Carlos Pimenta abordou certamente, da energia e do ambiente, são temas claramente inter- disciplinares. São temas que implicam o concurso de muitas disciplinas, de muitos saberes, muitos percursos de vida, e por exemplo, a universidade é uma instituição que existe justamente para quê, para permitir que esse cruzamento se faça.
Estas coisas não acontecem espontaneamente, o diálogo interdisciplinar não cai do céu. Tem que ser construído, as universidades, os centros de investigação são instituições que permitem criar essa sinergia.
Finalmente, duas características finais mas igualmente muito importantes, o esprit de finesse é uma expressão do século XVII do grande pensador francês Pascal que opunha ao esprit de finesse, o esprit géométrique, o espírito geométrico, o esprit finesse quer dizer a enorme capacidade aos detalhes. Ou seja, devemos fazer um pouco como nas novelas policiais em que a descoberta do culpado encontra--se no leitor que é capaz de perceber o pequeno detalhe.
A globalização é um tema tão complexo que é preciso fazer como nas novelas policiais, perceber onde é que estão os detalhes, isto é este esprit de finesse.
Mas o espírito de finesse é acompanhado também pelo sentido crítico. Ou seja, essa insatisfação, no fundo, a capacidade de não ficarmos satisfeitos. E uma coisa muito importante, muito importante que faz a separação entre o bom e o menos bom ou o sofrido ou o medíocre. Que é justamente a capacidade que nós temos ou não de aceitar o desapontamento no final de um processo de conhecimento. O que é que isto significa? Significa que quando nós partimos para uma determinada investigação, geralmente temos uma ideia da tese do que é que vamos encontrar, não há ninguém que parta para onde quer seja sem um pré-conceito, ou seja, um conceito previamente elaborado. É muito importante sermos capazes de aceitar que afinal de contas o pré-conceito, era um preconceito. Isso é uma atitude de coragem intelectual também, só se consegue fazer alguma de grande no domínio do conhecimento e noutros domínios quando temos essa coragem.
Uma história sempre muito bonita do grande astrónomo, Kepler. O Kepler só conseguiu descobrir as suas três leis, nomeadamente a da não circularidade do movimento de translação da terra em torno do sol, porque considerou que o erro de 8 minutos de ângulo, que não é nada, era um erro que podia ser considerado, ou seja, era um detalhe que devia ser considerado. Pouca gente teria esta honestidade intelectual de considerar que um pequeno erro de 8 minutos, - pensem, em 360º graus 8 minutos não é nada -, mas isso foi o suficiente para ele no fundo ter revolucionado completamente a astronomia.
Segunda pergunta: É a globalização um fenómeno recente?
Bem, eu aqui começo por fazer aqui a evocação de uma grande senhora, a Rosa Luxemburgo, uma pessoa hoje praticamente esquecida, mas sem dúvida nenhuma, se quisermos na tradição que se reclama de alguma forma de marxismo, a Rosa Luxemburgo é sem dúvida uma das vozes mais originais, e justamente uma das vozes mais criativas.
A obra de onde retirei esta pequena citação que traduzindo para português significa: o capitalismo é a primeira forma económica, com força propagandística, esta obra foi escrita em 1913, publicada em 1913, chamava-se e chama-se “Acumulação do capital”, e é um obra que sempre me pareceu muitíssimo interessante, é uma obra que não é estudada praticamente hoje, incluindo nas escolas de economia, onde o Marxismo caiu por razão que todos conhecemos no esquecimento, só que atirou-se água suja, que era muito suja, mas também atirou-se provavelmente alguma coisa que valeria a pena, e a Rosa Luxemburgo com esta obra chamou a atenção para um aspecto que, por exemplo, tanto o Marx como Lenine não contemplaram na sua análise do capitalismo. Que é justamente a força expansiva do mercado e do capitalismo.
Enquanto que o Marx se preocupou mais, aliás é muito curioso que o Marx tratou o tema da Acumulação do Capital, no Capital claro, num capítulo chamado “A acumulação primitiva do capital”, e é muito interessante ver que, enquanto que para o Marx a acumulação era de certa forma um período histórico da formação do capitalismo; para a Rosa Luxemburgo a acumulação era aquilo que o capitalismo era.
Ou seja, o capitalismo como sistema económico só existe, estou agora a citá-la não ipsis verbis, mas a ideia dela, enquanto existir qualquer rincão do planeta que tenha uma forma de produção não capitalista, o capitalismo está garantido. Ou seja, seja um modo de produção mais ligado ao mundo rural, seja uma economia mais ligada a formas de comércio mais localizado, mais regional, etc., o capitalismo no fundo vai forçosamente expandir-se, vai liquidar essas formas e vai tornar-se global, aliás a expressão que ela usa, não usa a expressão globalização, mas usa a expressão de uma “ausdehn”, de uma expansão pela terra inteira.
Uma das consequências políticas, isto é um aspecto muito interessante, uma das consequências políticas disto era no fundo a consideração de que tanto o Marx como mais tarde o Lenine tinham cometido um erro de apreciação em relação às possibilidades manifestamente prematuras de qualquer mudança política do sistema capitalista no século XIX, e muito pior ainda uma mudança do sistema político no século XX, no início do século XX. No fundo, a ideia básica era, a Rosa Luxemburgo trouxe a má notícia de que o capitalismo não estava no fim, estava de certa forma no princípio.
Reparem que o Marx e o Engels consideravam no século XIX, isto hoje faz-nos sorrir, que uma revolução socialista faz-nos sorrir, que uma revolução socialista seria possível, em países como a França, a Grã-bretanha, a Alemanha ou os EUA.
Bom, que uma revolução dita socialista fosse possível em países como a Rússia ou a China, já é um assunto que entra no domínio da parapsicologia, das ciências ocultas, porque efectivamente como disse o Gramssi, logo a seguir à revolução russa, a revolução russa foi uma revolução contra o capital não contra o capitalismo, contra a obra do Marx, O Capital. Porque era uma revolução que estava condenada, como se veio a verificar, ao insucesso.
Portanto, uma primeira tese sobre a globalização, é de que ela está associada intimamente a um tipo de economia que é justamente a economia de mercado – o capitalismo.
Outra tese que vai um pouco mais para trás e que de certa forma situa a globalização nos último 500 anos, é uma tese do Emanuel Lowerstein, baseada também em autores como o Fernando Braudel e na leitura que o próprio Lowerstein faz de Marx que é a teoria dos sistema mundo, the world system. De acordo com esta concepção, a partir das descobertas portuguesas fundamentalmente e espanholas, peninsulares, ter-se-ia criado o primeiro mercado mundial, com fortes características evidentemente ainda pré-modernas, mas algumas das estruturas fundamentais do sistema mundo, e o Lowerstein foi um dos responsáveis pela forma como nós mapeamos ainda hoje o mundo, nomeadamente a ideia de que cada sistema-mundo tem um centro, tem uma zona central, o coeur, digamos assim, o núcleo, depois tem uma zona de semi coeur, de semi-periferia, e depois tem uma zona periférica
Esta estrutura dos sistemas mundo dos anos 60 e 70, por exemplo foram muitos importantes para economistas sul- americanos e para as teorias do desenvolvimento alternativo, é também e pode ser também considerada como uma visão da globalização.
Mas podemos ir até mais longe, podemos considerar a globalização no fundo como uma tendência da história humana, e diria que aqui a tradição não só filosófica mas a tradição religiosa vai neste sentido.
Um grande autor alemão, Karl Jaspers, que foi autor de uma teoria que é a teoria do tempo axial, o Achsenzeit, escreveu nessa obra uma ideia muito interessante que consiste no seguinte: é que as grandes religiões mundiais, a saber o Judaísmo, o Cristianismo, o Budismo, o Induismo, e depois mais tarde o Islamismo, foram criadas de certa forma numa janela temporal entre 500 a 1000 anos. E uma das teses fundamentais dessas teorias, do que ele chama a idade axial da humanidade, é justamente a ideia de que o sentido da história ou o sentido da vida humana na terra é o de criarmos uma só polis, uma só comunidade.
Portanto, de certa forma podemos, indo à nossa tradição cristã, dizer que isto no fundo é apenas aquilo que o Cristo disse aos seus discípulos, que é justamente a de criar uma só cidade para a família dos seres humanos.
Se formos, podemos ser até se quisermos mais modestos e podemos olhar para o século passado, o início do século passado, do século XX e chegaremos à conclusão através duma análise com indicadores muito directos, indicadores quantitativos, por exemplo, todos nós ficamos surpreendidos quando sabemos que ao analisar a diversidade da carteira de acções de um especulador bolsista em 1913, e comparando essa diversidade das acções na carteira desse especulador em 1913, antes da primeira guerra mundial, com a diversidade de um especulador de 1990, chegamos à conclusão que provavelmente em 1913 a diversidade era maior. Porquê? Porque em 1913 não estávamos, de facto, no pico de um processo de globalização da economia de mercado, e do capitalismo global.
Foi a fase imperial, digamos assim, com os impérios coloniais, mas a verdade é que nessa altura não existia qualquer dicotomia, havia só apenas um sistema que tinha o seu centro na Europa e nos EUA, e depois o resto do mundo seria uma periferia e a semi-periferia.
Ora bem, alguma coisa aconteceu, e teremos ocasião de falar um pouco mais sobre isso, em 1914 e depois de 1914, mas portanto, isto para vos dizer que, em relação a esta segunda pergunta a resposta, neste caso é uma resposta claramente negativa, isto é: não, não é um processo recente, a globalização pode ser entendida como uma tendência da história universal, como um tendência do sistema da economia do mercado, ou pode ser entendida também como a continuação de um processo que foi interrompido com a primeira guerra mundial.
Terceira pergunta. Temos falado muito de economia, será a globalização essencialmente económica?
Bom, aqui a minha vontade é de adiantar razões e dizer-vos que não podemos de facto, pensar a globalização sem a dimensão económica. Eu diria que é uma dimensão vertebral, eu diria que a economia é o motor da globalização. Agora, assim como nós temos motores nos nossos automóveis e julgamos que o nosso papel como condutores não é completamente irrelevante para uma condução segura, seria uma estultícia pensarmos que o motor económico da globalização esgota a realidade da globalização. É algo mais do que economia, embora seja impensável sem economia, e quando falo de economia, estou a falar de comércio mundial de produção, mas também estou a falar de movimentos financeiros.
Estão aqui duas definições de duas figuras, sobretudo a primeira, Joseph Stiglitz, prémio Nobel da economia, que foi economista chefe do banco mundial, nos tempos dos anos Clinton, que é uma espécie de definição mínima, ele escreve aqui que a globalização é a remoção de barreiras ao comércio livre, e uma mais íntima integração das economias nacionais. Digamos que este é, se quisermos, o núcleo mínimo da globalização.
Já um jovem autor, é mesmo jovem, uma pessoa que escreveu este livro com idade de alguns, tinha 29 anos, o Philip Le Grand, que foi funcionário da Organização Mundial do Comércio, numa obra também sobre a globalização, já nos apresenta uma concepção onde a partir do núcleo económico vai um pouco mais longe, diz ele: esta feia palavra é uma abreviatura para o modo como as nossas vidas se estão a tornar cada vez mais interdependentes com as vidas de pessoas distantes em lugares à volta do mundo, e essa interdependência é económica, política e cultural.
Portanto, aqui temos uma matiz que nos traça uma visão que é mais do que económica, embora tenha de facto no domínio económico, um centro muito importante e decisivo. O motor como eu vos disse.
Mas há outros autores que nos apresentam visões muito interessantes, por exemplo, o Appadurai, um autor nascido em Bombaim e que nos apresentou a famosa teoria dos fluxos da globalização, foi por volta dos anos 96/97 que ele desenvolveu esta teoria, dizendo que a mundialização ou a globalização no fundo é o quê? É o choque de um conjunto e fluxos de informação. Mas informação a vários níveis, informação que é transportada em primeiro lugar por pessoas, os Ethnoscapes, ou seja, no fundo fluxo de pessoas, os fluxos migratórios. E aqui os Ethnoscapes não são apenas as pessoas muito pobres da África interior que chegam às costas dos arquipélagos das Canárias ou que chegam ao sul de Espanha; são também os quadros por exemplo, das grandes empresas multinacionais que vêm da Índia para trabalhar em firmas na Alemanha por exemplo; mas são também as migrações internas, a China é um caso assombroso, a China neste momento tem qualquer coisa como cem milhões de pessoas em idade laboral, portanto pessoas activas, que se deslocam pelo país fora a trabalhar nas grandes obras que estão a ser realizadas. 100 milhões. São pessoas que reúnem na sua casa geralmente no ano novo chinês, portanto, vão onde há trabalho, isto é um exemplo do Ethnoscape. Há também os médio scapes, no fundo o fluxo da comunicação dos meios de comunicação social. Os Thecnoscapes, no fundo a tecnologia, a transferência de tecnologia. Evidentemente, muito importante, os Financescapes. E os Ideoscapes, ou seja, no fundo, todo o debate de ideias, de identidades.
Não expliquei há pouco, na organização dos slides vão encontrar referências breves com o nome dos autores e o ano das obras a que se referem, depois podem encontrar na folhinha que acompanha a minha intervenção a referência exacta da obra que está aqui indicada, ou seja, a indicação do livro em português ou na edição original encontra-se na vossa pasta. Aqui está apenas em abreviatura por razões óbvias.
Falámos na parte económica, na parte cultural, na parte política, a dimensão ambiental, também é um aspecto muitíssimo importante.
Esta manhã o Eng. Carlos Pimenta na sua intervenção certamente poupou-me o trabalho de desenvolver este slide, uma parte importante das questões ambientais hoje, são, eu digo uma parte importante não estou a dizer que é tudo, há muitos aspectos da crise ambiental que continuam a ser assuntos de política doméstica, política de resíduos por exemplo, política de ordenamento do territorial, são questões que têm a ver com instrumentos e com políticas públicas nacionais, regionais, municipais, mas as políticas relacionadas com a crise da atmosfera, o ozono que está agora numa fase bastante melhor, alterações climáticas por exemplo, ou a gestão dos oceanos, são tudo questões que implicam uma visão global, estratégia planetária e instituições planetárias.
Portanto, temos aqui uma dimensão muito importante da globalização.
Permitam-me que acrescente uma coisa que não está no slide, para aqueles que são da minha idade e um pouco mais velhos, nós vivemos durante a guerra-fria um período de globalização do risco bélico, é um aspecto que muitas vezes esquecemos.
Todos nós hoje vivemos num mundo bastante mais fragmentado, o Prof. Adriano Moreira usou uma expressão, inventou uma expressão muito bonita que é “da anarquia madura”. Mas o mundo da anarquia madura não era assim há vinte anos, há vinte anos, todos os conflitos regionais estavam perfeitamente disciplinados pela lógica da oposição entre Pacto de Varsóvia e Nato, União Soviética de um lado e Estados Unidos da América do outro. E existia uma disciplina porquê? Porque no fundo a grande ameaça era a da guerra nuclear central, que seria digamos o fim, seria o fim catastrófico da humanidade.
Ora bem, tendemos, como essa fase está ultrapassada, e hoje em dia a ameaça nuclear será muito mais regional ou de um conflito nuclear regional, o que não é pouco diga-se de passagem, mas é diferente do Armagedão, nós esquecemos que podemos aprender alguma coisa com a experiência da globalização, em termos de risco de segurança.
E permitam-me para terminar este slide sobre a questão da globalização ser essencialmente económica, que acrescente aqui algumas das ideias mais comuns sobre as tendências, no fundo que tendências económicas é que nos encontramos hoje que têm essa marca da globalização?
Sem dúvida que todos concordarão comigo, enfim, com o que ali está: desde a privatização do sector público, a redução das despesas públicas e gastos sociais, o alívio da carga fiscal é um aspecto muito interessante vermos o debate sobre a fiscalidade, que sobre a fiscalidade sobre as empresa, quer sobre pessoas singulares, é muito interessante ver como é que há 30 ou 40anos, por exemplo, reinava o imposto progressivo e uma pessoa, não é na Suécia, nos EUA, uma pessoa que ganhasse um milhão de dólares por exemplo, pagaria ao fisco 800 mil dólares, pagaria 80%, e hoje em dia discute-se e pratica-se. Por exemplo, na Europa de Leste, na antiga Europa comunista, o que está na moda são as flat rates, ou seja são no fundo taxas, impostos sobre rendimento que são completamente indiferentes à quantidade, digamos assim, daquilo que é taxado.
Outros aspectos: a desregulamentação do trabalho, no fundo a perda da capacidade reivindicativa dos sindicatos, nomeadamente, também a desregulamentação dos condicio- namentos aos investimento, dos fluxos financeiros e do comércio internacional, a porosidade das fronteiras, a porosidade do imaginário também, a presença de marcas e de meios de comunicação social planetários.
Em relação a esses aspectos poderíamos demorar muito tempo a falar sobre isto, talvez dê apenas um dado, a comunicação social é muito interessante, porque a comunicação social de facto tem crescido, mas a nível planetário a tendência é para que se criem grande conglomerados de mass media, de no fundo complexos que envolvem os multimédia, que envolvem diferentes meios de comunicação, da imprensa escrita, as rádios, as televisões, toda a comunicação electrónica neste momento, e os EUA que são sempre um país que está na vanguarda nesses processo, é um dado muito curioso que é dos cerca de 1500 jornais diários norte-americanos, a maioria esmagadora desses jornais pertence a 6 empresas. O que faz pesar a diferença entre o que é a multiplicidade de títulos, e evidentemente uma muito menor diversidade de orientações por parte desses órgãos de comunicação.
Quarta pergunta: é a globalização inevitável?
Bom, aqui dir-vos-ia que a inevitabilidade é um conceito ideológico. A inevitabilidade é um conceito que no fundo existe para as pessoas que têm receio de assumir as suas responsabilidades. Quando não queremos tomar uma decisão dizemos: isso é inevitável. Ficamos sossegados, não temos que ter o ónus de uma decisão.
Nada é inevitável, a lei da gravidade é inevitável, mas até mesmo essa nós encontrámos maneira de poder viajar de avião e ir para outros corpos do nossos sistema solar mesmo com ela.
A inevitabilidade aqui seria digamos um factor que perturbaria a nossa capacidade de análise, o tal espírito crítico que eu falei.
Por outro lado, também, a razão pela qual a globalização não é inevitável é porque ela já não foi inevitável. Isto é, o que aconteceu com a primeira guerra mundial foi justamente o fim de um ciclo de globalização, mas um fim abrupto de um ciclo de globalização.
Isto é, em 1914, tivemos uma guerra mundial que fragmentou economicamente o mundo, entre outras coisas, tivemos depois um período muito complexo de recuperação que terminou na grande depressão dos anos 20-29, terminou no proteccionismo dos anos 30, continuou na segunda guerra mundial, depois na guerra fria. Isto é, entre 1918 e 1989, com a queda do muro de Berlim, nós tivemos quase um século em que justamente a globalização foi interrompida. É tempo suficiente para o esquecimento, por isso é que muitas pessoas julgam que isto surgiu no final dos anos 80. Não é verdade.
E falamos na guerra de 14-18, a guerra dos trinta anos, como alguns autores muito bem dizem, no fundo, de certa forma a primeira e a segunda guerra mundial foram uma segunda guerra europeia dos 30 anos, mas podemos falar de coisas muito mais simples e muito menos dramáticas, mas com consequências desastrosas. Por exemplo, a famosa lei Smooth-Hawley, no tempo do presidente Hoover nos EUA, Junho de 1930, uma lei proteccionista que aumentou as tarifas aduaneiras nos EUA entre a 40 a 60% para três mil e duzentos produtos importados e que teve como consequência, como consequência que um terço do comércio mundial tivesse ficado completamente destruído.
Ou seja, nos anos 30, o comércio mundial diminui 33%. Há até outros indicadores mais impressionantes. Quer dizer, quando esta lei foi aprovada no congresso americano, estes congressistas, um deles era do Utah ou o outro Oregon, e fizeram sobretudo do ponto de vista da protecção dos agricultores, mas a verdade é que foram 3200 produtos, isto criou uma guerra comercial com os outros países, nomeadamente com a Europa, e a taxa de desemprego na América em 1930 era de 9%, no ano seguinte era de 16%, e ainda em 32 atingiu o número de 25%, em 1932 quando o presidente Delano Roosevelt foi eleito 1 em cada 4 americanos não tinha emprego. Não estou a dizer que é a consequência directa desta lei, mas esta lei ajudou imenso nesse sentido. Curiosamente só depois da segunda guerra mundial foi possível baixar para baixo dos 9% o emprego nos EUA.
A crise asiática de 98, ou aspectos estratégicos como a questão da bomba relógio no médio oriente, são também aspectos que nos devem fazer reflectir sobre que não há inevitabilidade na globalização. Ela pode se detida bruscamente, brutalmente, se não formos capazes de ter políticas adequadas para ela.
Mas enfrenta a globalização algum limite objectivo incontornável?
Reparem que no slide anterior eu apresentei-vos um conjunto, digamos assim, de exemplos históricos que têm a ver fundamentalmente com decisões políticas erradas, ou com gestão política errada de problemas delicados.
Agora, gostaria de falar de um outro conjunto de questões que podem evidentemente estar relacionadas e estão relacionadas também com erros políticos, mas que correspondem mais àquilo que eu aqui digo como limites objectivos incontornáveis.
Ou seja, uma globalização, usando uma expressão do Stiglitz com rosto humano, uma globalização que diminua o sofrimento das pessoas, e aumente a sua educação, a sua capacidade de funcionar (para usar conceitos simples); é uma globalização que implica enfrentar as dificuldades que ali estão. E a primeira delas é de facto aquilo que chamo a ameaça ontológica da crise ambiental. Ou seja, há de facto uma crise ambiental, as alterações climáticas é, se quisermos, o ex libris, é a ponta do icebergue, mas é mais do que isso. E nenhuma política esclarecida hoje, nenhum país, nenhum político, nenhum partido pode liderar o seu país, a sua cidade ou o planeta, se não for capaz de colocar estes temas no topo da agenda.
Um líder que diga: eu não considero as questões das alterações climáticas como relevantes, não é um líder mundial, pode ter muita força, mas não é um líder mundial.
Por outro lado, há outros aspectos que me parecem muito importantes: a questão tecnológica, aqui há vinte anos atrás, um grande autor alemão, Ulrich Beck escreveu uma obra que aliás saiu na altura do acidente nuclear de Chernobyl, a Sociedade de Risco, “Risikogesellschaft”, que é uma obra de referência ainda hoje, justamente mostrando como é que um dos aspectos fundamentais que a mundialização tem que enfrentar, é justamente o problema do risco tecnológico, não é só das centrais nucleares, também evidentemente, mas há outras formas de risco tecnológico relacionado por exemplo com questões como as nanotecnologias, como as biotecnologias, que tem que ser enfrentado, não é recusar esse tipo de tecnologia, é perceber que elas têm dentro de si, possibilidade negativas que têm que ser prevenidas, sob pena depois de serem apenas remediadas.
Por outro lado também, outro aspecto muito importante o défice do sistema de governação global. O que é que significa isto? Significa que estamos a viver uma globalização extremamente dinâmica, mas com instituições ou que não existem ou que são apenas, digamos assim, sombras, ruínas vivas do sistema de Bretton Woods, o sistema de Bretton Woods de onde surgiu o Banco Mundial, o fundo Monetário Internacional, como sabemos, foi criado ainda durante a segunda guerra mundial nos EUA, em Bretton Woods de 44, ainda a guerra ia durar mais um ano, a guerra termina no pacífico em Setembro de 45, e faziam parte de um pacote, digamos assim, de instituições de governação mundial, a principal das quais são as Nações Unidas, que o Presidente Delano Roosevelt e a sua equipa tinham para o pós-guerra.
E é muito curioso verificar que nós continuamos, de certa foram, a dizer desta herança, o que é que conseguimos criar depois disso? O G8? O G7 +1? É comparar o Bretton Woods com o G8 por exemplo, é comparar um sistema planeado com uma coisa feita na oficina da nossa casa.
Ou seja, precisamos de inovação institucional.
Depois, há um dado novo que é justamente down sizing da hegemonia norte-americana, é um dado novo, temos que compreender efectivamente que duas administrações Bush não vão ser revolvidas com um novo Presidente americano, ou seja, os estragos que o Bush e a sua equipa causaram à América e aos aliados da América, vão durar décadas. Os EUA estão a transformar-se numa potência regional poderosa, não numa hiperpotência. Isto é um dado novo, quem quiser política externa num pequeno país como Portugal, tem que perceber que os EUA já não são o que eram. E dificilmente voltarão a ser o que eram. A história é muito dura, não permite remakes, não há remakes na história, não há sequelas. Mediocridade das lideranças políticas, é um facto. Hoje em dia, e por isso é que esta universidade é uma coisa muito positiva porque é importante atrair pessoas para o serviço público, para a actividade política. Hoje em dia de facto a actividade política afasta muito as pessoas, por um conjunto de razões, aqui poderia ser o tema de um outro curso ou de uma outra conferência numa próxima edição da universidade.
E no fundo o resultado disto é como, dizia o prof. Adriano Moreira, anarquia madura do sistema internacional. Portanto, existem dificuldades incontornáveis quando falamos na questão da globalização.
E por isso para terminar, há lugar para políticas públicas no processo de globalização?
Para quem teve a paciência de me ouvir até agora, sabe que esta pergunta agora é retórica, porque evidentemente a resposta só pode ser sim. Depois de tudo aquilo que fui dizendo.
Nesta parte final vou apenas, como tenho feito até aqui, lançar alguns telegramas que depois poderão ser desenvolvidos no nosso debate. Uma primeira ideia é justamente a de que, citando o Mark Twain que desmentia no jornal a notícia da sua morte, o Estado-Nação não morreu, aqui há dez anos um gestor Japonês que eu também cito aí Keniche Omae, que sigo também na bibliografia, escreveu um livro muito badalado sobre o fim do Estado-Nação. Enfim, o Estado-Nação de facto não morreu, o Estado-Nação continua a ser para muitas pessoas no mundo o único sítio onde se exerce a cidadania, mesmo na nossa União Europeia, efectivamente a cidadania plena só existe no Estado-Nação, ou seja, a cidadania europeia é ainda uma coisa que está a ser construída, e portanto, a navegação da globalização tem que ser feita não só a contar com o Estado-Nação mas dentro dos estados-nação. Não exclusivamente, evidentemente, mas a partir deles também.
Por outro lado, um outro aspecto muito importante, a normatividade, a regulamentação política é indispensável, e aqui reparem que a regulamentação política pode assumir muitos rostos. Quando houve aquela crise de 98, a crise asiática que lançou no desemprego milhões de pessoas e causou imenso sofrimento a muita gente, personalidades como o Stiglitz, ou personalidades como o Georges Soros chegaram a propor, o Stiglitz muito moderadamente propôs um conjunto de reformas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, mas por exemplo o Soros que é sempre uma figura com ideias muito ousadas, às vezes talvez um pouco ousadas em demasia, no sentido em que não têm raiz para se fixarem na terra, mas propunha a transformação do Fundo Monetário Internacional que é aquela coisa que funciona tão bem ou tão mal como sabemos, numa espécie de Banco Central Mundial. Bom, isto ousado é, ousado é, isto significa no fundo a ideia e é curioso porque é de uma pessoa que tem no seu cartão de visita especulador financeiro, não há muita gente que ponha sua actividade profissional especulador financeiro, ou seja, até um especulador financeiro diz que são precisas regras.
Portanto, a regulamentação política passa por coisas deste género também, evidentemente passa por directivas, regulamentos no caso da União Europeia, no caso de outras organizações internacionais; passa pelos estados-nação, sem dúvida; mas passa também no plano das instituições internacionais.
Por outro lado, também, as metamorfoses do Estado. O que é que quero dizer com isto? Quero dizer que importa seguir com muita atenção os processos de inovação do próprio estado, de inovação da administração pública que estão a acontecer no mundo todo. Esta manhã o Eng. Carlos Pimenta falava, eu ouvi, aquela questão no fundo da auditoria energética das casas particulares que era feita sem a criação de um corpo de funcionários, é claramente um bom exemplo, mas os estados hoje estão por um lado a regionalizar-se e por outro lado a federar-se. Ou seja, há uma tendência muito grande para que o Estado-Nação, justamente para manter competências operacionais, seja capaz de repartir algumas das suas competências por níveis que estão abaixo de si, e que estão acima de si. A Europa é um campo de experiências, sempre que tenho ocasião de falar em ambientes não europeus, fico sempre surpreendido e ao mesmo tempo comovido por ver a forma como fora da Europa a experiência da União Europeia é seguida com tanta atenção, com tanto cuidado, com tanto entusiasmo, muito mais entusiasmo do que muitos europeus a seguem.
Por outro lado também, novas tarefas da cidadania e da sociedade civil. Penso que é um aspecto muito importante também, ou seja, a cidadania não pode ser apenas o exercício do direito de voto, há que participar mais no espaço público, há que participar mais nas organizações não governamentais, há que democratizar mais as instituições para que nos sintamos como cidadãos no seu seio também.
Por outro lado julgo também que é muito importante perceber a diferença que há dentro de sociedades com economia de mercado. É um aspecto muito curioso e geralmente muitas vezes no caso europeu, por exemplo, são as pessoas de fora, são as pessoas dos Estados Unidos ou da Grã-Bretanha, ou seja, fora deste núcleo continental europeu que chamam a atenção para a diversidade dos diferentes modelos de sociedade. Nós, na Europa temos claramente o modelo francês, temos o modelo alemão, uma economia social de mercado, temos a social democracia escandinava, que é um modelo tipicamente nítido e próprio, e nesse aspecto temos que aprender com essas tradições e temos que aprender os pequenos detalhes, temos que perceber que isto não é uma noite onde todos os gatos são pardos.
Fazendo a síntese, para o futuro eu daria, e como vos disse não vou apresentar nenhuma espécie de receita, as duas ressalvas que faria são as seguintes.
Apesar da diversidade e do futuro ser sempre uma carta fechada, e felizmente porque a nossa liberdade também está muito associada ao facto de que não termos a inteligência divina para adivinhar o futuro, eu diria que há todavia duas tendências muito fortes, ou seja, há dois cenários muito fortes em relação ao futuro.
Há um cenário que aponta para um primado de uma globalização que é feita através do mercado mais a segurança, ou seja, uma aposta numa espécie de homeostáse dos mercados, uma confiança ideológica que alguns chamam neo-liberal na economia de mercado, associada à ideia de um Estado com funções fundamentalmente militares, e repressivas. Surge a ideia de que o estado deve, no fundo voltar à sua origem fundamental que é, o monopólio da violência, o que significa que questões de política cultural, política social, política de saúde, etc., devem ser deixadas no fundo à sociedade civil, devem ser privatizadas.
E há uma outra possibilidade que aponta para, justamente o quê, para a importância da sustentabilidade, ou seja, para a importância de integrar na agenda da globalização todos aqueles itens que eu referi há pouco, nomeadamente aquelas aspectos de segurança ambiental, de sustentabilidade e, que portanto, pelo contrário, o que propõem não é o amolecimento ou digamos a redução do Estado a um escudo e um gládio armados, mas uma reinvenção do Estado, das competências do Estado, das funções do Estado e sobretudo das formas de cooperação entre o Estado, a sociedade civil, as diferentes práticas de soberania.
Escusado será dizer que eu sou, evidentemente um forte partidário da segunda via, isto é, um primado da política e da sustentabilidade.
E por isso mesmo, dir-vos-ia que um conceito essencial que está hoje bastante esquecido é justamente o conceito do federalismo. Isto é, o federalismo no fundo é uma velha tradição histórica da Europa, do ocidente, do ocidente alargado que começou provavelmente nas cidades gregas da antiguidade, mas que teve na revolução americana de 1776 e depois da primeira Constituição Americana, o seu grande surto, e é uma fonte de inspiração.
Ou seja, se queremos unir os povos e os Estados, a tradição do federalismo deve ser uma tradição à qual nós vamos beber a nossa inspiração. E há um federalismo europeu, diferente do federalismo americano, mas julgo que se alguma vez os Estados Unidos e a Europa se voltarem a aproximar, como seria meu desejo, sem dúvida que a tradição mútua do federalismo será um dos vectores fundamentais dessa aproximação.
E nessa medida nós temos uma grande responsabilidade como membros da União Europeia, que é a de não deixar afundar a União Europeia no lodo, na estagnação.
É preciso retomar a dinâmica da União Europeia, nomeadamente a dinâmica política, a dinâmica constitucional, que foi perdida como todos sabemos há quase dois anos.
E, finalmente para terminar deixava-vos a reflexão de um grande presidente norte-americano, um homem que foi eleito 4 vezes, o Franklin Delano Roosevelt, governou os Estados Unidos entre 33 e 45, ele morreu no início do seu quarto mandato, como sabemos depois foi aprovada pelo congresso, por causa dele também, um aditamento, uma emenda que felizmente limita os mandatos presidenciais a dois, mas o Presidente Delano Roosevelt foi um homem extraordinário, porque a partir de uma cadeira de rodas, ele sofria de uma doença incapacitante, governou os Estados Unidos e não só os Estados Unidos, ele governou de certa forma o mundo numa fase dramática da história da humanidade, a grande depressão, as consequências da grande depressão, a segunda guerra mundial, ele aliás morreu ainda antes do final da guerra mundial, morreu em Abril de 45.
E é muito curioso, estes documentos estão todos acessíveis na net, podem digitarem no google, first ou second inaugural address, e podem ver a mudança de postura do Presidente Roosevelt em relação às questões internacionais.
Ou seja, este texto é o texto de alguém que tinha acabado, é um texto lido em Janeiro de 45, no final da guerra, no ano das Nações Unidas, de alguém que tinha assumido claramente a tese de que já não era possível isolacionismo, que já não era possível proteccionismo económico, proteccionismo militar, que já não era possível, como ele dizia: Temos que ser homens, não podemos ser ostras. Ostras. Não nos podemos fechar sobre a nossa casca. É um texto muito bonito, “nós aprendemos que não podemos viver sozinhos em paz, que o nosso bem-estar está dependente do bem-estar de outras nações, muito longe”, e depois bem forte “nós aprendemos a ser cidadãos do mundo, membros da comunidade humana”, curiosamente e para terminar, diria que o Presidente Roosevelt, sabemos hoje, os documentos pessoais do Presidente Roosevelt foram tornados públicos acerca de 10 anos, nomeadamente um livro da secretária particular dele que foi publicado em 95, e ficámos a saber uma coisa notável, este homem tinha, apesar das suas limitações físicas, tinha um projecto que era o projecto de se tornar Secretário-Geral das Nações Unidas. Ou seja, ele tinha criado a ONU e pretendia desempenhar funções executivas na ONU, e imaginem onde é que ele pensava sedear a sede da Secretaria-Geral das Nações Unidas? Em 1919, antes de ter sido atingido pela doença que o tinha tornado paraplégico, Roosevelt tinha visitado os Açores, e tinha visitado o grupo central, o Pico e o Faial, e tinha ficado encantado com a Cidade da Horta, na ilha do Faial, e há documentos escritos pela sua mão dizendo que, a única forma de termos um Secretário-Geral da ONU, independente e colocá-lo no meio do mundo, e os Açores são o meio do mundo, e é uma cidade chamada Horta que penso que está muito adequada para essa função. Isto era no tempo em que tínhamos Presidentes americanos que sabiam o que era o mundo e que não tinham receio de tentar dar o seu contributo para que ele funcionasse melhor.
Muito obrigado pela vossa atenção.
Dep. Carlos Coelho
Vou passar às questões: a primeira é do Grupo Bege, Inês Rocheta Cassiano.
Inês Rocheta Cassiano
Muito boa tarde a todos. Sr. Prof. Como representante do Grupo Bege gostaria de lhe colocar a seguinte questão: centrando-me mais em economia interna e sendo Portugal um país pequeno e vivendo nós numa era de globalização económica, como será possível manter os centros de decisão das empresas em território nacional?
Prof.Dr.Viriato Soromenho Marques
É daquelas perguntas que é mais fácil formulá-la do que dar a resposta, porque é, evidentemente, uma muito boa pergunta.
Diria que é muito importante que as nossas empresas de todos os sectores, nomeadamente do sector financeiro, se internacionalizem. Penso que mais importante para considerarmos que existe alguma margem de manobra, em relação ao nosso sector económico e financeiro, mais importante do que ter sedes sociais num país ou noutro, é ser capaz de participar em estratégias de desenvolvimento e de investimento que contemplem o país.
Nesse aspecto, julgo que o mais importante é termos na direcção de grupos económicos internacionais, de empresas multinacionais, pessoas capazes, competentes e termos também o país em condições de se tornar atractivo para operações de investimento e desenvolvimento por parte destas empresas e dessas entidades.
Penso que isso é mais importante do que os manifestos nacionalistas de empresários, porque isso tem de facto um cheiro de muito forte proteccionismo que, como vimos no caso dos anos 30, foi desastroso. Na verdade, o proteccionismo teve consequência desastrosas para a economia dos diferentes países que entraram numa guerra comercial.
Maria Alexandra Teixeira
Antes de mais boa tarde a todos.
Quando falamos da globalização, falamos da interdependência de todos os povos e países, falamos da dita aldeia global que veio permitir a livre circulação de bens, serviços e pessoas, como sabemos. No entanto, esta interdependência veio aumentar a insegurança internacional, como é o caso do terrorismo, tráfico, entre outros; por outro lado, aumentou a competitividade mundial. Mas será esta competitividade real, justa? Não o é. Seria também urgente a intervenção da organização Internacional de Trabalho no que diz respeito às violações dos direitos humanos e dos direitos laborais, que são nefastos para a economia mundial.
A nossa questão é: como sustentar o processo de globalização da economia, sem, acelerar a onda de desemprego, e sobretudo como consequência da evidente discrepância civilizacional que geram evidentes concorrências desleais?
Obrigado.
Prof.Dr.Viriato Soromenho Marques
Muito obrigado,
Mais uma pergunta muito interessante, que agradeço. Diria talvez duas coisas apenas sobre isso, podendo evidentemente encontrar outros contributos para essa resposta. Em primeiro lugar, em relação à questão do comércio justo, não há apenas um comércio livre mas um comércio que seja justo, aliás a última obra do Stiglitz é muito interessante intitulando-se Fair Trade e não Free trade. Passa muito pela capacidade, não de ostracizar organizações como por exemplo a Organização Mundial de Comércio, que é sempre o mau da fita dos movimentos anti-globalização. Penso que o mais importante é justamente o da articulação das regras do comércio com outras instituições e outras agências internacionais, que tratam nomeadamente de direitos de trabalho, como foi referido a questão da OIT, ou com as organizações que têm a ver no fundo com o ambiente e com a protecção do ambiente.
Portanto, o que está aqui em causa não é disparar tiros ideológicos contra por exemplo a Organização Mundial de Comércio, porque apesar de tudo a Organização Mundial de Comércio permite algum tipo de relação, mas sim perguntar-nos porque é que não existe uma articulação institucional dessa organização com as regras e constratar nas área laborais e nas áreas ambientais.
Ou seja, no fundo a primeira resposta à sua pergunta, passa pela questão fundamental da articulação dos diversos instrumentos de regulamentação.
Aliás, é muito curioso porque as organizações do ambiente e do trabalho pertencem ao sistema das Nações Unidas, a OMC é uma entidade que tem uma enorme autonomia.
Portanto, seria muito importante que no quadro da reforma, tantas vezes falada das Nações Unidas, fosse possível tornar a OMC uma organização mais imbricada com as agências da ONU que tratam das questões que poderiam transformar o comércio, não só em comércio livre, mas também num comércio mais justo.
Outros aspectos que referiu, nomeadamente no que diz respeito à circulação dos fluxos financeiros, aí posso apenas recordar aquilo que outras pessoas, com muito mais conhecimento de causa, têm dito e têm defendido. Por exemplo, não tem muito sentido se queremos que a circulação de capitais seja uma circulação que seja transparente, manter paraísos fiscais onde se fazem lavagens de dinheiro. Não tem muito sentido um país apoiar o combate à cultura do ópio num outro país, e ao mesmo tempo defender com unhas e dentes a possibilidade de lavar o dinheiro que é proveniente da venda do ópio no mercado mundial, em paraísos fiscais, por exemplo.
Há aqui uma questão de coerência, que me parece verdadeiramente fundamental.
Por outro lado, também o aspecto que referiu, pensando contra nós próprios, isto é, tentando perceber como é que em muitos países mais desenvolvidos, a questão da globalização é entendida, por exemplo, por um movimento sindical. A deslocalização empresarial é claramente um factor que afecta e que atinge a segurança no trabalho em países desenvolvidos. Todos sabemos disso, pois é um dado e uma realidade. Agora, a questão essencial é um pouco esta, que resposta é que podemos dar a isto? Há 100 anos nós tínhamos o mercado mundial, na fase daquela globalização que terminou na guerra de 14-18, nós tínhamos uma divisão de trabalho que era uma divisão de trabalho do império colonial, e aí as pessoas não se queixaram, ou seja, enquanto nós éramos os globalizadores não nos queixávamos, agora que passámos a ser os globalizados, já nos queixamos. Não nos livramos, digamos assim, duma coisa fundamental, que é de representar a divisão internacional do trabalho e isto é um aspecto muitíssimo importante. Quando se fala na necessidade de especialização dos países, então países mais pequenos como é o caso de Portugal, um país de média dimensão, especializar de certa forma a sua economia, tem muito a ver com isto, ou seja, no fundo, escolher zonas de actividade económica, nichos de mercado, que resistam à competição internacional. Porquê? Porque aqui podemos fazer melhor. Isto envolve outras questões.
Deixe-me só pôr uma dificuldade, a dificuldade da agricultura. A agricultura é um tema, enfim, quentíssimo, como sabemos. Estados Unidos, União Europeia e Japão, subsidiam com o equivalente a três ou quatro vezes o PIB nacional, os seus agricultores, e os agricultores do ponto de vista demográfico e do ponto de vista do PIB representam muito pouco.
No entanto, é preciso não esquecer que a agricultura tem um valor estratégico muito importante. Nós, enfim, somos um país que está em paz há muito tempo mas qualquer alemão ou qualquer inglês que tenha passado pela segunda guerra mundial sabe o que é um país ficar sem acesso ao mercado mundial de produtos agrícolas.
Por isso, ninguém julgue que alguma vez a agricultura poderá ser submetida a regras de free trade. Podemos negociar sector por sector, devemos negociar, até porque isso é muito importante para permitir o desenvolvimento de países em vias de desenvolvimento, mas há factores que não são factores de mercado, são factores de natureza estratégica e que devem ser considerados.
Dep. Carlos Coelho
Se o Nataniel me permite, só dar aqui uma dica que achei curioso. Nós começámos a nossa Universidade de Verão com o ambiente, que é talvez sob o ponto de vista das ameaças como vimos, uma das expressões mais eloquentes da globalização, tudo o que acontece numa parte do globo tem consequências na outra. Vimos agora o prof. Viriato Soromenho Marques nas respostas públicas à globalização, falar na regulação mundial, a propósito da OMC, e na necessidade da reforma da ONU, e curiosamente hoje à noite vamos ter connosco a prof. Mónica Ferro que é uma das pessoas que em Portugal mais sabe sobre a reforma da ONU. Isto lembra aquela metáfora das cerejas, de que no conhecimento e no saber, de facto, tudo está ligado e não deixa de ser curioso que a propósito da globalização tínhamos já um primeiro aperçu, de uma parte do debate que podemos ter hoje à noite com a prof. Mónica Ferro.
Nataniel.
Boa tarde, partindo dos conselhos que o prof. acabou de definir como cidadania, identidade, integração, política económica e também um bocadinho da visão de Sitglitz, a questão que queremos colocar é uma questão que tem três itens: o primeiro item é, se os partidos políticos que temos hoje em dia a nível mundial quer a nível interno, por exemplo, no nosso caso em Portugal, estão preparados para os novos desafios e exigências do futuro próximo?
A segunda questão ou a segunda parte da nossa pergunta era, se é necessário repensar os partidos, é necessário criar partidos globais, internacionais, mundiais? Como é que o sr. prof. acha que isto se deve processar?
E, por último, qual o papel dos partidos políticos na manutenção da identidade nacional ou de um povo e em contrapartida, qual o papel dos políticos na integração na comunidade mundial? Muito obrigado.
Prof.Dr.Viriato Soromenho Marques
Bem, é um triangulo muito, muito ambicioso. Vou tentar de forma telegráfica, pedindo desculpa evidentemente por tudo aquilo que vou ter de deixar de falar.
Primeira questão, sobre os partidos políticos, reparem num detalhe: a democracia moderna, ou seja, aquela democracia que não é a democracia de Atenas, mas sim a democracia da Revolução Americana, da Revolução Francesa, começou sem partidos políticos o que é um aspecto muito interessante. A Constituição Americana de 1781, não faz menção a partidos políticos. Os partidos políticos modernos, nomeadamente o Partido Federalista e depois o Partido Democrata Republicano, começam a ser criados nos Estados Unidos no final do século XVIII, em torno, justamente de John Adams e de Jefferson. Esses na altura é que estavam fundidos e eram comités eleitorais.
Portanto, a ideia prístina da democracia segundo a qual o cidadão e a cidadã são aqueles que estão no espaço público em igualdade de circunstância e a ideia de que todos nós, pelas nossas capacidades, podemos desempenhar serviço público, ter cargos públicos, é recente, tanto mais que a democracia começou sobre um signo da humildade e da pobreza. Ser membro dum parlamento, ser membro do congresso americano no final do século XVIII, ser presidente dos Estados Unidos, era uma grande despesa. Porquê? Porque realmente as pessoas iam perder muito dinheiro, porque iam deixar de desenvolver as actividades económicas e era considerado como um serviço, no sentido mais nobre do termo.
Portanto, os partidos surgiram para satisfazer uma necessidade fundamental: em sociedades com dezenas de milhares, com milhões de cidadãos eleitores, não é possível estarmos todos reunidos em Ágoras. Ou seja, a Ágora ateniense já no tempo do Péricles era um ficção, porque existiam 40 mil cidadãos em Atenas o que tornaria indispensável pelo menos microfones ou coisa do género que os gregos não tinham.
Os partidos políticos são, se quisermos, uma espécie de resultado da engenharia política, é um problema que tínhamos que resolver e então criou-se um instrumento, uma tecnologia chamada partido político.
Evidentemente que as tecnologias mudam consoante o tempo, e penso que este é um momento muito importante para os partidos que queiram primeiro sobreviver; segundo, prestar um bom serviço, para se reinventarem, e julgo que justamente uma das formas da sua re-invenção passa por enfrentar a agenda que preocupa as pessoas. E a agenda não é só o que preocupa as pessoas, a agenda é também o que deveria preocupar as pessoas. Sabem qual é a diferença das duas coisas? É que nem sempre aquilo que está na agenda é aquilo que devia estar. Mas reparem, na agenda política há aqui um aspecto muito importante, é que quando discutimos politicamente as coisas estamos todos num mesmo plano, estamos todos no plano da opinião, por muito importante, ou por muita preparação científica que uma pessoa tenha num determinado nível, a partir do momento em que estou nesta sala convosco, estamos a discutir num plano de igual para igual, e os argumentos é que contam, não há aqui nenhum argumento de autoridade, não deveria existir argumentos de autoridade, por isso é que há tantos colegas meus que têm dificuldade em vir a estas coisas. Porque estão habituados a comunicações do tipo vertical.
Ora bem, na Ágora, no espaço público todos nós comunicamos, à partida cada tese é uma opinião, depois prevalecem as opiniões com melhores argumentos.
Um dos problemas que os partidos têm que enfrentar é a qualificação do debate político. Ou seja, olhar para os Estados Unidos e dizer assim: por esse caminho não podemos ir. Não sei se todos vós viram na televisão o debate que houve entre candidatos agora em 2004. Aquilo é a morte da democracia. Não é possível discutir na televisão, por exemplo, nenhuma ideia substantiva. Este conceito de globalização, crise do ambiente, não é discutível. Sei que há aqui pessoas ligadas à comunicação, ora todos sabemos que o meio é a mensagem, uma tese que o Marshall Mac Luhan nos ensinou há mais de trinta anos, e que temos que encontrar formas de comunicação e a internet está a ser um instrumento muito importante, que permite o quê? Que permite que o cidadão seja capaz de discutir ideias complexas.
Porque reparem, nunca tivemos uma cidadania tão bem preparada do ponto de vista académico, no século XVIII as pessoas tinham uma formação mínima, a maior parte das pessoas não sabiam ler nem escrever, mas discutia-se, os textos eram lidos, quem sabia ler lia os textos. Estou a recordar-me das descrições da revolução americana em que por exemplo os textos do Thom Pain eram lidos no Massachusetts por um indivíduo que reunia à sua volta 20 ou 30 pessoas e ele lia os textos dele, e a partir daí discutia-se.
Temos que encontrar forma para que seja possível discussão deste género, não apenas em universidades como esta.
Penso que estou a responder um bocadinho à questão de repensar os partidos.
Deixem-me só acrescentar uma outra coisa muito importante, eu sou o mais velho aqui, olho para o Carlos Coelho mas ele é muito mais novo do que eu, então não tenho aqui nenhuns aliados etários, mas enfim, eu faço parte de uma geração que aprendeu, digamos assim, num conjunto de cartilhas políticas que consideravam que o que era interessante era tornar a política numa verdadeira ciência.
O Marxismo ou aquelas versões do marxismo, porque penso que o Marxismo tem que ser descoberto e redescoberto, porque o que o Marx e a Rosa Luxemburgo escreveram já não é lido nem por aqueles que por eles aclamam, terminou com a revolução russa. É a tese que há bocadinho vos quis dizer: o que apareceu ali foi outra coisa qualquer, foi o estalinismo, o maoismo, não foi o marxismo, mas muitas pessoas aproximaram-se do marxismo por volta dos anos 70, porque o marxismo transmitia às pessoas um bocado aquela ideia de que a política é também alguma coisa onde nós podemos ter certezas, como nas ciências duras.
Ora bem, o que acontece é que nós hoje nem sequer nas ciências duras temos certezas. E a primeira coisa para a reinvenção dos partidos políticos é os partidos perceberem que não há certezas e que uma coisa fundamental que é a tarefa dos partidos é produzirem bons líderes.
Ou seja, um serviço fundamental que um partido presta a um país é produzir líderes, o líder é a coisa mais difícil que há. O líder competente, com uma forte ética pública, com capacidade de serviço, é uma coisa raríssima, por isso é que há tão poucos.
Portanto, esta é uma vocação fundamental de um partido político, é a capacidade de criar líderes que ultrapassem, digamos, o espaço limitado do partido. E isso só é possível se tivermos da política um visão livre, e não um visão necessitarista. Se percebermos que a política é uma construção colectiva que implica o tal debate horizontal dos argumentos.
Identidade nacional e partidos. Bom, a identidade nacional é um bocadinho como as relações amorosas, ou seja, só descobrimos quem somos quando nos abrimos para os outros. Qualquer pessoa e vocês estão numa boa idade para isso, começa a conhecer-se melhor na altura em que começa a abrir-se aos outros e, realmente, no domínio erótico das relações amorosas, isso é um factor de crescimento fundamental.
A identidade nacional não é muito diferente disso, ou seja, a identidade nacional na maior parte dos casos é uma ficção e quando manipulada pelos partidos nacionalistas, é perigosa e, como dizia o Nietzsche, é uma espécie de álcool, mas álcool daqueles falsificados, é uma bebida perigosa, uma espécie de embriaguês, de doença, o Nietzsche falava numa europäische krankheit, uma doença europeia.
Agora, justamente só no dialogo com os outros, por exemplo, nunca houve como hoje tanta compreensão da diversidade que é a Europa como na União Europeia, nunca se fez tanto pelas línguas regionais. Vejam, por exemplo, a Espanha aqui ao lado: o Galego, o Catalão, o euskara, línguas que estavam esmagadas pelo franquismo. Hoje em dia uma pessoa vai a Barcelona e sente-se um bocadinho mal porque eles só falam de facto em catalão.
Mas isso é possível apenas porque há uma coisa chamada União Europeia. Ou seja, cada um conhece-se melhor porque tem o outro, com quem dialoga, e nesse aspecto a única forma de proteger a identidade é não protegendo, ou seja, é dialogando com os outros, é aprendendo línguas estrangeiras, e conhecer melhor a sua história.
Costumo dizer isto às vezes a alguns alunos meus quando estou a trabalhar no período do século XIX: os melhores textos sobre as viagens dos naturalistas portugueses do século XVIII e XIX no Império foram escritas em língua inglesa por professores americanos que estudaram isso.
Ou seja, no fundo, a identidade nacional é sobretudo o quê? É sobretudo gostar-se do país e do povo a que pertencermos, e gostamos tanto desse povo e desse país que não queremos só para nós, queremos partilhá-lo.
Marco Gonçalves
Boa tarde, desde já gostaria de agradecer a presença do Dr. Viriato Marques. A pergunta à qual o nosso grupo gostaria de obter a resposta é a seguinte: em que medida é que o défice na mobilidade dos quadros altamente qualificado, é um factor limitante à competitividade das empresas e da Europa?
Prof.Dr.Viriato Soromenho Marques
Essa é uma pergunta muito pertinente, aliás, de certa forma já imbuída em coisas que aqui abordámos quer na minha intervenção quer também na conversa posterior. Diria que a sua pergunta vem um pouco na continuação do argumento que eu estava a desenvolver há pouco: o argumento de que uma das coisas muito importantes em que a União Europeia poderá muito brevemente tornar-se é justamente numa escala mais adequada para a gestão de recursos humanos europeus.
Isto é, vimos uma coisa muito importante que é a de que apesar do mercado interno, que é um processo que não terminou ainda, a mobilidade das pessoas é incomparavelmente inferior do que, por exemplo, nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, não sei como é que as coisas estão, mas nos anos 90 segui essa informação estatística, qualquer coisa como 1,8%, quase 2% dos americanos mudavam de estado em cada ano que passava.
Ora bem, nós não temos 2% da população europeia, a mudar de Estado, de modo nenhum, por isso me parece que, independentemente de aspectos polémicos - toda a gente sabe que há uma grande discussão em torno do processo de Bolonha -, iniciativas como Bolonha e outras iniciativas podem ser muito interessantes no sentido de permitir, e não só para quadros altamente qualificados, no fundo para o cidadão comum encontrar oportunidades, de emprego. No fundo fazer uma alocação, se quisermos, de recursos humanos mais adequada às necessidades sentidas no conjunto da Europa. Porque é que há tanta dificuldade de locomoção e circulação na Europa? Penso que tem a ver com o factor linguístico. Ou seja: são muito importantes as competências linguísticas, e nesse aspecto nós portugueses não temos nenhuma razão de queixa, porque temos manifestamente grandes capacidades neste domínio. Penso que o nosso de ensino devia ser apurado ainda mais, no sentido de permitir que na formação geral do cidadão português o conhecimento de pelo menos das línguas europeias, evidentemente uma o inglês, obviamente o latim moderno é uma obrigação, mas uma outra língua, o francês, o alemão, fossem condição sine qua non.
Adriana Neves
Boa tarde. A nossa pergunta é: a globalização caminha para um mundo cada vez mais equilibrado socialmente ou será isto uma utopia?
Prof.Dr.Viriato Soromenho Marques
De certa forma a vossa pergunta é um comentário a tudo aquilo que referi que na minha intervenção.
Em primeiro lugar, penso que a globalização é essencialmente um processo e o que eu tentei de alguma forma, correndo sempre o risco, apesar de ter ultrapassado os 30 minutos, de atropelar um pouco a informação, mas transmitir, a mensagem principal foi um pouco esta: há um conjunto, se quisermos, de dados objectivos na globalização enquanto processo.
E, todos nós, só na base da compreensão desses dados objectivos é que podemos transformar a globalização num destino, que são coisas diferentes.
Ou seja, temos que compreender a mecânica da globalização, os pontos fortes, os pontos fracos, as zonas de crise, as zonas de atrito, as potencialidades para podermos transformar a globalização um processo manejável, navegável, e num destino, digamos assim.
Aquilo que nós poderemos desejar para a globalização, se me permitem, quase tipo ever last words, é o seguinte: é que sejamos capazes de construir uma sociedade planetária, não é um Estado Mundial, não é uma monarquia universal como se falava no início da idade moderna, no final da idade Média; é numa sociedade planetária, com sistemas de governação global, com sistemas de cidadania em múltiplos layers, em múltiplas camadas, como temos na Europa em que por exemplo um cidadão alemão é cidadão do seu Estado, é cidadão da federação alemã, é cidadão europeu, enfim, dentro daquelas migalhinhas em que se pode ser cidadão europeu, e no fundo, para isso é preciso ter em consideração os dois aspectos que para mim são mais críticos.
O primeiro, é a capacidade de manter a integridade ontológica do planeta, ou seja, a capacidade de garantir que este frágil planeta é suficientemente bem tratado pela espécie humana de modo a que os nossos filhos e netos e bisnetos possam continuar a viver nele, com mais dignidade e com mais condições do que nós próprios, já não digo apenas as mesmas.
E segunda questão, é a violência, ou seja, a organização da paz.
São duas questões fundamentais, ou seja, a casa o ambiente, o oiko, e a questão da paz. São duas questões fundamentais, e reparem que a economia entra aí, sem dúvida, mas entra como vos disse há pouco como um motor, mas um motor que precisa de ser guiado, precisa der dirigido.
Ivo Santos
Boa tarde. A globalização, tal como referenciou na sua intervenção, não é um fenómeno único mas múltiplo, que envolve aspectos tecnológicos, comunica- cionais, biológicos e estruturais, e não estritamente económicos.
Disse também que a globalização é inequivocamente uma realidade histórica, com riscos mas também com oportunidades e que cabe a nós encará-la com realismo e determinação para que Portugal no plano internacional consiga sair engrandecido e não fracassado como nação.
Neste sentido, a nossa questão e face ao processo de globalização e sobretudo com o último alargamento da União Europeia, como deverá Portugal encarar este processo face aos nossos problemas estruturais?
Prof.Dr.Viriato Soromenho Marques
Gostei muito da pergunta, aliás tenho gostado de todas elas. Aqui vou retomar a parte final da minha intervenção, ou seja, a questão do federalismo. Julgo que para um país como Portugal, mas para o conjunto da união, mesmo para um país como a Alemanha ou um país como a Itália, ou um país como a Finlândia ou como a Suécia, países dentro do Euro e fora do Euro, o federalismo oferece-lhes o caminho mais seguro, mais seguro para o sucesso em termos das nossas vidas como indivíduos, mas também em termos das narrativas colectivas que são as nações. E as nações o que é que são? No fundo, são histórias colectivas.
E em que sentido? No sentido em que o federalismo comporta dispositivos de natureza política que aumentam os mecanismos da democracia representativa, permitem a extensão dos mecanismos de democracia representativa que, portanto, aumentam a legitimidade que só a cidadania e a participação cidadã permitem. Mas o federalismo tem também uma componente importante, que é uma componente económica, orçamental que de modo nenhum é comparável ao actual sistema dos quadros comunitários de apoio.
Ou seja, quando por exemplo, recentemente o actual Presidente da Comissão e que vai ser orador também nesta universidade, referia que era lamentável que não existisse uma política energética da união, e quando pessoas nesta Comissão Barroso falam na importância de pensar a estratégia de Lisboa como sendo a criação de uma estratégia económica europeia, o grande problema no fundo é que competências comuns europeias na área da economia – da economia não no sentido da circulação de capitais, mas da produção de riqueza e da energia -, só são configuradas num espaço e numa estrutura política onde a relação entre estados-membros e união seja diferente.
E onde, entre outras coisas, o orçamento e a legitimidade, e a representatividade do poder executivo da União seja muito mais forte.
A experiência que nós temos é de que, mesmo em sistemas federais, enfim, que não são muito musculados, ter um orçamento comum de 1% do PIB é uma ridicularia, ou seja, se formos capazes de criar uma união que política e economicamente se robusteça, que tenha um orçamento comum de 2-3% do PIB, a Europa pode fazer coisas maravilhosas, e sobretudo pode fazer coisas maravilhosas dentro de si própria, no sentido de desenvolvimento de regiões periféricas, e no sentido de criar uma ligação muito mais intima de cada um de nós como europeus.
Mas uma pequena nota: há uma instituição que é o Tribunal de Justiça que tem um papel importantíssimo. E nós vemos no caso português, situações em que muitos cidadãos portugueses se sentem europeus a partir do momento em que percebem que podem recorrer a instituições judiciais europeias.
Tenho escrito e defendido que devíamos aprender com os americanos uma coisa muito boa, que foi justamente a criação que eles fizeram desde o início do federalismo americanos, de um duplo sistema judicial. Ou seja, há os tribunais estaduais e há os tribunais federais. No fundo aproximar mais a justiça europeia do cidadão europeu, seria uma forma de garantir a pertença. Porque no fundo as sociedades humanas e a política existe, entre outras coisas, por causa de uma coisa chamada justiça.
Lisete Rodrigues
Boa tarde. O grupo castanho gostaria em primeiro lugar de saudar o sr. prof. aqui pela sua intervenção. Estamos a assistir a uma re-divisão internacional do trabalho com dois grandes vencedores: por um lado, as regiões, sectores e empresas com forte inovação tecnológica e valor acrescentado, e por outro, no mundo em desenvolvimento regiões com grande disponibilidade de mão-de-obra, salários baixos como a Índia e a China, que apresentam um excepcional dinamismo económico. Perante este cenário, o Grupo Castanho gostaria de saber a opinião do Sr. Prof., sobre se estará o modelo europeu preparado para conseguir resistir à voracidade do tsunami da globalização?
Prof.Dr.Viriato Soromenho Marques
Muito obrigado pela pergunta, mais uma pergunta muito trabalhada, muito meditada, aliás, era o Dr. João dos Santos que escrevia no título de um livro, se não se sabe porque é que pergunta? Estas perguntas são tão boas que eu sei que todos sabem responder às perguntas que fazem.
No fundo não dou respostas, faço apenas comentários às perguntas.
Penso que ninguém, a ideia dos vencedores e dos vencidos da globalização, quando falamos com pessoas dos diversos países, se calhar não tenho falado certas, a impressão que tenho é justamente de que as nossas preocupações em Portugal ou na Europa, são partilhadas pelas pessoas da Índia ou da China. Tive o grande prazer e oportunidade de participar há dois meses atrás na Suécia, numa conferência em Telberg, sobre este tema da globalização em que estava gente de todo o mundo, gente de todas as áreas da vida, muitos chineses, participei aliás num grupo de trabalho com pessoas da China, das duas chinas aliás, e os medos da globalização, os receios na China são imensos, imensos, e motivados por questões tão simples quanto a compreensão, por exemplo, de que há um verdadeiro processo de desenraizamento.
Ou seja, o que está a acontecer na China hoje, é apenas semelhante àquilo que aconteceu no início do século XIX, final do século XVIII, na Grã-Bretanha com a Revolução Industrial, ou seja, é como se existisse um desenraizar, como se uma floresta fosse arrancada pelas raízes.
Encontrei pessoas perturbadíssimas, e estou a falar de pessoas que intervém, pessoas ligadas ao meios de comunicação, ligadas à economia, ligadas a empresas multinacionais, que dizem que há a crise da identidade. Por exemplo, o que é feito das nossas tradições, o que é feito da qualidade da água dos nossos rios, o que é feito da nossa agricultura. Portanto, há, penso, uma angústia muito grande, que é partilhada, tanto pelos países desenvolvidos, os tais que estão agora ser globalizados, como os países que se assumem, o caso da China e da Índia, como grandes actores da globalização.
Deixe-me que lhe diga uma coisa, julgo que das conversas e do que tenho lido sobre a China e a Índia, penso que são países que estarão dispostos, por razões até de natureza histórica e cultural, dispostos a participar num modelo mais regulamentar de globalização.
Isto é, são países que estarão dispostos a trocar por exemplo o fluxo de investimento externo, a trocar uma perda desse fluxo, por investimentos que respeitem mais, por exemplo, as tradições, o ambiente e a qualidade de vida. Aliás o chefe de Estado chinês aqui há menos de um ano numa conferência afirmava que era importante baixar o PIB da China. Eu não conheço mais nenhum país do mundo onde um Chefe de Estado tenha dito que era preciso, aliás, ele dizia precisamente, temos que baixar entre 2,5 a 3%. Alguém conhece mais alguém que tenha dito isto com ar sério e a dizer que temos que baixar.
Portanto, a consciência de que há uma espécie de corrida, race to the bottom, que sai fora do controle, não é sentida só nos países mais desenvolvidos.
Por outro lado, referiu as regiões mais inovadoras e os países com mão-de-obra mais barata. O que nós encontramos na Europa e o deputado Carlos Coelho poderá contestar-me se não concordar com isto, é que curiosamente as respostas mais interessantes a nível europeu, dado que como é sabido nós não temos ainda condições nem constitucionais, nem de governação para dar respostas europeias em conjunto, vêm não de países como a Grã-Bretanha e a Irlanda, que julgo que tiveram algum sucesso e que provavelmente terão mais sucesso e que só o tempo irá dizer até que ponto é sólido; curiosamente vêm de países que têm tradições de um Estado intervencionista bastante mais forte, ou seja, os países escandinavos. Nomeadamente a Finlândia que é um caso muito curioso, mas também a Suécia, a Dinamarca, para falar apenas destes três. A Noruega como sabemos é um caso completamente à parte. E não está.
Eu diria que, para terminar, apenas este comentário, que certamente não será por parte da China e da Índia que vamos encontrar obstáculos a uma globalização que pese melhor os investimentos e que encontre um quadro de requisitos e de regulamentos, mais adequado às preocupações comuns na área do social e na área do ambiente, não me parece que seja da China e Índia que venham essas dificuldades.
O que é, julgo eu, de recear, é este período de uma certa turbulência, que é o período em que vivemos, o tal da anarquia madura. Em que subitamente temos um país que tinha uma importância fundamental, que tem uma importância fundamental, de que todos nós precisamos bastante, que é os Estados Unidos da América, que prestavam um conjunto de serviços e que subitamente deixou d prestar esses serviços. E não temos nenhuma alternativa, ou seja, não temos uma hiperpotência, e não temos um directório ainda, vivemos num período em que realmente é preciso ter muito cuidado. Porque evidentemente ninguém esperava que o século XXI começasse com a administração mais incompetente da história dos Estados Unidos. Porque o problema do Bush e da sua equipa, não é um problema ideológico, é um problema de pura incompetência, eles não sabem o que estão a fazer.
João Veiga
Boa tarde, antes de mais gostaria de cumprimentar o Prof. Dr. Viriato Marques, e agradecer pela sua apresentação. Em representação do Grupo Amarelo eu gostaria de colocar a seguinte questão: na perspectiva da actual situação no Médio Oriente e das recorrentes intervenções dos Estados Unidos nesta região, considera que é adequado ou se devemos utilizar a democracia como um regime globalizador, ou tentar converter estes países cuja maturidade social se calhar não se coaduna com esta?
Prof.Dr.Viriato Soromenho Marques
Muito obrigada, mais uma pergunta muitíssimo interessante, estou a elogiar as perguntas não é para ser simpático convosco, é que são de facto perguntas muitíssimo importantes.
A primeira coisa que aconselho a quem fala de democracia é que analise bem se sabe do que está a falar. O conhecimento da democracia significa conhecer a história da democracia, ou seja, a democracia não é uma ideia platónica, que está no céu das ideias, aliás, uma das coisas que a história nos mostra é quando as ideias estão no céu ninguém se preocupa com elas, porque nós não vivemos no céu vivemos na terra.
Estamos a falar da democracia histórica, e uma das coisas básicas da democracia, é que as democracias só existem como fenómenos endógenos, ou seja, qualquer regime político para poder prosperar tem que ser sentido como necessidade pela comunidade que dele se serve e que para ele caminha.
Há um grande pensador norte americano que não é muito popular, porque era um homem do sul e um defensor do esclavagismo, mas que é um grande teórico, curiosamente daquela democracia agrária do sul dos Estados Unidos antes da guerra civil, que é John C. Cahoum, que morreu em 1850, tendo uma obra que vai agora sair com um estudo introdutório meu, chamado Uma disquisição sobre o governo, e ele dizia uma coisa que eu penso que ao ler esse texto lembrei-me da situação actual e sobretudo dos novos portadores da democracia. Dizia ele em 1845 que “quem julgar que pode exportar através da força das armas os melhores regimes, não está a exportar esses regimes, está a exportar a anarquia”. Isto foi escrito em 1845.
Portanto, um líder político, um país que faça da exportação da democracia, e ainda por cima humano-militar, é de facto uma coisa condenada ao insucesso.
Permita-me que toque no Médio Oriente, porque aliás falei há pouco no Médio Oriente e não desenvolvi muito. E penso que a questão fundamental do Médio Oriente é um pouco esta: é o conflito Israel/Palestina, Israelo-árabe ou não, a chave, para a paz no Médio Oriente, penso que continua a ser, embora menos hoje do que há quatro ou cinco anos.
Isto é, no final do mandato de Clinton, a questão de Israel e do Estado Palestiniano, era a questão do Médio-Oriente. Hoje com os erros que foram cometidos pela administração Bush, temos um outro problema suplementar que é o aparecimento de uma potência regional e hegemónica, o Irão, que não existia há quatro anos. Na verdade, a invasão do Iraque em 2003, não foi a continuação da guerra de 1991, foi a continuação da guerra de 1980.
Ou seja, a intervenção americana no Iraque teve como condão o seguinte: reescreveu o resultado da primeira guerra entre o Iraque do Saddam, e o Irão, que terminou com empate em 88 e que desta vez com a intervenção americana, totalmente desastrosa, terminou como se o Irão tivesse ganho a guerra. Portanto, isto é um problema suplementar, e como vimos agora nesta última guerra temos no fundo a instrumentalização da questão de Israel, Líbano, Palestina, desta vez por uma potência que tem todas as condições para se tornar uma potência hegemonia na região. Mas considero que efectivamente a questão de Israel é uma questão decisiva (…)
(..) há outras pessoas que têm ido no mesmo sentido, mas é uma tese que não é muito popular na Europa. Apesar disso, eu penso que devemos ter a coragem de apresentar as teses, mesmo que elas não sejam muito populares. E a tese é a seguinte: é que Israel é um problema essencialmente europeu. O estado de Israel existiu, foi criado devido ao facto de que nós, os europeus, não fomos capazes de aceitar dentro do seio das nações europeias, aqueles milhões de judeus que em todos os países onde estavam eram e faziam parte da elite mais criativa da sociedade europeia.
Vejam, por exemplo, o que era a cultura alemã antes de 33 e o que é hoje. É extraordinário, a falta daquele meio milhão de judeus que foram ou mortos, ou que foram expulsos, sente-se hoje na Alemanha de uma firma critica como se sente noutros países da Europa. Foi a intolerância europeia que forçou a criação do estado de Israel.
E nesse sentido, penso que os Estado Unidos podem dar a Israel armas, mas não podem dar uma casa. Ou seja, não podem dar um habitat. Por isso sou da opinião que União Europeia, na sua política de alargamento deveria ter em conta Israel e o Estado Palestiniano. E através dessa integração a Europa poderia estar a criar condições para uma paz efectiva naquela região. Infelizmente, se os norte-americanos tivessem condições para criar a paz naquela região já a teriam criado.
Evidentemente compreendo a razão porque está a ser efectuada a participação de tropas europeias no Sul do Líbano, mas não devemos minorar os riscos que ela contém. É muito importante que seja no quadro da Nações Unidas. Por outras palavras, que não seja entendido como uma acção autónoma da União Europeia, mas seja um contributo europeu para uma acção da União Europeia. Faz toda a diferença.
Bruno Rodrigues
Boa tarde Sr. Prof. Em nome do Grupo Rosa gostaria de perguntar ao Sr. Prof. qual terá que ser o papel do Estado face ao fenómeno da globalização, nomeadamente no que diz respeito à promoção da marca Portugal, quais são os nossos trunfos, e qual será o papel das pequenas e médias empresas no contexto do mercado global?
Prof.Dr.Viriato Soromenho Marques
Bem, é uma pergunta em que certamente há outras pessoas que vêm aqui falar terão mais competências do que eu para desenvolver estas ideias.
Em primeiro lugar julgo que a primeira marca que o Estado português, ou a marca que o Estado português deve ajudar a promover é a marca Portugal.
Ou seja, é de passar cada vez mais a ideia, que é um ideia que evidentemente só pode ser passada se corresponder objectivamente à realidade de que, aquilo que traz a estampa, o label, o carimbo de Made in Portugal é um produto que tem qualidade, e portanto é um produto que satisfaz os consumidores.
Diria que, quando nós reorganizamos a economia, quando nós procuramos melhorar a qualidade da formação dos nossos quadros, quando nós modernizamos as nossas empresas, e qualificamos as nossas empresas, nós estamos a contribuir para a marca Portugal.
Segundo aspecto, a pergunta também está muito relacionada com a existência de organismos públicos, nomeadamente o ICEP que promovem os produtos portugueses. Não sei até que ponto é que não será importante repensar as estratégias de marketing, mais no sentido de apoiar a presença de produtos portugueses em feiras, em certames internacionais, do que propriamente em fazer campanhas mediáticas usando os jornais ou as televisões dos diversos países, julgo que tem muito mais impacte apoiar a presença de empresas em segmentos que estão associados às suas actividades do que promover uma imagem, digamos, uma imagem vaga com mensagens de comunicação social que passam rapidamente. Julgo que a única área onde isso faz sentido é o turismo. Ou seja, no fundo a ideia de passar filmes que promovam a imagem do país. Mas diria o seguinte: para promover a imagem de Portugal no que diz respeito ao Turismo, as boas políticas de ordenamento do território é que são fundamentais. Ou seja, a boa preservação dos nossos parques e reservas, do nosso litoral, da qualidade paisagística do nosso território, a renovação urbana dos cascos históricos das cidades, isso é que promover a imagem de Portugal.
Só uma última nota que me parece importante. O conceito “marca” é um conceito muito interessante, e julgo que está associado a um dos aspectos mais importantes da globalização, e que é o seguinte: que é o de que a globalização implica um certo grau de consentimento.
As marcas, ao contrário do que muitas vezes se pensa, as marcas não são um sinal de força mas são um sinal de uma fragilidade, porque se existisse um monopólio não era preciso marcas, agora como existe possibilidade de escolha, é que é preciso associar um produto a uma marca, a uma determinada diferença. E nesse aspecto, como vos dizia é muito importante que a nível das políticas públicas sejamos capazes de associar o país a uma ideia de qualidade, a uma ideia de excelência progressiva, coisa que penso que já conseguimos um pouco mais, já fizemos melhor do que fazemos. Penso que houve períodos na nossa história onde isso foi claramente compreendido. Hoje não estamos a viver um momento particularmente feliz mas penso que podemos inverter essa tendência.
Ana Sofia Carvalho
Boa tarde, em, nome do grupo Laranja, gostava de afirmar e ao mesmo tempo perguntar que a globalização nos torna mais vulneráveis às manifestações de terrorismo, como por exemplo vimos no 11 de Setembro de 2001, com os problemas ocasionados na bolsa de Nova York que se repercutiram em todas as bolsas mundiais. E pergunta é: até que ponto os países ocidentais estão preparados para enfrentar esta nova ameaça que é o terrorismo global, e para quando poderíamos eventualmente falar de um política comum de Segurança global.
Prof.Dr.Viriato Soromenho Marques
Saúdo o grupo por esta pergunta.
Penso que há aqui talvez dois níveis diferentes, o primeiro é um nível crítico, ou seja, será que efectivamente os atentados terroristas acontecem como uma consequência indesejável da globalização? Ou seja, vamos pôr os básicos dos básicos. Haverá aqui pessoas que têm experiência de viajar nos Estados Unidos a nível dos voos internos antes do 11 de Setembro. É a coisa mais parecida do que viajar em autocarros no nosso país. O 11 de Setembro, aconteceu evidentemente não só porque há um grupo de terroristas determinados a fazê-lo, mas aconteceu também porque seguindo uma linha de desregulamentação e de liberação do mercado dos voos, do mercado aéreo, as empresas norte-americanas, desregulamentaram em tudo, nomeadamente na segurança, ou seja o grau de inspecção, de vigilância dos passageiros na entrada das aeronaves era baixíssimo, eu fiz viagens em 94, em 97, em 98, e recordo que efectivamente as condições de segurança deixavam muitíssimo a desejar. Porquê? Porque as empresas tinha que cortar, e cortavam em alguma coisa, cortavam em muita coisa, cortavam nomeadamente na equipa, membros da crew, da tripulação, nas inspecções no acessos dos passageiros, na qualidade de catering, em tudo isso.
E é muito curioso que há um aspecto que não é conhecido ou não é suficientemente conhecido. Logo a seguir ao 11 de Setembro, em Novembro, no Congresso, foi apresentada uma proposta por vários congressistas, vários membros da câmara dos representantes, republicanos e democratas, para tornar a segurança nos voos internos uma competência federal, é um aspecto que talvez desconheçam, é que a competência a esse nível antes do 11 de Setembro, era uma competência estadual. E sabem que, essa proposta foi votada, a maioria republicana votou contra, e o argumento foi “é uma questão ideológica, é uma questão de princípio”, não queremos aumentar o poder federal.
Portanto, se calhar, temos que moderar a nossa visão das coisas e tentar perceber que provavelmente um dos aspectos que tornou fácil a circulação de grupos de terroristas, é o facto de as nossas sociedades terem-se tornado laxistas em relação a questões de segurança, e terem-no feito com co-relato da liberalização do mercado aéreo.
Vou acrescentar uma outra coisa que pode também ser surpreendente. Por exemplo, a questão do preço do crude, nessa reunião onde estive em Setembro, um dos oradores era o Sr. Turiq Faisal que era, enfim, o nome diz tudo, da Arábia Saudita da Família Faisal, que é o ministro saudita do petróleo. Esta pequena coisa que a Arábia Saudita exporta.
E ele dizia um coisa muito interessante na sua intervenção, dizia que, os 70 dólares, na altura o barril estava 70 dólares, nos 70 dólares que vocês pagam no Ocidente, 30 dólares tem a ver com erros estratégicos vossos, ele não dizia quem, mas percebemos, e 10 dólares tem a haver com o facto de que vocês, europeus e americanos, não construíram nestes últimos quinze anos, estrutura de refinação do petróleo. E portanto, o petróleo é extraído, chega aos vossos países e tem que ficar na fila de espera porque vocês não têm centrais de refinação, não têm a estrutura de refinação.
Bom, porque é que não há refinarias em número suficiente? Talvez os economistas presentes aqui na sala possam fazer uma correlação interessante entre isso e o facto de ter havido também uma desregulamentação muitíssimo forte no sector da energia. Portanto, as coisas tem que ser encaradas, penso eu, como vos disse, de forma crítica para percebermos que o que está aqui em causa não é forçosamente uma questão da globalização, das pessoas circularem mais, é o modelo político e é uma certa ideologia usando a expressão do líder republicano que votou contra aquela lei que eu referi há pouco em Novembro de 2001.
A outra questão que está aqui colocada é a questão da segurança, da segurança comum, o terceiro pilar, a política externa e de segurança comum.
A União Europeia é uma união de estados com tradições históricas muito diferentes. Penso que é uma ilusão, pensarmos que alguma vez poderemos ter uma política externa comum no seu conjunto, a política externa comum para mim é como a política de defesa comum, ou seja, há um conjunto de áreas chave, há uma agenda comum. Nós deveríamos ter uma política externa comum baseada numa agenda comum que devia ser discutida e escrutinada, parlamento europeu, governos nacionais, parlamentos nacionais, e termos um conjunto de três, quatro grandes assuntos em relação aos quais nós deveríamos agir como uma só voz. Porque nós não temos a mesma política que a França, e ainda bem que não temos em África, e mal estará o dia em que Portugal e a França tenham a mesma política em África, é sinal que alguém cometeu um erro, e eu temo que seja Portugal a ter cometido o erro.
Política de defesa. Enganam-se aqueles que julgam que a questão da defesa é construir um exército europeu único. Esse caminho foi tentado e na altura em que foi tentado, em 52 com a comunidade europeia de defesa fazia sentido, fazia sentido, se fosse vivo nessa altura teria sido um partidário da comunidade europeia de defesa, que falou mais uma vez com o voto negativo do parlamento francês em 54.
Mas a questão não é essa, a questão é que a Europa deveria ter exactamente, uma estrutura de intervenção rápida, um grupo talvez de 10 divisões operacionais, 150 mil homens, se possível com tropas mistas, ou seja, no fundo com contingentes ao nível dos regimentos e dos batalhões que fosse possível ter vários nacionais com uma língua comum que seria evidentemente, só pode haver uma língua, se não acontece como nos barcos, os petroleiros que vão ao fundo porque falam 50 línguas diferentes, e essas tropas europeias deveriam entrevir em cenários como este do sul do Líbano ou nas acções de paz ao serviço das Nações Unidas.
Ou seja, nós poderíamos ter uma política de defesa europeia reinventando aquilo que foi do espírito original as Nações Unidas, tal como foi construído pelo Roosevelt, que era de que as Nações Unidas devem ter estruturas regionais, e a União Europeia é a grande estrutura regional do sistema mais amplo de governação chamado Nações Unidas.
Portanto, concluindo isto, uma política externa comum mas por agenda, uma política de defesa comum para missões especificas, de manutenção de paz, mas com forças operacionais que possam mobilizadas de uma semana para a outra, não é agora esta vergonha que vão ser meses e meses até ter 7500 homens.
Ou seja, não custa muito ter 10 divisões operacionais prontas, e podemos começar por ter menos do que 10 divisões, 150 mil homens, contingente apenas necessário para um conflito com uma dimensão muitíssimo superior àquela que foi a desta guerra recente no sul do Líbano.
Dep. Carlos Coelho
Muito bem, temos neste momento cerca de 32 minutos para o termo da nossa conferência. Eu pedia a quem quisesse efectuar mais questões aleatoriamente, que se inscrevesse ordeiramente e que me fizesse chegar o nome, e fizesse sinal para mim em relação à inscrição e ordem de inscrição que apontarei aqui.
Irei passar a palavra a Luís Vidal, Grupo Bege.
Luis Vidal
Boa tarde Sr. Prof. Viriato Marques. Referiu que a marca Portugal, tentou ligar a marca Portugal ao turismo, e Portugal é mais que um museu da Europa, Portugal é nosso e representa para mim não aquilo que ele pode fazer por mim, mas aquilo que eu posso fazer por ele, logo não acha que a marca Portugal devia começar por ser a melhor marca de produtos, mais não seja porque são os portugueses que a produzem, ou seja que movimentam a nossa economia?
Prof.Dr.Viriato Soromenho Marques
Sim. Penso que a sua pergunta vai muito de encontro a algo que já disse e penso que estaremos basicamente de acordo, no sentido em que evidentemente quando falei no turismo estava a falar apenas de um segmento da nossa actividade económica. Concordo inteiramente consigo no sentido em que mal de nós se na especialização internacional do trabalho fossemos apenas um país de destino turístico, isso seria um problema de um projecto deficiente de desenvolvimento.
Uma das formas de afirmarmos o nosso país, é como disse, aumentarmos a capacidade que os portugueses têm individualmente, que as instituições onde os portugueses participam e as instituições portuguesas, sejam elas universidades ou empresas de se afirmar no plano internacional, a começar pela União Europeia. Por exemplo é extremamente importante que os nossos investigadores e professores sejam capazes de participar em projectos europeus, é extremamente importante que mais portugueses participem na construção europeia. Quando me apresentei ali no slide inicial, pus o meu nome, depois Universidade de Lisboa, e pus Vice-presidente duma rede europeia de conselho de ambiente, não foi acaso, foi justamente porque me parece que essa actividade que eu como cidadão tenho desempenhado ao longo dos últimos 6 anos, é uma forma também de fazer diplomacia pelo o meu país, e de representar o meu país, é uma forma também de como cidadãos ajudar Portugal naquela frase do Kennedy “não aquilo que a América pode fazer por ti, mas aquilo que podes fazer pela América”, isso pode ser analogicamente apresentado em relação ao nosso país.
Falei no turismo porque me parece que é uma área muito sensível e julgo que há riscos fortes em relação a isso, e o principal risco é o de seguirmos um bocadinho o modelo que está a ser executado neste momento aqui ao lado em Espanha. E reparem que na opinião pública publicada, a Espanha tem aparecido nos últimos anos como uma espécie de um exemplo, o crescimento da Espanha curiosamente é um crescimento do produto interno bruto, diminuição do desemprego, mas por exemplo há um indicador muito importante que é o aumento da produtividade que não está a acontecer. Porquê? Porque é um crescimento que está a ser feito fundamentalmente de um forma que nós bem conhecemos em Portugal, que é o investimento no imobiliário, ou seja, a construção. Neste momento o grande lema, a grande alavanca económica do imobiliário em Espanha é a construção de uma segunda casa para europeus no sul de Espanha: para os ingleses, para os alemães reformados, para os holandeses que lá vão.
Ora bem, este tipo de crescimento é um tipo de crescimento que eu não gostaria para o nosso país, ou seja, que a marca Portugal não seja transformar o país numa série de PIN’s – Projectos de Interesse Nacional, discutível, não é.
Bráulio Torcato
Se bem entendi há pouco falou da possibilidade de o estado de Israel ser integrado a longo prazo na União Europeia. Tendo em conta o tamanho do conflito e o longo conflito, será essa realmente a solução? Seria realmente extinto o conflito ou seria apenas deslocalizado, e se realmente fosse deslocalizado, trazendo obviamente problemas para todos os países membros da união.
E abrindo uma excepção a Israel não poderiam outros países reivindicar também um direito de participação e de serem membros também da União Europeia.
Obrigado.
Prof.Dr.Viriato Soromenho Marques
Muito obrigado. Bom, penso que a União Europeia não deveria ser menos ambiciosa que o Império Romano. Isto é o Império Romano o mediterrâneo era um mare nostrum, não era uma figura de estilo, não era uma metáfora, era mesmo um mare nostrum.
E curiosamente o Império Romano manteve-se não apenas porque os romanos tinham uma máquina militar espantosa, que ainda hoje é um exemplo de disciplina militar, de organização, mas manteve-se porque Roma era uma prestadora líquida de serviços para o conjunto do mundo romano. Isto é, Roma fornecia as estradas por onde circulavam as pessoas e as mercadorias. Roma também fornecia a lei, aliás o direito fala latim, não fala outra língua. Esta foi a grande invenção dos romanos, foi a Lei, o Direito, a Justiça e os Tribunais, e essas leis romanas eram garantia da paz romana, de que os litígios eram dirimidos em tribunal e não pela força das armas. Roma fornecia também a segurança, e Roma fornecia uma coisa muito importante que era a cidadania. Ou seja, aquilo que um gaulês ou um membro da lusitânia, ou um habitante do que é hoje Marrocos, ou a Tunísia, mais pretendia era ser cidadãos de pleno direito do Império Romano.
Ou seja, se uma república imperial não democrática como Roma, foi capaz de criar uma paz de mais de meio milénio, em três continentes: Europa, uma parte da Ásia e uma parte da África, eu julgo que a União Europeia não deve ter, que é democrática, republicana, no sentido constitucional evidentemente, não deve ter uma ambição menor.
Penso que, enfim, a brincar diria que é talvez a minha única divergência com o Prof. Adriano Moreira, por quem tenho uma grande admiração e que é um príncipe do nosso pensamento em geral e do pensamento de relações externas em particular, e que justamente ele tem muitas dúvidas em relação à questão da Turquia. Julgo justamente que a Turquia deve ser uma aposta muitíssimo importante da União Europeia.
O problema penso que está numa questão, está na forma como entendemos o que é uma união política. Ou seja, uma união política não é forçosamente um espaço onde as pessoas têm que se entender com um pestanejar de olhos, e nós somos um mau exemplo porque nós portugueses temos uma coesão cultural fortíssima, somos dos países do mundo, somos um dos 4 ou 5 países onde existe uma maior homogeneidade cultural.
Costumo dizer a brincar, que só assim é que se explica que Portugal exista e prospere, apesar de não haver um sistema judicial a funcionar.
Ou seja, como é que podemos dirimir os nossos conflitos mesmo sem ser nos tribunais, porque temos cumplicidade.
Uma união política não é um conjunto de cumplicidades, uma união política deve basear-se em leis claras, aí a importância do quadro normativo, do quadro constitucional.
E, portanto, acredito muito que é perfeitamente possível integrar na União Europeia vários domínios culturais, várias comunidades com regiões distintas, a questão do cristianismo é uma questão que se tivermos tempo podemos falar sobre isso, mas evidentemente que a Europa foi também o resultado do judaísmo e do islamismo, historicamente o renascimento, o primeiro renascimento que aconteceu foi nos século XI e XII, e foi em Granada e Córdova, foi na Península Ibérica, os textos do renascimento, os textos gregos, do Platão, do Aristóteles, foram primeiramente traduzidos para árabe, curiosamente, e só duzentos anos depois quando Constantinopla caiu é que chegaram a Itália, e é curioso que muitos desses textos foram depois traduzidos do árabe para latim, num processo muito curioso de percepção e transmissão cultural.
Portanto, a questão fundamental é esta: eu não estou a defender ideia de uma União Europeia descaracterizada, de uma União Europeia mole, frágil, sem músculo. Não. O que estou a defender é a ideia de que é possível termos uma instituição funcionando com diversas densidades, com diversos ritmos, com diversas solidariedades, na base dum acordo fundamental em relação a um acervo de leis e de princípios políticos que devem ser respeitados religiosamente.
E a nova constituição, a constituição que foi derrotada tinha uma coisa extremamente corajosa que era justamente o mecanismo que explicava quando é que um país poderia ser objecto de sanções, quando é que um país podia se convidado a sair. Isso é, reparem, um aspecto muito interessante porque nem a constituição americana tem isso. A constituição americana foi feita com uma viagem só de ida, não de volta, por isso é que houve a guerra civil.
Por isso diria que não só a questão de Israel, do estado Palestino, a questão da Turquia, penso que é muito mais sensato politicamente, abrirmos a união, mantendo a ossatura da democracia a comunidades que são religiosamente distintas, que são judaicas, que são islâmicas, do que corrermos o risco de darmos uma configuração geográfica àquele texto, - que aliás foi um texto muito bem escrito, e um texto que era de aviso, do Samuel Huntington, da clash das civilizações, do conflito de civilizações.
Filipe Carraco dos Reis
Ora então boa tarde. A questão que queria aqui colocar no fundo tem aqui também um pouco a ver com aquilo que o Carlos Coelho falava há pouco, da interdisciplinariedade que aqui na Universidade de Verão se pretende dar à sequência os temas, e no fundo fazia aqui uma ligação ao tema da manhã e a continuação para aquilo que no fundo vamos falar à hora do jantar.
E que se prende com o seguinte: Até que ponto a ONU na sua configuração actual, na sua estrutura, e tendo em conta o insucesso que foi e a incapacidade demonstrada na resolução dos últimos conflitos que se geraram, desde a Somália, a própria resolução do conflito na antiga Jugoslávia, a questão do Iraque, a própria intervenção meio titubeante agora no Líbano, e tendo em vista outro tipo de questões mais abrangentes à escala planetária, como as alterações climáticas e todo o processo de Quioto, em que não tivemos capacidade até hoje para que o maior poluidor conseguisse entrar num compromisso com as restantes nações acerca das emissões de CO2 e de metas a atingir, até que ponto a ONU na sua estrutura e na sua configuração actual é uma organização que serve os interesses da sociedade actual ou qual terá que ser ou qual deverá ser a sua linha a seguir, face aos desafios que cada vez vão sendo diferentes, uma vez que o mundo em que vivemos é um sistema completamente dinâmico? Quais deverão ser essas linhas mestras de orientação para que possamos ter aqui uma organização que finalmente consiga ter força, capacidade de intervenção na resolução deste problemas.
Prof.Dr.Viriato Soromenho Marques
Eu vou ter que ser muito breve para permitir que todos falem e que eu possa também fazer um comentário muito breve a todas as questões.
Diria apenas dois comentários, vamos um bocadinho pela hipótese absurda, imagina o que era, disse e muito bem que houve uma titubeante intervenção da ONU no sul do Líbano agora neste conflito, imaginemos o que teria acontecido se não existisse a ONU? Ou seja, o que é que teria acontecido, o que teria acontecido era uma escalada no conflito, em que provavelmente teríamos desde já uma coisa que se não tivermos cuidados vai acontecer dentro de alguns anos, que é um conflito central entre Irão e Israel.
Portanto, em todos os domínios que nós olhemos, desde a saúde, a agricultura, o ambiente, a cultura, a ONU, apesar da sua fragilidade presta serviços que são de facto inqualificáveis. Ou seja, inqualificáveis não, incalculáveis, incomensuráveis, do ponto de vista do valor.
Esta é a primeira observação, mesmo na fragilidade em que ela se encontra ela presta serviços, as agências muitas que fazem parte da estrutura estão a funcionar mesmo dum modo sub-financiado que conhecemos.
Segunda questão, a questão chave da ONU é justamente o investimento das grandes potências, e em particular dos EUA. Quer dizer, o grande problema da ONU, é que foi pensada por um Presidente norte-americano (penso que muita gente nos Estados Unidos pensa que foi uma coisa inventada por um chinês, e que não foi uma coisa inventada por uma equipa de gente a trabalhar na administração Roosevelt). O empenhamento americano era uma questão central, e de facto o empenhamento norte-americano faz muita falta, a verdade é essa.
Nós sentimos os resultados do não empenhamento norte-americano. Hoje de manhã o eng. Carlos Pimenta dizia e com razão “se o Al Gore tivesse ganho as eleições”… mas não ganhou, não ganhou. Ele agora fez um filme e escreveu um livro fantástico, que quase que provoca lágrimas a quem lê. Dificilmente ele será candidato nas próximas eleições, mas mesmo que fosse candidato, e que fosse candidato ganhador, as condições de partida são completamente diferentes. Hoje os Estados Unidos estão com muito menos prestígio, muito menos poder do que tinham. O poder e o prestígio custam muito mais a ganhar do que a perder, isto vale para as pessoas como para os países.
Diria que é preciso manter o que está, tentando melhorar, evidentemente. Se for possível efectivamente pressionar os Estados Unidos para assumirem as suas responsabilidades melhor, agora, temos que nos habituar a um mundo em que os Estados Unidos desistiram de ser a super-potência, desistiram. Porque não se pode ser super-potência só a retirar, tem que se dar alguma coisa. Ou seja, só se pode ser império – lembram-se do que eu disse acerca do Império Romano, Roma era um império porque prestava serviços -, agora, a América não pode ser império porque não está de facto a prestar serviços de espécie nenhuma, pelo contrário, está a prestar disservices em muitas áreas.
Portanto, enfim, pode ser que eu esteja a ser pessimista, pode ser que o Al Gore se candidate, ganhe de uma forma esmagadora, e daqui a 4 ou 5 anos, na 7ª ou 8ª edição da Universidade de Verão, estejamos todos aqui, no fundo a falar de uma pax americana em conjugação com a União Europeia, mas eu francamente acho que isso é bom demais para poder ser verdade.
José Pedro Salgado
Antes de mais boa tarde pela presença do Sr. Prof. Aqui e obrigado por nos brindar com a sua sapiência.
Hoje em dia assistimos a um efeito da globalização que é essencialmente uma grande invasão da cultura do país hegemónico, umas coca-colas, uns Mac-Donalds, etc., mas no entanto, nós, pelo menos no nosso caso da Europa temos ainda algumas semelhanças, porque tivemos um passado em comum, pelo menos com os habitantes dos Estados Unidos, que nos permite facilmente absorver no nosso estilo de vida essas tendências culturais. Será que quando o país hegemónico mudar, eventualmente também para a Ásia, nós em vez de irmos ao Mac-Donalds comer um hambúrguer, vamos lá comer um sashimi ou beber um saké. Será que alguma vez teremos essa invasão de uma cultura que nos é muito mais estranha do que a cultura americana?
Prof.Dr.Viriato Soromenho Marques
Mais uma excelente pergunta.
Os aspectos que referiu em relação às marcas norte-americanas, e a um certo american way of live, que de certa forma se expandiu pelo mundo inteiro, prende-se com aquilo que podemos designar como poder simbólico. Ou seja, é uma forma de soft power e é um soft power na medida que não é imposto, ou seja, é aceite. Quer dizer, as pessoas bebem um líquido determinado, ou fumam uma marca de tabaco norte-americana, não é só porque está no mercado, é porque fazem escolhas nesse sentido. Portanto, isso no fundo tem a ver um pouco com a questão do soft power e do poder simbólico.
Estamos a falar de um tendência que teve a sua fase, penso que provavelmente as coisas estão a passar por uma fase em que haverá mais concorrência a esse nível, haverá mais concorrência. Se analisarmos, por exemplo, um indicador que me parece muito curioso, que é o número de sites e a língua dos sites na Internet, vemos uma coisa muito extraordinária, que é o facto de que há outras línguas que começam a ganhar muito espaço mediático na Internet, o chinês é uma delas, mas o português também, curiosamente. Os portugueses esquecem-se que temos a 6ª língua mais falada do mundo, e temos a terceira língua europeia mais falada do mundo. Aliás como sabem é o inglês que está em luta com o espanhol, aliás um destes anos o espanhol passará à frente do inglês, e depois a seguir somos logo nós, a uma distância muito confortável de outras línguas como o alemão, o russo, muito à frente por exemplo do francês. E portanto, diria que estes meios, a galáxia mediática da globalização permite sem dúvida nenhuma a afirmação e alguns sinais de homogeneização, mas também permite alguns sinais de afirmação heterogénea. Por exemplo, hoje podemos utilizar a Internet como um veículo de conservação, por exemplo de línguas que estão em risco de extensão, podemos pôr na net a gramática e o léxico de pequenas línguas que são faladas por 300 ou 400 pessoas. É um meio extraordinário, no fundo é uma espécie de grande palco, onde aparentemente brilham primeiramente as estrelas mais numerosas e mais poderosas, mas é um palco onde também podem entrar bandas um bocadinho menos desconhecidas.
Julgo que há que encarar isso de uma outra forma.
Quanto à questão que coloca do Japão, enfim, da China, da Índia, bem, julgo que provavelmente a tendência será muito mais híbrida, muito mais híbrida, penso que não voltaremos a ter uma situação tão nítida, de hegemonia tão nítida de um país. Penso que quando acabou a guerra fria, quando acabou a divisão do mundo em duas áreas de influência, a União Soviética e os Estados Unidos, nós tivemos um período unipolar, e houve gente que confundiu um período de transição como se fosse digamos uma era. E eu não acredito que tenha havido alguma vez uma era unipolar.
Ou seja, o período de hegemonia norte-americana foi apenas uma transição para uma coisa que vem aí, e que julgo que vai ser um directório, não vai ser um produto com um ADN muito puro, vai ser um ADN misto, uma mestiçagem. Em que sabemos que países como a Índia e a China vão estar presentes, mas a União Europeia estará presente, os Estados Unidos espero que continuem presentes, com certeza, todos nós bem precisamos que os Estados Unidos assumam as suas responsabilidades e países como o Brasil julgo que inevitavelmente também estarão presentes. Portanto, penso que haverá uma hibridização de marcas e de dietas ou de opções dietéticas, e não será só a coca-cola e os hambúrgueres.
Sérgio Saruga
Boa tarde a todos os presentes, queria cumprimentar em particular a mesa e o Sr. Prof. Viriato Soromenho Marques, a minha pergunta vai ser muito breve.
Entendo que a União Europeia caminha para um federalismo que acabará por não chegar a todas as áreas a breve trecho. Os tão conhecidos níveis de convergência estipulados pela União Europeia aos estados-membros, acabam por ser em certa parte desvirtuados pela realidade económica de cada estado-membro. Com o alargamento a 25 estados-membros em Maio de 2004, julga que esta Europa conseguirá chega a uma maior e melhor convergência? Conseguirá a União Europeia ficar mais sustentada e solidificada.
Prof.Dr.Viriato Soromenho Marques
Muito obrigado. Penso que é a ultima resposta que poderei dar. Peço imensa desculpa, se calhar não fiz uma gestão adequada do tempo que me foi dado. Peço desculpa a todos aqueles que tinham perguntas e ás quais eu não poderei responder.
Em primeiro lugar por definição o federalismo é justamente uma forma de divisão do poder, ou seja, o federalismo é o contrário da ideia de um super estado. O federalismo significa que há competências de política pública que estão melhor colocadas no plano da união, outras no plano dos estados nacionais, e outras até abaixo disso, no plano das regiões ou dos municípios.
E eu acrescentaria ainda outra coisa interessante, é que o federalismo existe sobretudo entre países que têm problemas uns com os outros. Ou seja, o federalismo existe entre potenciais inimigos, não é entre amigos que se abraçam e que ficam a chorar nos ombros uns dos outros.
Ou seja, o federalismo é um mecanismo de garantir duas coisas fundamentais nos tempos presentes: a paz e a sustentabilidade, que são duas coisas fundamentais da nossa vida hoje. A paz é um valor fundamental e os europeus mais velhos sabem o que é a ausência de paz. É muito importante que na nossa formação, na vossa formação, enfim, como mais jovens que são, nunca se esqueçam do que era a Europa há 70 setenta anos, há 80 anos. O Max Weber quando foi há, há cem anos fez aquela viagem á América, em 1905, e veio de lá com aquele livro muito interessante “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, ele dizia uma coisa muito engraçada numa correspondência com um académico americano, dizia ele: “gostei muito do vosso país mas há um problema fundamental, é que vocês lá não têm uma coisa que nós temos, na Europa nós estamos sempre à espera daquele telegrama de cor clara”, o telegrama da cor clara é o telegrama que dizia “apresente-se no quartel amanhã às 9h da manhã”, ou seja, a guerra.
No início do século XX qualquer francês, qualquer alemão, qualquer inglês sabia que podia ter um telegrama para se apresentar, mesmo que tivesse 48 anos como reservista no quartel X.
Ou seja, hoje em dia a vivermos numa Europa onde isto, e enfim, eu vejo a vossa incredulidade, onde a possibilidade de alemães e franceses se matarem como se matavam gloriosamente em 14-18, 39-45, só isto, isto é um ganho que não tem preço. Não tem preço, quer dizer, é uma coisa prodigiosa.
A prioridade fundamental é a paz, a sustentabilidade, ou seja sabermos que a água, o ar, o sol vão continuar a ser respiráveis e férteis nos tempos que aí vêm; depois há todas as combinações possíveis, isto é, a convergência não pode ser entendida como tornarmo-nos todos iguais. Pelo contrário, a convergência implica divergência, implica especialização, implica heterogeneidade, implica tempos diferentes, aliás, a própria Europa, de uma forma muito clara tem várias velocidades, nós temos os países Schengen, temos os países do euro, no fundo, nós temos uma estrutura que é polissémica, que é poliédrica, e temos a geometria variável, e isso é muito bom.
Onde não podemos ter geometria variável, penso eu, é naquelas duas questões, ou seja, não podemos ter monstros militares dentro da Europa, não podemos ter países que ameacem outros países dentro da Europa, uma questão que tem que ser resolvida na Turquia, é a questão da rivalidade com a Grécia, aliás vejam como isso melhorou infinitamente, ainda me recordo em 74 quando foi da invasão do Chipre, quando os pára-quedistas turcos aterraram em Chipre, em 74, no Verão de 74, e quando se esteve à beira de uma guerra entre a Grécia e a Turquia, justamente pelo processo de integração, primeiro a Grécia e depois a Turquia, na negociação da Turquia já há muito tempo que esses gritos de guerra, machados de guerra não são desenterrados.
Mas isso é que não é possível de ocorrer, não é, por isso a questão da paz é fundamental.
E outra questão essencial é de facto a questão da sustentabilidade, considero que a política do ambiente e sobretudo do desenvolvimento sustentável, deve ser uma política comum da União Europeia, válida para os países que estão no Euro e que estão fora do Euro, para os países que aderiram em 2004 e para os países que são fundadores.
Muito obrigado pela vossa atenção.
Dep. Carlos Coelho
Em vosso e em nosso nome agradeço ao Prof. Viriato Soromenho Marques o ter estado connosco, ter-nos brindado com uma apresentação que fez especialmente para nós, e ter respondido a todas as questões.
Peço ao Alexandre e ao grupo dos avaliadores para vir para aqui. O Daniel e eu vamos acompanhar o professor à saída e regresso dentro de dois minutos.
Só alguns avisos, como é o primeiro dia, para nos habituarmos à rotina, vamos interromper a sessão e no primeiro andar, na zona do Bar há umas bebidas, uns biscoitos, não é nada de especial, a que chamamos pomposamente um lanche, não é lanche mas é uma forma de descontrair um bocadinho.
Às 5h30 começam os trabalhos de grupo, que tal como presumo ocorreu ontem, vai fazer reunir aqui os grupos Verde, Vermelho, Roxo e Cinzento, e lá em cima na sala de jantar os grupos Rosa, Bege, Amarelo, Laranja, Castanho e Azul.
O que está previsto no programa é os trabalhos de grupo terminarem por volta das 19h00, porque admitimos que é saudável haver um tempo de confraternização para as pessoas conversarem entre elas até à hora de jantar que começa às 20h00 em ponto. É um tempo para vocês gerirem de acordo com as vossas prioridades.
Agora, interrompemos e pedia o favor de depositarem o vosso voto de avaliação à saída. Para isso temos agora três urnas para tornar mais rápido esse processo. Às 5h00 temos o lanche e pelas 5h30 damos início aos trabalhos de grupo.