Revista de Imprensa
Registos Audio Fotografias
dia 3 - 10.00
Sessão de Avaliação da UNIV
dia 3 - 12.30
Sessão Formal de Encerramento
dia 3 - 14.00
Almoço de confraternização com UNIVs de 2003, 2004 e 2005
Jantar-Conferência com o Dr Miguel Monjardino
 
Marco Santos
Boa noite a todos, em primeiro lugar como este é o último brinde da Universidade de Verão, gostaria de agradecer aos responsáveis desta universidade a excelente organização. Uma salva de palmas.

Em segundo lugar, gostaria de propor dois brindes.

O primeiro dedicado ao nosso ilustre convidado, que vem encerrar o último jantar conferência, o Dr. Miguel Monjardino formado em áreas de grande interesse para todos nós, como podem ver nas vossas folhas. De certeza que iremos gostar todos de o ouvir falar, temos imensa honra de o ter aqui connosco, de certeza que será uma noite memorável e inesquecível.

Em segundo lugar, o segundo brinde será dedicado à amizade, que é o que mantém esta família unida. De certeza que também teremos muitos mais brindes desta natureza ao longo da noite, mas gostaria que este fosse primeiro por isso, com toda a pujança académica e sem nunca esquecer que quem bebe com a mão direita é de penalty, a todos um grande bem haja!
 
Dep. Carlos Coelho
Bem, este é o último jantar conferência como o Marco disse, hoje os nossos trabalhos oficiais fecham com este jantar, depois há uns trabalhos para-oficiais, que são a festa de encerramento que terá lugar aqui ao lado, e amanhã teremos a sessão de avaliação às dez da manhã, que eu não me inibo de recordar para que ninguém se esqueça, e a que se seguirá a sessão formal de encerramento com a presença do presidente do PSD nesta mesma sala.

A sessão de avaliação será lá em baixo na nossa sala de trabalho que todos conhecemos.

Dr. Miguel Monjardino muito obrigado por ter aceite o nosso convite.

O Dr. Miguel Monjardino é uma pessoa muito conhecida, está praticamente não digo todos os dias, mas seguramente todas as semanas no pequeno écran e em diversos órgãos de comunicação social, é um dos principais comentadores da actualidade internacional, é professor universitário, na Universidade Católica Portuguesa, licenciado pela Faculdade de Direito, Mestrado em Segurança Internacional pela Universidade de Reading na Inglaterra, como vêem pelo curriculum que nós distribuímos.

Tem como hobbie andar a pé de mochila às costas, ler e reler os clássicos gregos, admito que quanto ao primeiro hobbie seja partilhado por muitos de nós, já quanto ao segundo não acredito que tenha muitos seguidores, a comida preferida é o peixe, espero que não se tenha sentido agredido por lhe oferecermos um bife no jantar de hoje, o animal preferido são os golfinhos, que muitos consideram ser o animal mais inteligente que existe à face da Terra, com isso incluindo a nossa própria raça. O livro que sugere é Tucídides da História da Guerra do Peloponeso, O filme que sugere é Cold Mountain, e a principal qualidade que aprecia nos outros é a determinação.

É portanto de forma determinada que, Dr. Miguel Monjardino, que lhe colocamos a primeira questão, é o privilégio que eu tenho de lhe colocar a primeira questão para iniciarmos a nossa conversa.

Nós estamos perante uma realidade internacional muito agitada, com vários problemas, em diversas partes do globo, mas a opinião pública portuguesa foi desperta para a possibilidade, e agora é uma certeza, já está decidido, de haver a participação de tropas portuguesas numa força de paz das Nações Unidas, no Líbano.

O Líbano é neste momento o centro de um conflito, que é a expressão de um conflito, do conflito em que tem estado o Médio Oriente, a questão da disputa de território entre do Estado Palestiniano, ou a tentativa da criação do Estado Palestiniano e Israel, a que se somam mais factores de perturbação, como a emergência do Irão como uma potência regional ameaçadora.

E portanto, talvez como ponto de partida para esta nossa conversa, se concordar, sugeria esta reflexão: em que medida é que esta realidade do Médio Oriente é relevante para nós, é importante para Portugal, que justifique o envio de tropas portuguesas na missão de paz?

A palavra é sua, muito obrigado.
 
Dr.Miguel Monjardino
Muito boa noite, muito obrigado pelo convite para estar hoje aqui. Eu escolhi a noite de sábado porque me disseram que era a noite mais sossegada em Castelo de Vide, e como eu tenho um filho muito pequenino e pensei que obviamente como vocês são muito sossegados no sábado à noite e vim hoje passar a noite aqui convosco, tenho a certeza que não me vão desapontar.

Eu também confesso que estou muito preocupado, aqui há muitos anos eu, por uma questão de vergonha não digo há quanto, eu estava numa coisa parecida com esta no norte da Alemanha, e veio falar connosco um grande professor inglês, e antes do fim dessa sessão, a pessoa que fazia as honras, que fazia no fim de contas o lugar aqui do  Deputado Carlos Coelho, chamou-nos e disse-nos assim “ Sejam marxistas! Tive imensa dificuldade em trazer esta pessoa aqui, explorem-no bem!”, e eu nunca fui marxista na minha vida, mas não sei se haverá algum marxista hoje aqui, que nos queira explorar, e vou fazer o seguinte, eu vou responder a todas as perguntas, mas vou ser muito curto nas respostas que vou dar, e vou ser o mais directo possível.

Eu trabalho para a TSF e trabalho para a SIC notícias, onde o tempo é precioso, ainda por cima hoje é sábado à noite, e portanto eu não quero falar muito, eu vou simplificar e exagerar coisas que por definição são muito complexas, na esperança de que isso promova o debate, portanto se sentirem que não concordam comigo digam-no e conversamos, mas eu vou ser curto e directo.

Eu relação à pergunta que me foi feita, porque é que eu acho, e foi isso que eu disse aí na apresentação que eu tenho, que a História da Guerra do Peloponeso de Tucídides é um livro fundamental hoje em dia? É um livro fundamental por duas razões, nenhum decisor político ao mais alto nível do Estado deve tomar decisões de política externa ou a nível de defesa, sem ter lido Tucídides, é um livro muito duro sobre o que aconteceu a uma democracia que se envolveu numa guerra que julgava que ia ganhar, tem muito a ver com o processo de decisão democrática em Atenas, uma guerra terrível, ponto número um, portanto o processo de decisão política em circunstâncias muito difíceis, como é que funciona.

Nós progredimos muito do ponto de vista tecnológico, nós temos tido grandes progressos em determinados níveis, mas ao nível humano eu não vejo que nós tenhamos progredido assim tanto, e é por isso que eu acho que Tucídides continua a ser importante.

Segundo, Atenas perdeu! Atenas perdeu! Ou seja, uma democracia perdeu! Com a guerra, e a partir daí, se a memória não me falha, nunca mais houve democracia nos 1500 anos que se seguiram. Nada me garante que o mesmo não possa acontecer no nosso futuro colectivo. Eu não vejo a História como uma escada a caminho de um Nirvana político, económico e tecnológico. As sociedades ascendem, as sociedades caem, portanto eu acho que é importante que a gente tenha consciência disto.

E isto leva-me ao Líbano, duas coisas: o Líbano está integrado numa região que exceptuando África, é a região pior gerida do ponto de vista político a nível mundial.

Se consultarem o relatório das Nações Unidas feito por académicos árabes sobre a situação no Médio Oriente, de há um ano, dois anos, a situação é absolutamente catastrófica. Catastrófica.

Estamos a falar de países riquíssimos de em termos de recursos naturais, pessimamente governados. Pessimamente governados! Onde 50% das mulheres, por exemplo, não sabem ler nem escrever. Onde muita gente vive com menos de dois dólares por dia. Isto é um escândalo! E isto obviamente que tem enormes consequências políticas.

Portanto, o Líbano faz parte de uma região que vai passar por enormes problemas políticos, e quando começarmos a prestar atenção ao choque da globalização com este mundo que está parado, preparem-se para um grande espectáculo de pirotecnia político, económica e militar. Vamos ter seríssimos problemas daquela região, nas próximas décadas.

Em relação a Portugal e o Líbano, as questões são muito simples do meu ponto de vista, e mais uma vez eu volto a Tucídides, qual é o interesse nacional nesta questão, ponto número um.

Ponto número dois, para mim é a questão decisiva: que preço é que nós estamos dispostos a pagar por desempenhar esse papel?

Eu tenho grandes reservas em relação ao Líbano, por uma razão muito simples, a História do Líbano nos últimos 20, 30 anos, é duríssima, nós estamos a falar de uma guerra civil onde morreram mais de 100 000 pessoas, num território que tem uma geografia terrível, eu sei que a geografia para os civis não interessa, mas para os militares eu garanto-vos que interessa muito, a História é muito dura no Líbano. Eu acho que qualquer país que tenha ambição política, porque nós estamos basicamente a falar, nós não vamos lá, no cálculo político que muitos decisores estão a fazer na Europa, nós não vamos lá por causa dos libaneses, nós vamos lá porque achamos que a Europa tem que ter influência. É bom ser claro em relação a isto.

E se nós queremos ter influência, a questão decisiva mais uma vez, é que preço é que eu e os senhores e as senhoras, estão dispostos a pagar?

E isto se correr mal, nós estamos a falar de gente que vai morrer. É disto de que nós estamos a falar.

E nestas coisas, mais uma vez volto a Tucídides, não vale a pena ter ilusões, em relação ao preço a pagar pela ambição do poder, o preço ao longo da História foi sempre o mesmo.

Eu não quero com isto dizer que a situação no Líbano vai correr mal. Eu não sei. Mas acho que uma sociedade democrática, que não está preparada para ver os seus soldados morrer, corre um enorme risco quando uma situação dessas pode acontecer. Portanto, eu acho que nós só devemos ir se em termos políticos a nossa sociedade estiver disposta a pagar o preço final, que é a vida de homens e mulheres que podem morrer, e gostaria de acentuar o podem ser confrontados com situações muito difíceis, e podem ter que matar e podem ter que morrer.

Obrigado.
 
Gonçalo Lagos
Muito boa noite. Saúdo em especial o Dr. Miguel Monjardino. E gostaríamos de lhe colocar a seguinte questão: Toda a descoordenação que está a haver na participação da força militar a enviar para o Líbano, não poderia ser suprida mediante o envio de um contingente composto pelos diferentes estados membros sob a coordenação da União Europeia, talvez como um passo para impulsionar a política europeia de segurança e defesa?

Obrigado.
 
Dr.Miguel Monjardino
Muito obrigado, grupo encarnado. São do Benfica aí? É que se forem eu fico contente!

Muito obrigado pela pergunta.

Nós somos confrontados com um problema político muito delicado. Nós europeus passámos as últimas décadas, deixe-me pôr o problema de outra maneira, daqui a uns dias vai assinalar-se o quinquagésimo aniversário da última tentativa de europeus, terem influência no Grande Médio Oriente. Foi um desastre! Estou a falar do Suez, 1956.

Suez assinala o fim da tentativa de ingleses e franceses dominarem politicamente o Médio Oriente.

Cinquenta anos depois o Líbano foi visto, em muitas capitais europeias, como a oportunidade para a Europa voltar a ter um papel a dizer no Médio Oriente, porque nós entendemos, ou muita gente na Europa entende, que nós europeus sabemos melhor do que os americanos o que é que deve ser feito na região.

Ora bem, agora chegou a altura de pagar. E nós vamos ter que pagar, porque nós é que pressionámos imenso a nível de Nações Unidas pela resolução que está em cima da mesa. E agora chegou a altura de pagar.

E como é que se paga a este nível? Paga-se de uma maneira que é muito dura, paga-se com homens e mulheres com botas no chão no terreno. É disso que nós estamos a falar.

De certa maneira,esta é uma iniciativa da União Europeia, debaixo do guarda-chuva das Nações Unidas, foi a alternativa institucional, ou foi a solução institucional que se arranjou. Mas é evidente que a espinha dorsal da força militar que vai ser enviada para o Líbano é europeia.

São franceses e italianos, onde está a haver um debate muito curioso, porque a Itália dá mais homens mas a França é que quer mandar. A França dá dois mil homens e a Itália dá três mil, mas os franceses querem mandar.

E depois você vai ter outro tipo de forças. Essas forças têm um papel mais simbólico, o papel português é meramente simbólico, uma companhia é muito pouca gente. São 120, 140 homens. Mas nós portugueses, por força da maneira como as nossas forças militares estão estruturadas, nós não temos infantaria suficiente para desempenhar este tipo de missões em larga escala. Não só nós, a maior parte dos países europeus também não tem!

Eu gostaria de chamar a atenção aqui para o seguinte, há aqui um paradoxo terrível que é o seguinte: nós europeus, vejam a estratégia de segurança europeia, nós dizemos que queremos ser um actor global no mundo, que queremos desempenhar um papel central na segurança internacional, paradoxalmente, o número de soldados de infantaria, que são o tipo de tropas mais necessário para este tipo de missões, está a diminuir.

Portanto, a distância entre a nossa retórica política e a duríssima realidade militar a nível por exemplo dee infantaria, a nível de países europeus, é muito grande.

Quando nós temos grande parte da infantaria europeia que conta realmente, empenhada no Afeganistão, onde a situação é muito difícil, restam muito poucos homens para este tipo de missões. E Portugal acaba por escolher a solução da companhia de engenharia que é uma solução politicamente hábil, de um país que não está disposto, do meu ponto de vista, a assumir um grande risco.

A solução portuguesa, e, de muitos países europeus, é a solução do menor risco possível. Nós vamos contribuir, mas se nós compararmos a nossa contribuição com a contribuição francesa, com a contribuição italiana, com a contribuição finlandesa, e de outros países, nós vamos dar muito pouco. Porque já estamos empenhados noutros cenários.
 
Rui Monteiro
 Boa noite a todos. Gostaria de felicitar o Dr. Miguel Monjardino por ter vindo aqui à Universidade de Verão. Gostaria de agradecer ao Dr. Carlos Coelho e à sua equipa pela hospitalidade com que aqui nos recebeu, gostaria também sobretudo, de agradecer à conselheira do meu grupo por toda a disponibilidade que nos deu, a nos ajudar, e a pergunta que eu gostaria de fazer o Dr. Miguel Monjardino é a seguinte; gostaria de pedir ao Dr. Miguel Monjardino para que me pudesse dar a sua opinião pessoal, no âmbito dos conflitos israelitas na faixa de Gaza, com o governo da autoridade palestiniana, e quais as soluções que podem ser apresentadas com a ajuda dos Estados Unidos e da União Europeia, para que a paz voltasse a esta zona do Médio Oriente.

E o porquê da cobertura incondicional dos Estados Unidos da América a todas as acções de Israel?

Muito Obrigado.
 
Dr.Miguel Monjardino
Muito obrigado. Olhe, nós estamos a falar de uma guerra ou de um problema que tem décadas, e eu lamento informar toda a gente mas não vai ser na Universidade de Verão do PSD que a gente vai resolver este problema.

O deputado Carlos Coelho de certeza que ficaria muito contente, mas infelizmente não vai.

Olhe, a maneira, a solução, eu penso que toda a gente sabe a solução, a solução tem que ser, passa por um Estado Palestiniano independente e viável, lado a lado com o Estado Israelita em segurança. Toda a gente sabe que esta é a solução.

O que ninguém sabe muito bem é como isto se vai fazer. Ninguém sabe. Já foram tentadas imensas soluções, já houve imensas tentativas, os melhores decisores políticos, os melhores diplomatas, os militares mais duros, empenharam-se neste processo, e nunca foi possível até hoje nós conseguirmos resolver este problema.

Estamos a falar de um conflito que tem a ver com algo que é muito difícil de resolver, que é a posse de território, e quando a posse do território está em jogo, a História mostra que é muito difícil resolver esse tipo de conflitos, muito, muito difícil.

Mas há algo que pode ajudar, e parte daquilo que pode ajudar curiosamente, é garantir a segurança de Israel a partir do sul do Líbano.

Deixem-me dizer-vos o seguinte, eu não acho que seja possível agora, sequer pensar, começar a tentar resolver este problema tendo em conta a maneira como a sociedade israelita está a reagir à última guerra. Eu acho que não há a menor hipótese de Israel retirar da Cisjordânia, nos tempos mais próximos, tendo em conta a maneira como a guerra com o Hezbollah correu.

Deixem-me dizer-vos o seguinte, toda a gente viu mísseis, toda a gente viu foguetes, a serem disparados do sul do Líbano para Israel, o que é que isto significa para um estado como Israel?

Vocês têm que perceber a geografia do Estado de Israel, da fronteira dos montes Golan ao Mar Mediterrâneo são quarenta quilómetros, quarenta quilómetros não dá para um Estado cometer erros tácticos em termos militares.

Quando um grupo como o Hezbollah consegue disparar mísseis e foguetes em direcção ao Estado de Israel, isto significa que toda a noção de profundidade geográfica deixa de fazer sentido. E é muito difícil, se olharem para o mapa, Israel ceder a Cisjordânia numa situação deste tipo.

Todos os israelitas vão querer garantias de segurança muito fortes. Como é que nós podemos, europeus, tentar ajudar? Garantir a segurança de Israel no sul do Líbano. Se nós conseguirmos fazer isso, isso significa que a fronteira sul de Israel com o Egipto fica segura, a fronteira com a Jordânia fica segura, já estão, e a fronteira norte israelita ficaria segura, e isso seria um grande contributo para sossegar, por assim dizer, Israel.

Se isso não acontecer eu não vejo hipótese nenhuma nos próximos tempos, de nós conseguirmos voltar a tentar resolver o problema israelo-palestiniano.

Há uma segunda parte da sua pergunta que tem a ver com Israel e os Estados Unidos, se bem me lembro da pergunta.

É um caso muito interessante, eu penso que quando se fala dos Estados Unidos, ou quando se fala da administração Bush/Israel, eu acho que não devemos falar apenas da administração Bush, o apoio ao Estado de Israel em Washington é fortíssimo na ala democrática, no campo democrata, e é fortíssimo no campo republicano.

É algo de extremamente consistente em termos de processo de decisão norte americana.

Em termos de Europa, passa-se exactamente o oposto. Os europeus são muito mais pró-palestinianos do que pró-israelitas. Isto curiosamente diminui imenso a nossa influência europeia junto do Estado de Israel, que eu neste momento julgo andar próximo do zero.

Portanto, quando nós dizemos, nós europeus vamos convencer Israel a negociar, eu temo que nós não vamos convencer Israel a negociar porque os israelitas pura e simplesmente não confiam em nós europeus.

A grande questão que se põe é pois, saber como é que é possível os Estados Unidos e em que circunstâncias os Estados Unidos, estão dispostos a tentar influenciar o Estado de Israel.

Porque é que isso não aconteceu agora? Penso que é isso que está implícito na pergunta.

Porque como Tucídides mostra, se um estado se sente ameaçado do ponto de vista existencial, e há muita gente em Israel que se sente ameaçada do ponto de vista existencial, a influência de um aliado é muito difícil. Penso que é muito difícil. Se nós portugueses nos sentíssemos ameaçados do ponto de vista existencial vocês estariam dispostos a ouvir um aliado distante que vos diz, olha afinal não é tão mau quanto isso? Provavelmente não.

Muitos israelitas provavelmente sentiram-se assim.

O que é inegável do meu ponto de vista, é que os Estados Unidos estão a pagar um preço pesadíssimo, por terem apoiado Israel, da maneira que apoiaram neste conflito, o preço parece-me que é muito elevado, o que nos deixa numa situação muito difícil não há muitas alavancas disponíveis, por parte dos principais actores na região, e é por isso que a situação é tão volátil, e é por isso que aquilo que está a acontecer no sul do Líbano é tão importante neste momento.
 
Pedro Azevedo
 Boa noite Sr. Professor. Muito boa noite a todos os presentes.

O Sr. Professor tem enfatizado a geografia da região, isso prende-se a uma temática que é particularmente importante, neste âmbito nós gostaríamos de saber até que ponto é que a geografia da água pode condicionar a região no futuro? Condicionar e contribuir para a instabilidade futura daquela região?

Muito obrigado.
 
Dr.Miguel Monjardino
Muito obrigado. Há um grande debate em termos académicos e políticos, sobre as questões da água.

E é evidente que como o grupo roxo, no fim de contas, sinaliza, as questões da água são muito importantes, muito importantes, no conflito israelo-palestiniano.

E naquilo que se chama a nova agenda da segurança internacional, discute-se muito, se poderão acontecer ou não guerras por causa da água.

Eu pessoalmente sou muito céptico, eu não conheço nenhuma guerra entre estados que tenha começado pela posse da água, há gente que discorda, eu pessoalmente sou muito céptico, mas reconheço, como o grupo roxo, que no fim de contas diz, que a questão da água entre israelitas e palestinianos, mas também, por exemplo, em todos os estados à volta da Turquia, por exemplo, é muito, muito importante.

Mas penso que a História recente também mostra que todos os estados que têm problemas de água têm conseguido resolver estes problemas do ponto de vista político, e não vejo a água como um recurso que seja propriamente finito, o que eu acho é que há grandes desperdícios a nível da água, a nível da gestão da água. Isso tanto se aplica à Europa como se aplica ao resto do mundo, e por exemplo países em ascensão como a China e a índia.

Portanto para recapitular, a água é obviamente muito importante no conflito israelo-palestiniano, mas eu não vejo ser por questões de água que vá haver uma guerra entre estados, ou que isso seja uma influência decisiva no conflito israelo-árabe. Tomara que fosse! Era sinal que estávamos na fase final do problema, o problema parece-me ser muito mais profundo e tem a ver com coisas tão antigas como o ódio, posse de território, questões culturais, questões religiosas, e é por isso que isto é um problema muito difícil de resolver.

Vejam, durante a História existiram sempre este tipo de problemas, quando nós olhamos para o futuro, uma das coisas que me deixa mais perplexo é que o futuro é sempre negro, terrível, o mundo vai acabar amanhã. Eu não acho que isso seja verdade, porque é que quando nós olhamos para o futuro o futuro tem que ser sempre mau? Eu não consigo perceber!

Nós portugueses nunca fomos tão ricos, e nunca vivemos tão bem como agora, oiçam, eu quando cheguei a Lisboa para estudar em 1980, não havia Coca Cola, não havia cigarros Marlboro, a televisão era a preto e branco, ninguém sabia o que era o McDonalds, Portugal era um país do terceiro mundo. Quando queríamos fazer o inter-rail nós dizíamos vamos à Europa, a Europa era uma coisa que começava para além dos Pirinéus! Nós nem Europa éramos! Nós não éramos nada! E é por isso que me custa sempre, embora eu reconheça que haja grandes problemas, nós nunca vivemos tão bem como agora.

E acho que devemos ser realistas em relação aos problemas que temos pela frente, mas acho que não devemos ser excessivamente cépticos, aliás, porque Portugal é um país um pouco de iô-iô, tanto estamos num optimismo exacerbado, para depois caímos no pessimismo mais profundo. É muito difícil governar um país como o nosso, não sei se já se aperceberam, portanto a contribuição que podem dar é um certo optimismo em relação ao futuro do país, e enfim, na maneira como nós gerimos a nossa vida.
 
Rita Cipriano
Boa noite!

O grupo azul quer agradecer ao Dr. Miguel Monjardino a sua presença na Universidade de Verão.

A nossa questão é a seguinte: já ouvimos afirmar que as relações de Portugal com países de língua oficial portuguesa seria uma das mais valias na Europa de afirmação no panorama internacional, qual a actual situação política e qual o caminho a seguir numa altura em que por exemplo, a Angola e o Brasil se afirmam cada vez mais internacionalmente?
 
Dr.Miguel Monjardino
Muito obrigado, grupo azul. Tenho grande relutância em relação a esta cor, apesar de estar vestido de azul.

Mas eu fui castigado porque os meus filhos são do Futebol Clube do Porto.

Muito obrigado pela sua pergunta.

Há várias maneiras de olhar para esta pergunta, e eu gostaria de olhar esta pergunta da seguinte maneira, a pergunta do meu ponto de vista é muito importante pelo seguinte, porque assinala uma escolha que tem muito a ver com aquilo que nós julgamos que Portugal é, ou deve ser.

Durante muitos anos, do meu ponto de vista, o momento em que este debate vai para o grande público, é curiosamente durante a crise do Iraque em 2003, e se eu tivesse que escolher um momento, em termos de debate público, eu escolheria um editorial do então director do Expresso, uma série de três editoriais em que o antigo director do Expresso, acho que é actual ou futuro Sol, põe esta questão de um ponto de vista muito claro, porque a crise do Iraque é muito interessante do ponto de vista conceptual do lugar de Portugal no mundo, porque mostra claramente que há duas escolhas possíveis para Portugal. Há uma escolha de um Portugal mais europeísta, e há uma escolha de um Portugal mais atlantista.

Estas duas visões têm consequências importantes, e os editoriais do então director do Expresso, são interessantes porque mostram claramente a consciência de que esta escolha está à nossa frente.

Eu não estou a dizer que se Portugal for apostar mais na sua dimensão europeia obviamente que as relações com o Brasil e Angola e o resto de África não são importantes, o que estou a dizer é que se a nossa opção geo-política for um Portugal atlantista, então aí, África e o Brasil são decisivos na afirmação desse processo geo-político, mas isso é uma escolha que nós todos temos que fazer. O que eu temo é que a escolha não seja muito clara hoje em dia outra vez. E a tentação natural dos decisores políticos é obviamente não escolher. Nenhum decisor político escolhe a não ser que seja obrigado a escolher. A tentação natural de um decisor político é chutar para canto. Adiar o problema, adiar o problema.

Mas essa é obviamente uma questão importante, e o que nós precisamos no fim de contas de perceber é do ponto de vista geo-político o que é que está a acontecer na Europa. Em que situação é que isto deixa Portugal? E se a situação for a marginalização portuguesa em termos geo-políticos, eu temo que  as únicas cartas que nos restam no baralho, por assim dizer, geo-político, sejam claramente a África e eventualmente o Brasil.

Mas eu não tenho a consciência clara, pelo menos eu, que essa escolha tenha sido feita do um ponto de vista claro, e acima de tudo que as pessoas nesta sala estejam conscientes do dilema geo-político que existe em Portugal, há medida que o processo de consolidação europeu vai ocorrendo, e à medida que esse processo de alargamento europeu vai ocorrendo.

Há um preço a pagar pelo sucesso da Europa, há um preço a pagar!

E o preço tem a ver com nós termos perfeita consciência do ponto de vista geo-político, o que é que significa o alargamento da Europa e o projecto europeu para Portugal.

Se nós não estivermos conscientes do problema, eu penso que aí nós vamos ter seríssimos problemas de afirmação numa Europa que é muito diferente daquela que era há alguns anos. Obrigado.
 
Ivo Santos
Boa noite!

Eu primeiro queria dar as Boas Vindas ao Dr. Monjardino nesta Universidade  de Verão, e a seguir gostaria de agradecer a toda a equipa da Universidade de Verão desde o áudio visual, a todos os conselheiros, aos avaliadores, à direcção da JSD, e principalmente ao grande impulsionador desta Universidade de Verão, ao deputado Carlos Coelho.

Dr. Miguel Monjardino, actualmente tem-se falado muito na segurança da União Europeia face a novas ameaças que podem surgir no seu exterior, no entanto, nos últimos tempos as maiores ameaças à segurança têm sido os atentados de fundamentalistas islâmicos, como por exemplo, Madrid e Londres, levados a cabo por cidadãos de passaportes europeus. Como encarar esta realidade? Obrigado.
 
Dr.Miguel Monjardino
 Muito obrigado. Eu acho que nós devemos encarar isso com enorme preocupação, eu a seguir ao 11 de Setembro estive logo envolvido numa série de debates porque por incrível que possa parecer, deixem-me pôr o problema assim, por incrível que possa parecer eu em 2001 estava nos Estados Unidos, fui convidado para vir para Portugal, e a primeira aula que eu dei de segurança internacional na Universidade Católica foi em Setembro de 2001. E normalmente peço todos os anos aos meus alunos para fazerem uma lista de cinco problemas de segurança internacional. Em 2001 o terrorismo nem sequer constava da lista, e isso para uma pessoa que trabalhava em segurança internacional como eu, eu não conseguia perceber, como é que era possível que nós na Europa não tivéssemos consciência do que é que estava a acontecer, pelo menos para muitas das pessoas que trabalhavam na área era evidente que vinha aí um grande problema.

O problema está connosco, e o problema é muito mais complicado e perigoso do que nós julgávamos após 2001, porque após 2001, a tentação natural da maior parte das pessoas pelo menos com quem eu falei é que este problema era um problema com os Estados Unidos. Era um problema com Israel, era um problema que não tinha nada a ver connosco.

Eu penso que hoje em dia nós começamos a perceber, especialmente depois do que o que aconteceu há umas semanas, que o problema é muito grave.

E o problema é muito grave porquê? Se forem ver os números, a maior parte dos atentados, como você disse, têm sido levado a cabo, ao contrário do que o que aconteceu no 11 de Setembro, que foi sobretudo levado a cabo por gente da Arábia Saudita e do Egipto, todos os últimos atentados na Europa têm sido levados a cabo por europeus, pessoas com passaporte europeu, cidadãos nascidos na Europa.

Isto levanta um problema muito complicado, e extraordinariamente grave do ponto de vista da segurança pública, e também do ponto de vista político e cultural, porque isto no fim de contas tem a ver com a enorme dificuldade em integrar nas nossas sociedades, muçulmanos. É disto que estamos a falar. E nós se formos a ver as pessoas que têm levado a cabo estes atentados, nós vemos que a pista vai dar praticamente sempre, dá sempre ao mesmo país, o Paquistão, sempre!

O Paquistão é hoje em dia um dos estados mais perigosos do mundo, altamente instável, com armas nucleares, com grande parte da Al Qaeda nas zonas tribais, um país com uma política interna extremamente instável  volátil, é um Estado que convém olhar com muita atenção. E esqueçam a fronteira com o Paquistão, a fronteira só existe em grande parte no mapa, se quiserem saber o que é que está a acontecer no Afeganistão olhem para o Paquistão.

E isto, a pista paquistanesa é uma pista muito importante para nós percebermos algumas das coisas que estão a acontecer na Europa, e eu sem querer ser alarmista, especialmente depois de ter dito que nós devemos nós devemos ter confiança no futuro, acho que nós na Europa nos devemos preparar para a possibilidade de virem a ocorrer novos tipos de atentados nas nossas cidades.

Provavelmente mais em países como Inglaterra, como na Alemanha onde recentemente foi descoberta uma tentativa por mero acaso, as bombas não explodiram por mero acaso. Vamos ter um gravíssimo problema de segurança interna, e vamos ser confrontados com um problema que os Estados Unidos curiosamente não têm, as comunidades muçulmanas nos Estados Unidos estão muito mais bem integradas na sociedade norte americana do que nas sociedades europeias.

Quando nós vamos à América, oiçam, qualquer pessoa pode ser americana, qualquer pessoa pode ser americano desde que jure fidelidade à Constituição norte americana. Será que nós na Europa podemos dizer o mesmo? Eu suspeito que não.

E portanto nós vamos ter um gravíssimo problema, que é saber como é que nós vamos, enfim, gerir toda esta questão, sem no entanto pôr em causa, a maneira como nós vivemos.

Porque eu penso que ninguém nesta sala tem grande interesse em lidar com este problema de uma maneira tão draconiana em que as nossas liberdades fundamentais sejam postas em causa, mas é um dilema complicado, mas é um dilema complicado para os decisores políticos saberem onde é que se traça a linha, entre a segurança e a liberdade, numa Europa que vive prodigiosamente bem, que é prodigiosamente rica, nós somos prodigiosamente ricos, com todos os problemas que nós temos europeus, se vocês olharem de fora da Europa para a maneira como nós vivemos, nós vivemos espectacularmente bem. Porque é que vocês julgam que dezenas e dezenas de pessoas de África arriscam a vida e morrem para tentar chegar à Europa?

Porque é que vocês acham que dezenas e dezenas de milhares de pessoas no sul da Ásia querem vir para a Europa?

É porque nós fomos espectacularmente bem sucedidos, agora há um preço a pagar, Timothy Garton Ash, um grande académico inglês tem escrito eloquentemente sobre isto, mas o que é mais perturbante se vocês virem o que as sondagens inglesas mostram sobre os membros de grande parte das comunidades muçulmanas em Inglaterra é deprimente.

É deprimente o que estas sondagens mostram, e é por isso que isto é um enorme desafio político para pessoas como os decisores políticos portugueses, os deputados portugueses, eurodeputados portugueses, e todas as pessoas que estão envolvidas na construção da Europa, na base de grande parte deste problema está saber como é que nós vamos lidar com grupos de muçulmanos nas nossas sociedades, isso é um grande problema para o futuro.
 
Sérgio Saruga
Em primeiro lugar boa noite, agradecer a presença do Dr. Miguel Monjardino, em nome do grupo castanho também queria-lhe colocar uma questão.

Todos sabemos que o Estado de Israel tem pouco mais de sessenta anos, originário do pós-segunda guerra mundial, anteriormente ao Estado de Israel os judeus sem Estado eram um povo nómada, a minha pergunta era a seguinte, a génese, só indo um pouco atrás, eu todos os dias a título profissional trabalho com israelitas, ou com judeus, como quiserem, eles gostam mais de serem tratados judeus do que israelitas.

Conheço uma pessoa que antes do conflito, em Haifa, fez contactos porque em Israel são obrigados a ir três anos ao serviço militar, é obrigatório, são três anos, esteve a fazer telefonemas para reservas para se destacarem para o norte de Israel, sul do Líbano.

A minha pergunta, e tendo em conta esta partilha profissional que tenho com estas pessoas, que me dizem, e que eu expliquei também em parte que no século XVIII, meados do século XVIII, século XIX, agora não sei precisa, que apelidam quase como um Mapa Cor de Rosa em África muito mal feito pelos europeus.

Sabemos nós que o holocausto foi a origem e o que originou a que os judeus quisessem um Estado na Terra Santa, o que essas pessoas me transmitem sempre é que um palestiniano por exemplo, diz que uma parede é cor de rosa, e eles vão sempre dizer que é azul ou vice-versa.

Eles dizem que isto é um conflito sem saber qual será o início e o fim.

E mais concretamente a pergunta era, será que após a II Guerra Mundial, não foi em termos de fronteiras estabelecidas, criado um mau Estado de Israel, ou com fronteiras mal criadas?

Obrigado.
 
Dr.Miguel Monjardino
Muito obrigado.

É difícil haver Estados com fronteiras perfeitas, especialmente numa região como o Médio Oriente, as fronteiras são resultado de difíceis compromissos políticos, e parte do problema que nós temos hoje em dia em lidar com o que se passa nessa região, é que nós estamos a falar de uma região, nós temos muita dificuldade em compreender, a maior parte das pessoas nesta sala acha que não vale a pena fazer a guerra, ninguém está disposto a morrer por nada, há cem anos na Europa a situação era bem diferente, havia muita gente na Europa disposta a morrer por determinadas coisas. No grande Médio Oriente a luta é muito dura, e tem a ver com coisas consideradas existenciais para todas as partes envolvidas, território, mesquitas, igrejas, rios. As lutas, os combates por esses tipos de coisas são sempre duríssimos, a intensidade dos interesses em jogo é brutal, e nós temos alguma dificuldade em perceber isto porque nós hoje em dia achámos um processo de negociação em termos europeus que prescinde disso tudo, nós já passámos por isso, nós no século XX suicidámo-nos, nós europeus suicidámo-nos e pagámos um preço pesadíssimo por isso. E o que nós vemos em Israel ou ao lado de Israel e em toda aquela região é um povo que esteve à beira de ser chacinado, e foi chacinado em grandes números que obviamente não está disposto a prescindir de ter o seu Estado. Nenhum judeu que eu conheça, quer ver o fim do Estado de Israel, e o que você tem também são muitas pessoas que querem eliminar o Estado de Israel. E depois há um grupo de pessoas que está a tentar por todos os meios, garantir que o problema seja resolvido de uma maneira que garanta a uns um Estado, com o Estado de Israel em segurança.

O problema que nós temos, como se isto não fosse suficientemente complicado, é que a carta de Israel ou o cartão do conflito israelo-palestiniano tem um enorme status político.

E porque é que o que está a acontecer na região é muito perigoso?

Vocês estão a assistir à transição da posse desse cartão dos líderes nacionalistas árabes Jordânia, Arábia Saudita, Egipto, para um novo grupo de pessoas que vai ser muito difícil lidar. E é esta transição que nós estamos a assistir, e no meio desta transição, estamos nós entrar no Líbano.

É por isso que eu digo que quando nós vamos para o Líbano, nós temos que ter consciência no que é que nos estamos a meter, e em que circunstâncias nos estamos a envolver, estamos a tentar interferir neste processo de transição da liderança nacionalista árabe que falhou, para uma liderança que é muito mais religiosa, e muito mais fanática, em relação a este tipo de coisas. E o combate contra o Estado de Israel é o cartão que garante a entrada a muitos decisores políticos altamente ambiciosos na luta política regional.

Portanto, Israel e a Palestina são um peão, num jogo político muito complicado. Portanto eu diria que o jogo tem dois níveis, o nível israelo-palestiniano, que é esse que a maior parte das pessoas prestam atenção, mas há um nível superior que tem a ver com a grande estratégia regional onde este cartão está a mudar de mão, e o grande campeão hoje em dia, da causa árabe, quem é que vocês vêem? É o líder do Hezbollah, e é cada vez mais o presidente iraniano.

Nós ao metermo-nos no meio neste processo temos que estar preparados política e psicologicamente para quão duro este processo pode ser. Oiçam, a UNIFIL está no Líbano deste 1978.

A UNIFIL 1. A missão da UNIFIL 1 foi a missão da ONU que perdeu mais gente, morreu mais gente nas missões da UNIFIL 1 do que eu qualquer outra missão da ONU, é disto que estamos a falar!

Portanto, vamos ter que ter paciência, eu não vejo isto a evoluir rapidamente, e há uma outra questão, e já que você falou de Israel, só para acabar, que é o seguinte; do ponto de vista dos mundos árabes, Israel é um enorme insulto, não só por estar lá, mas acima de tudo por ser espectacularmente bem sucedido.

É chocante ver o que é que os judeus conseguiram fazer num Estado que do ponto de vista territorial, não tem recursos não tem nada, o que é que Israel conseguiu fazer em cinquenta anos, e o que é que muitos estados árabes fizeram. A diferença é da noite para o dia.

E portanto é politicamente muito penoso para muitos árabes, verem não só Israel existir mas também Israel ser espectacularmente bem sucedido.

Porque não é pela ajuda externa, o Egipto recebe tanto a ajuda externa como o estado de Israel, dos Estados Unidos.

Portanto, o que é que o mundo árabe tem, um mundo que tem uma História gloriosa, um mundo que foi tão importante, para nos últimos anos, vocês conhecem alguma inovação do mundo árabe nos últimos vinte, trinta anos? Eu não conheço.

Nada! É um mundo que não produziu nada! Nada de significativo em termos internacionais nas últimas décadas.

A grande questão é saber porquê.

Porque é que isto acontece? Porque isto tem enormes consequências, porque vejam, eu estou a prestar atenção, eu não quero falar muito mas só quero dizer uma coisa, porque estou a ver para onde é que as perguntas vão, vocês vejam as perguntas que me têm feito, eu digo-vos, vocês não estão a falar daquilo que é mais significativo em termos de política internacional, vocês estão a falar daquilo que é mais visível, mas a vaga de fundo não é o Médio Oriente. O Médio Oriente não produziu nada nos últimos trinta anos, a não ser guerra, destruição e morte.

E o Médio Oriente não vai produzir nada nos próximos anos que seja politicamente significativo para a evolução do sistema internacional, a não ser, posturas militares, complicados problemas de política externa, a vaga que vem aí, tem toda a ver com a Ásia.

A vaga que vem aí, que já está aí, tem toda a ver com aquilo que nós chamamos da globalização. E o choque desta globalização com este mundo do grande Médio Oriente vai ser brutal.

A primeira consequência que vocês já estão a ver, é que todas as sociedades do Médio Oriente se vão tornar profundamente religiosas.

Todas. Sem excepção! Sem excepção.

Porque é a maneira que as sociedades que se sentem ameaçadas por um processo que mexe profundamente com a estrutura social dessas sociedades, que é uma estrutura extraordinariamente antiquada, a maneira mais rápida dessas sociedades lidarem com a mudança tem a ver com a religiosidade. Com a ideia da religião.

Há muita gente na Europa que acha que a religião é uma coisa sem interesse, eu garanto-vos que não é, e não é só por dar aulas na Universidade Católica, não é!

A ideia da religião, é uma ideia extraordinariamente poderosa do ponto de vista político.

E na Europa, as pessoas que pensam que a religião não é importante estão muito enganadas, a religião vai ser extraordinariamente importante. Principalmente nesta região que ao lidar com a mudança que vem da Ásia, e com processos tecnológicos, e económicos que estão aí, vão colocar em risco toda a estrutura política dessas sociedades, toda! E portanto o que vocês vão ver são homens e mulheres a refugiarem-se cada vez mais na ideia da religião, numa certa versão do Islão. E aquilo que é decisivo para nós é saber é qual é a versão do Islão que vai ganhar este debate interno no mundo islâmico. Isso é que vai ser realmente importante para o nosso futuro colectivo.

E o grande problema para nós é que nós não temos muitas armas para influenciar a escolha que vai ser feita nesse mundo. Portanto, não pensem só no Médio Oriente, oiça, eu trabalho em segurança internacional há vinte anos. Há vinte anos o problema era muito parecido.

Há aqui pessoas dos Açores, deixem-me contar-vos uma história; houve aqui um problema muito grande para o Governo, sobre se passou ou não passou um avião israelita na base das Lajes, ou quantos é que passaram, eu fico sempre um pouco perplexo com aquilo que a gente vê passar na base das Lajes e depois aquilo que aparece nos jornais em Lisboa, porque há uma certa discrepância, quando em Lisboa se diz um nós vemos seis, dez, vinte passar. Portanto, há uma certa discrepância. Mas eu em 1973, era muito pequenino, mas o meu pai levou-me a ver a enorme ponte aérea para o Estado de Israel, foi uma guerra muito difícil para o Estado de Israel, e tal como se diz hoje em dia, em 1973 toda a gente dizia que Israel tinha perdido.

Toda a gente dizia que Israel tinha perdido.

Portanto, quando me falam no Médio Oriente, eu lembro-me sempre em 1973, outra guerra, e antes disso houve outras. Portanto, o que vocês têm aqui é uma região altamente imóvel do ponto de vista da super estrutura política, que está a passar por um processo muito intenso de mudança, esse processo vai ser muito duro, muito difícil, mas aquilo que no fim de contas para nós europeus se calhar vai ser mais decisivo não é isso.

O Médio Oriente é um consumidor de segurança, o Médio Oriente não produz nada a não ser petróleo, e outro tipo de desgraças.

Mas o que está a acontecer na Ásia vai ter enormes consequências na maneira como nós vamos viver, enormes consequências.

Vocês, eu e vocês, temos que prestar muita atenção às consequências políticas e económicas do que está a acontecer na Ásia, porque, deixem-me dizer-vos uma coisa, nós estamos a assistir ao fim de um período, que nós europeus dominámos, e depois os americanos dominaram. Que é o período da enorme superioridade militar e económica do mundo euro-atlântico. Curiosamente fomos nós portugueses que inaugurámos com o Vasco da Gama.

Vasco da Gama quando chegou à índia, não conquistou o que conquistou porque os indianos acharam o Vasco da Gama simpático. Vasco da Gama foi um homem brutal, foi um homem brutal. Foi por isso que ele ganhou.

E o mundo nos últimos quinhentos anos foi dominado por nós europeus, norte americanos e russos,  esse mundo está a acabar.

Nós temos vinte, vinte e cinco anos para nos adaptarmos a um mundo radicalmente diferente daquele que nós conhecemos. Muito diferente! Oiçam, vocês não podem abrir as portas da economia internacional a três biliões de pessoas, China e Índia, e o que está à volta, sem isso ter consequências políticas



Não é possível! E isto traz enormes consequências para nós europeus, porque a maneira como nós europeus temos agido, não é suficiente para preservar a nossa influência no mundo daqui a vinte, vinte e cinco anos.

Eu já me alonguei, se vocês quiserem continuar sobre este tema eu depois poderei voltar a falar disso.

Mas era só para chamar a atenção porque é uma coisa que me está a intrigar, eu estou a ver as perguntas a irem todas numa direcção, que não é a direcção mais importante para o nosso futuro colectivo, principalmente para vocês que daqui quinze, vinte anos serão obviamente pessoas importantes.

 
Agostinho Pinho de Oliveira
Boa noite a todos!

O grupo amarelo cumprimenta em especial o Dr. Miguel Monjardino, dando-lhe as nossas sinceras boas vindas.

A nossa pergunta está um pouco deslocada relativamente às que têm sido feitas até então. Nós preocupamo-nos com a realidade da Coreia do Norte, gostaríamos de saber qual a influência geo-estratégia, e qual o perigo que ela pode representar num futuro próximo? Quais serão as consequências de um possível confronto desse país com as outras realidades?

Muito obrigado
 
Dr.Miguel Monjardino
Muito obrigado.

Olhe, eu vou dividir isto em vários níveis, ao nível militar se houver um conflito militar entre a Coreia do Norte, Coreia do Sul e aliados regionais, nós estamos a falar de um conflito militar absolutamente catastrófico. A capital da Coreia do Sul fica a cerca de trinta quilómetros da fronteira com a Coreia do Norte, nós estamos a falar da fronteira mais militarizada do mundo.

O potencial militar da Coreia do Norte nessa fronteira, em termos de mísseis e artilharia, é o suficiente para causar centenas de milhares de mortos, nos primeiros dias de um conflito militar.

Ao nível militar se isso viesse a acontecer nós estaríamos a falar de algo extraordinariamente complicado.

Segundo, nós sabemos muito pouco sobre a Coreia do Norte, sabemos que o seu líder usa tacão alto, sabemos que se veste de uma maneira esquisita, penteado à Elvis Presley, que adora cinema, até raptou se não me engano, uns actores japoneses, para tentar fazer uma indústria de cinema, sabemos que na Coreia do Norte há fome, houve canibalismo, e outras coisas terríveis. Sabemos também o seguinte, o principal apoiante regional da Coreia do Norte, a China, não tem interesse nenhum em ver este regime entrar em colapso.

E isto é muito curioso, porque há dez anos, toda a gente achava que a Coreia do Norte ia entrar em colapso e que a reunificação com a Coreia do Sul era uma questão de tempo.

Aqui há uma coisa perversa que é o efeito da unificação da Alemanha, os sul coreanos quando se aperceberam do preço que a Alemanha ocidental, por assim dizer, pagou, o preço político, o preço económico, as transferências maciças de dinheiro, para o leste alemão, ficaram com os pés frios, por assim dizer, e portanto o que nós temos é uma situação de impasse, nós temos a Coreia do Norte altamente fechada, numa região que está a mudar do ponto de vista geo-político, muito.

Isto está ligado com a resposta que eu dei há pouco.

Eu gostaria de chamar a atenção para o seguinte, eu penso que o principal problema da Coreia do Norte hoje em dia, não tem tanto a ver com o aventureirismo militar, mas tem mais a ver com o papel da Coreia no Norte na proliferação de tecnologias altamente sofisticadas, ou proliferação nuclear.

Os norte coreanos vendem tudo a quem tenha dinheiro para pagar.

Não é por acaso que decisores políticos e militares iranianos têm ido a PyongYang, não é por acaso que PyongYang está interessado em determinado em certo tipo de coisas, não é por acaso que PyongYang tem vendido a tecnologia de mísseis, tecnologia por exemplo ao Irão.

Os norte coreanos vendem tudo, droga, dólares, enfim nós também vendemos dólares, por aquilo que percebemos ontem, mas os norte coreanos vendem tudo. Tudo! Tudo!

E uma das coisas em que os norte coreanos são relativamente bons é em mísseis. E a tecnologia de mísseis vale muito dinheiro hoje em dia.

Gostava também de chamar a atenção para o seguinte, porque ligado ao problema de saber o que é que se faz com a Coreia, está toda a questão do relacionamento entre a China e do Japão. Prestem muita atenção a isto porque nós vamos ter um novo primeiro ministro japonês, nós não sabemos quem, mas tem havido muitos problemas nos últimos tempos, entre chineses, coreanos, incluo norte coreanos e sul coreanos e o Japão, nós estamos a assistir a uma coisa que é inédita na História, o Japão e a China serem política, militar e economicamente poderosos ao mesmo tempo. Isto nunca aconteceu nos últimos cento e cinquenta, duzentos anos.

Sempre que um foi forte, o outro era fraco, nós temos pela primeira vez na História nos últimos duzentos anos uma situação, que pode ser boa pode ser má, a China e o Japão serem fortes política, económica e militarmente ao mesmo tempo. Não há paralelo na História para isto, e é por isso que eu penso que devemos prestar atenção a isto.

Muito obrigado.
 
Francisco Castelo Branco
Muito boa noite! Um agradecimento ao Dr. Miguel Monjardino pela sua presença.

E ainda gostava de reiterar os agradecimentos a todos quantos participaram nesta iniciativa, em especial o nosso conselheiro Ricardo Leite.

Quanto à questão, gostava de saber, tendo a NATO sido criada com um propósito e num contexto, gostaria de saber se há espaço para ela no período pós 11 de Setembro
 
Dr.Miguel Monjardino
Muito obrigado.

Eu, claro, vocês tinham que ser os últimos, o grupo rosa, só podiam ficar para o fim, claro!

Há mais dois! Aaaaa! Isto é uma audiência benévola!

Em relação à NATO, a NATO foi a primeira instituição a oferecer ajuda aos Estados Unidos após o 11 de Setembro de 2001.

O artigo 5° da NATO, um ataque contra um estado membro é um ataque contra todos. Foi invocado pela Aliança, numa demonstração de solidariedade com os Estados Unidos.

Curiosamente houve muita gente no Pentágono que não gostou da ideia, e depois posso explicar porquê se quiserem, mas eu não me queria perder agora.

Temos duas questões aqui, que eu vou ser muito rápido.

Primeiro, o futuro da NATO passa pelo que está a acontecer no Afeganistão, hoje morreram catorze soldados ingleses no Afeganistão, num desastre de avião, têm morrido alguns, vinte e dois soldados ingleses, penso, nos últimos meses, dois meses, no Afeganistão.

A NATO tomou a decisão absolutamente crucial ao decidir que o Afeganistão, que o futuro da Aliança de certa maneira ia ser testado no Afeganistão.

Este combate está a ser um combate muito difícil.

E está a ser particularmente difícil no sul do país, que é onde estão os ingleses agora, portanto se nós quisermos ter uma boa indicação de para onde é que nós vamos, prestem atenção aos países que vão ter a coragem política de mandar os seus soldados para o sul do Afeganistão.

Estou a falar especificamente da Alemanha e da Holanda.

Uma coisa é ter soldados em Kabul, outra coisa é ter soldados no sul do Afeganistão.

Alexandre o Grande esteve no Afeganistão, e para aqueles que tiverem dúvidas, do que é que aconteceu, vale a pena ler a Campanha de Guerrilha altamente bem sucedida que foi feita por Alexandre o Grande.

Alexandre o Grande esteve quase a perder, e dos métodos que foram usados por Alexandre o Grande para prevalecer.

Há coisas que nós nunca devemos tentar fazer, sem saber a História, portanto, o futuro imediato da NATO passa muito por sabermos o que é que vai acontecer no Afeganistão.

E mais uma vez, voltando à primeira pergunta que me foi feita pelo Deputado Carlos Coelho, que preço é que nós europeus da Nato estamos realmente dispostos a pagar num país que ao longo da História tem tido uma história brutal.

Isso é a primeira questão.

Para além da retórica, para além da paz, da democracia, e dos direitos humanos, da retórica política, que preço é que nós estamos dispostos a pagar no terreno para conseguir pôr em prática os nossos objectivos.

Se nós não estivermos dispostos a pôr botas no chão, onde realmente interessa, eu sugiro que a nossa retórica política não passa disso, de retórica.

Sugiro também uma coisa, os nossos inimigos sabem que a maneira mais rápida de testar as nossas sociedades, é matar os nossos soldados.

A grande questão que se põe, se aceitarem este pressuposto, é quantas baixas é que nós estamos dispostos a aceitar pagar por tentar ajudar o Afeganistão a ser reconstruído.

Se nós não estivermos dispostos a pagar nenhum preço, então eu gostaria de sugerir que o futuro da NATO no Afeganistão, não será muito cor-de-rosa.

Outro tipo de questão que eu gostaria de levantar, gostaria também de chamar a vossa atenção para a Cimeira de Riga da NATO, que terá lugar em Novembro. Será uma Cimeira extraordinariamente importante, porque no fim de contas, vejam, quando Portugal foi para a Bósnia a meio da década de noventa, todos nós achámos que era um passo incrível, do ponto de vista geográfico, houve muita gente em Portugal que foi contra, a NATO hoje em dia está no Afeganistão, nós não estamos fora da área, nós estamos completamente fora da área, estamos na Ásia Central.

Isto é importante pelo seguinte, eu não quero ser cínico, mas é evidente que  NATO e a União Europeia, têm enormes interesses geo-políticos na área, enormes! Enormes! Enormes interesses geo-políticos!

E nós europeus estamos cada vez mais empenhados em ter uma voz a dizer no Cáucaso, e na Ásia Central.

É disso que nós estamos a falar. Influência, acesso, poder.

A Cimeira da NATO em Riga vai ser importante porque se calhar vai ser tomada uma decisão importante por exemplo, em relação à Geórgia e ao seu lugar na NATO, e ao seu relacionamento com a União Europeia.

Prestem atenção a isto porque é disto que nós estamos a falar.

E a grande questão no fim de contas que nós temos pela frente, vocês vão começar a ouvir falar muito numa coisa que se chama a NATO global. Ou seja, já não é uma NATO que actua nas zonas litorais das fronteiras europeias, é uma NATO eventualmente empenhada em desempenhar num papel muito importante na segurança internacional, em qualquer área em que seja preciso.

Mas essa é uma decisão que ainda não foi tomada, e que vai ter que ser tomada.

Obrigado.
 
Cláudio Almeida
Antes de mais queria agradecer ao Dr. Miguel Monjardino, a  presença aqui hoje na Universidade, mas antes disso também queria deixar uma palavra de preço à Magda, à nossa coordenadora do Grupo Laranja, e todo o espírito de equipa que se reuniu em torno desse grupo, um espírito de amizade e espero que saiamos daqui todos com mais sabedoria.

Também queria agradecer ao companheiro Carlos Colelho, se é que me permite chamá-lo companheiro, pela aprendizagem que nos deu, pela sabedoria que nos transmitiu, através dos convidados e através da sua pessoa, e toda a sua equipa essencialmente também. Relativamente à política internacional, e ao tema que o Dr. Miguel Monjardino veio cá tratar hoje. É um tema interessante, eu acho a meu ver que é interessante, porque eu sou estudante de Estudos Europeus e Política Internacional da Universidade dos Açores, e a questão que eu lhe queria fazer era a seguinte: relativamente aos Açores, a Base das Lajes é dada como ponto estratégico no meio do Atlântico, um ponto que tem influências com os Estados Unidos, nomeadamente, e até que ponto é que acha que podemos tirar benefício, dessa estratégia geo-política que existe a nível mundial para o desenvolvimento da Base das Lajes nos Açores, e o que é que caracteriza, o que é que acha do termo que eu lhe vou referir agora que é, material bélico não ofensivo e saberá essencialmente do que é que eu lhe estou a falar? Obrigado.
 
Dr.Miguel Monjardino
Muito obrigado.

Começando pelo final, material bélico não ofensivo eu não sei o que é. É uma daquelas expressões que os decisores políticos são obrigados a usar em situações penosas, eu suspeito que alguns de vocês vão ter que usar expressões semelhantes, são expressões ambíguas, escorregadias, enfim, para lidar com problemas que são obviamente complicados.

Eu não sei o que é material bélico não ofensivo.

Começando pela questão da Base porque é uma questão recorrente, nos Açores e no Continente.

Para efeitos, sem querer ser nada académico, mas para efeitos de conceptualização, acho que é muito importante dizer o seguinte, há três tipos de bases, essas bases são muito importantes para os Estados Unidos, porque os Estados Unidos são a potência aérea por excelência.

Projectar poder é aquilo que os Estados Unidos fazem bem! Isso é que distingue os Estados Unidos.

Há três tipos de bases, para vocês perceberem a história dos Açores, é importante ter consciência que há três tipos de bases. Há as bases que apoiam aquilo que se chama a mobilidade táctica, modalidade táctica é ter um avião na Portela, querem atacar o Porto. Ok? O meu caça levanta, bombardeia o Porto e volta. A base na Portela é uma base que apoia a minha mobilidade táctica. Há bases que apoiam a mobilidade operacional, aí o ângulo geográfico é maior, trata-se de partir da Portela para ir atacar um território que por exemplo está bastante mais distante. E depois há as bases que apoiam a mobilidade estratégica. Aí nós estamos a falar de distâncias muito grandes.

Os Açores pertencem à última categoria, apoiam a mobilidade estratégica dos Estados Unidos, ok? Ponto número. Ponto número dois, as bases realmente valiosas que dão acesso ao poder político, ao processo de decisão político são as bases que apoiam a mobilidade táctica.

Deixem-me dar-vos um exemplo, Kosovo 1999: foi uma operação muito complexa, altamente controversa na altura, onde morreram muitos civis, não tantos quantos morreram no Líbano, mas a distância não foi assim tão grande. E também se falou em ataques desproporcionados.

Os países europeus constituíram um grupo com a Secretária de Estado norte americana, para gerir o processo de decisão política, o que é que levantava destas bases, o que é que não levantava, como é que se fazia. A Itália não fazia parte desse grupo, só que a Itália tinha quinze ou dezasseis bases a serem usadas pelos aviões norte americanos. É claro! Não levou um dia para a Itália ser incluída nesse grupo. Bastava o governo italiano dizer nós não damos as bases a operação militar praticamente acabaria ou seria muito mais difícil.

Parêntesis para contar uma história: esse grupo estava em conferência telefónica e às tantas a Madeleine Allbrigth faz uma pergunta ao Joschka Fischer que era ministro dos negócios estrangeiros na altura, e o Joschka Fischer cala-se, cala-se, e de repente há um grito enorme do Joschka Fischer, mas uma coisa estridente, silêncio, e a Madeleine Allbrigth assim: Estás bem? Estás bem? E ele muito atrapalhado e depois diz, “Eh pá, o Manchester United acabou de meter o segundo golo contra o Bayern!” Foi naquela final de 1999 em que o Machester United meteu dois golos no último minuto do jogo.

Portanto, não é só o Bill Clinton que no processo de decisão político às vezes tem um outro tipo de actividade.

A um nível mais elevado do processo de decisão europeu, um decisor político pelos vistos a acreditar no que os jornais depois escreveram, está a ver um jogo de futebol obviamente importante.

O que eu quero dizer é o seguinte, o que deu influência política à Itália, o que deu influência política a vários países europeus foi as bases serem bases que apoiavam a mobilidade táctica da força aérea americana, ou como no caso inglês, as bases de onde partiam missões de bombardeiros estratégicos que iam bombardear directamente a Sérvia ou o Kosovo.

Nós até os conseguíamos ver na televisão.

Esse tipo de bases confere aos decisores políticos desses países, influência no processo de decisão.

As Lajes não estão nesse tipo de bases.

É a primeira coisa que nós temos que meter na cabeça, do meu ponto de vista, na cabeça, é que as Lajes não estão, não fazem parte desse tipo de bases.

Isto não quer dizer que as Lajes não sejam importantes, são evidentemente importantes, mas a questão decisiva que penso que você estava a aludir é, ok é importante, grande parte do problema português é provar que é importante.

Mas depois nós não prestamos muita atenção à pergunta que é decisiva e que exprime, penso que a frustração implícita na sua pergunta.

Ok é importante, e depois, o que é que nós ganhamos com isso?

Quais são as contra-partidas? O problema açoriano é particularmente complicado pelo seguinte, há um bolo da cooperação com os Estados Unidos, esse bolo a nível nacional é dividido por várias instituições, o Governo Regional dos Açores actual, como o antigo, entende que a fatia do bolo que lhe cabe é demasiado pequena tendo em conta a importância da base, mas a questão que se põe, é saber como é que é possível numa região autónoma que depende do orçamento de Estado, ter mais influência no processo de decisão político em Lisboa, e até agora apesar de toda a retórica, tem sido muito difícil.

E tem sido difícil eu gostaria de sugerir por várias coisas, a primeira é porque nós temos a mania que temos uma relação especial com os Estados Unidos, não há político português que não diga que Portugal tem uma relação especial com os Estados Unidos, o problema é que todos os decisores políticos europeus dizem que os seus países têm uma relação especial com os Estados Unidos. O problema é que a Austrália diz que tem uma relação especial com os Estados Unidos, o problema é que o Japão diz que tem uma relação especial com os Estados Unidos, toda a gente diz que tem uma relação especial com os Estados Unidos.

Do meu ponto de vista é absolutamente irrelevante dizer que temos uma relação especial com os Estados Unidos, a maior parte dos países ambiciona ter uma relação especial com os Estados Unidos.

E eu gostaria de sugerir que ao nível das relações especiais que existem na Europa, a portuguesa se calhar é a menor, ou das mais pequenas!

A Inglaterra é muito mais importante para os Estados Unidos, a Espanha é muito mais importante para os Estados Unidos, a Alemanha é muitíssimo mais importante para os Estados Unidos do que Portugal. É essa a realidade.

Portanto, invocar uma relação especial não prova rigorosamente nada. Não é por causa dos nossos emigrantes, os irlandeses têm uma comunidade de emigrantes nos Estados Unidos muito mais importante do que a nossa, não é? E eu podia sugerir muitos mais nomes!

Portanto o que é importante não é saber se nós temos uma relação especial com os Estados Unidos mas saber se os Estados Unidos têm uma relação especial connosco. Essa é que é a questão decisiva.

E eu penso que tudo pesado e considerado, os Estados Unidos tem relações especiais muito mais com outros países europeus do que connosco.

Nós não podemos olhar para a Base das Lajes como sendo a única base que os americanos têm na Europa, os americanos têm dezenas de bases na Europa. Acabaram de abrir uma na Bulgária. Decisiva, importantíssima.

Portanto, meu gostaria de sugerir que parte do problema a que você alude passa por compreendermos a maneira como os Estados Unidos estão a projectar o seu poder.

Houve uma alteração muito importante hoje em dia, ocorreu recentemente, e as Lajes mantiveram o seu lugar, ponto número um.

Ponto número dois, do ponto de vista político, como é que podemos tirar mais benefícios já que a situação actual não é satisfatória para o Governo Regional dos Açores?

Ainda não foi encontrada uma solução para este problema por uma razão muito simples, os Açores não estão contentes com a actual situação, mas o nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros e o poder político em Lisboa está, e enquanto esta situação se mantiver, eu penso que os decisores políticos dos Açores podem dizer o que quiserem que não vai ocorrer rigorosamente nada.

Mas, para acabar, gostaria também de sugerir uma coisa, é perfeitamente possível, eu penso que há gente nesta sala que explica como é que isso se faz, agitar a questão da Base das Lajes e do relacionamento com os Estados Unidos, para no fim de contas, a pessoa que faz isto não vai conseguir nada mas vai conseguir outra coisa, e vocês que estão enfim, na aprendizagem política, de certeza que terão pessoas que explicam como é que isso se faz, portanto é importante saber distinguir a retórica política para consumo geral daquilo que realmente está em jogo, e daquilo que os decisores políticos muitas vezes fazem e dizem em termos públicos, para terem cobertura para conseguirem coisas. E eu suspeito que muitas vezes a Base das Lajes dos Açores faz parte desse teatro político da negociação interna da distribuição de verbas e outro tipo de coisas.

Muito obrigado.
 
Dep. Carlos Coelho
Eu ouvi duas versões na altura Cláudio, ouvi a versão que você citou, de material militar não ofensivo, e ouvi a expressão material bélico de natureza não letal.

E eu consigo ver material bélico de natureza não letal, praticamente toda a engenharia militar, até instrumentos pesados de transporte de tropas são material bélico e não é letal, portanto admito que tenha havido uma terminologia criativa que alguém se esqueceu ou derrapou, e acabou por dizer uma coisa ligeiramente diferente. Que eu de facto ouvi as duas desculpas oficiais.

Embora eu concorde com o que o  Dr. Miguel Monjardino disse relativamente à razão de ser da expressão, para tentar esconder outra coisa qualquer.

Bem, Dr. Miguel Monjardino, nem as exigências da cortesia de nos despedirmos do nosso convidado, levam a que funcione como pretexto para eu falar depois de si. Temos uma tradição na Universidade de Verão que é dar a última palavra ao nosso convidado, que responderá à última pergunta, e deixará a sua última mensagem e portanto antes de dar a palavra ao último grupo é esta a oportunidade que eu tenho para reiterar os nossos agradecimentos pela sua disponibilidade como cidadão independente, em aceitar o nosso convite, e pela interessantíssima participação nesta Universidade de Verão que estão a ser o conjunto das respostas com que nos está a mimar.

E, antes de dar a palavra ao último grupo que é o grupo da casa, quero naturalmente agradecer ao grupo Bege a hospitalidade na vossa mesa, durante esta noite, é a última refeição, o último debate desta Universidade de Verão, é com o grupo bege que nos despedimos destas iniciativas e passo a a palavra à Isabel Costa Belo.
 
Isabel Costa Belo
Boa noite. Em nome do grupo Bege, uma vez que é a última intervenção do grupo, permita-me senhor director Carlos Coelho, umas breves palavras prévias. Estas palavras são para algumas pessoas que nos marcaram, a nossa coordenadora Inês Cassiano, é a mais nova e é mulher, e isso revela que é possível as pessoas mais jovens e sendo mulheres terem lugar.

Ao nosso conselheiro Ricardo Leite, que revelou sempre simpatia e mostrou sempre disponibilidade para ajudar o grupo. É com muito orgulho que foi o nosso conselheiro, obrigada. E à organização da Universidade de Verão que permitiu a nossa participação e um muito obrigada ao director desta universidade.

Queria agradecer a presença do Dr. Miguel Monjardino. Em nome do grupo bege, gostava de lhe colocar a seguinte questão: se o papel da Igreja Católica neste século XXI se resume apenas ao valor simbólico do Núncio Apostólico, ou ainda tem uma palavra a dizer da gestão dos conflitos internacionais?

Obrigada.
 
Dr.Miguel Monjardino
Muito obrigado.

Eu também gostaria de agradecer a maneira como fui recebido aqui pelo grupo bege, e pela nossa magnífica Inês Cassiano, e por todos aqui à minha volta.

Eu vou obviamente responder à pergunta, mas a Isabel falou das mulheres, e eu gostaria de dizer uma coisa muito simples.

Se olharem para a mais antiga democracia do mundo, Atenas, as mulheres em Atenas não desempenhavam papel rigorosamente nenhum, vocês conseguem ler a História da Guerra do Peloponeso e não há uma única referência a mulheres, não há um único nome de uma mulher.  Na Grécia Antiga, a sociedade que melhor educava as suas mulheres, era paradoxalmente a sociedade mais totalitária, Esparta. Esparta produziu grandes mulheres!

É um daqueles paradoxos que eu gostaria de chamar a atenção neste dia já que chamei tanto a atenção para os clássicos, é paradoxal que a sociedade mais totalitária do mundo antigo tenha produzido as mulheres mais bem educadas.

Em Atenas as mulheres não tinham direito a comer a mesma ração que os homens comiam. Não eram educadas, não saíam de casa, etc., etc.

Em Esparta as coisas eram obviamente muito, muito, muito diferentes. Tudo isto para vos dizer o quê? Se vocês quiserem ver hoje em dia para onde é que o mundo vai, ou para onde é que determinadas sociedades vão, olhem para a maneira como as mulheres são tratadas nessas sociedades. Olhem para a maneira como as mulheres são tratadas nessas sociedades.

Porque isso mostra muito bem qual é o futuro político e económico dessas sociedades.

Há também outra questão que é importante para os homens aqui presentes, e que eu gostaria de chamar a atenção na minha qualidade de professor numa universidade, é que cada vez mais os melhores alunos tendem a ser raparigas.

Portanto, para os homens aqui presentes preparem-se para o que aí vem porque é óbvio, estou a ouvir um certo burburinho na sala…

Preparem-se porque as sociedades europeias e norte americana, vão obviamente cada vez mais mulheres a desempenhar papéis cada vez mais importantes em termos empresariais, em termos políticos, e a todos os outros níveis.

Vão também ver que isso não está a acontecer em muitas outras sociedades, vão ver que isso não está a acontecer.

Por exemplo no Afeganistão, as escolas que ensinam raparigas, os professores tendem a ser mortos e as escolas destruídas. E é um pouco por isso que o Afeganistão continua a estar onde está, porque obviamente uma sociedade que trata mal metade dos seus habitantes é uma sociedade que à partida prescinde de metade da sua riqueza.

Portanto, prestem atenção quando olharem para o sistema internacional, se calhar prestem menos atenção aos exércitos, mas prestem mais atenção ao que as mulheres desses países estão a fazer.

Se lêem, se não lêem, se são empreendedoras ou se não são empreendedoras, se há liberdade económica ou não, o que é que elas podem ou não podem fazer, é muito importante prestar atenção a estes detalhes, que mostra muito bem como é que essas sociedades podem evoluir.

Em relação à pergunta que me foi feita, eu obviamente entendo tendo em conta aquilo que já vos disse, que a minha opinião pessoal, obviamente é que a Igreja Católica terá um papel extraordinariamente importante a desempenhar não só na nossa sociedade europeia, mas também, como a pergunta sugere, na mediação de conflitos e mesmo obviamente a nível da segurança internacional. Acredito firmemente nisto, não acredito nada que a ideia da religião seja uma ideia passada, embora admita que muitas sociedades europeias são cada vez mais seculares e a ideia da religião não é obviamente importante.

Mas, tendo em conta a História, e um olhar longo sobre a Historia, eu não conheço nenhuma sociedade ao longo da História que se tenha mantido à margem da religião durante séculos, não conheço. Conheço tentativas de abolir a ideia a religião, e ou eu estou muito enganado ou todas falharam. Todas!

Enfim, o Nazismo e o Comunismo, algumas das mais célebres tentativas de abolir completamente a ideia da religião, e não me parecem ter sido espectacularmente bem sucedidas. O mundo árabe secular também tentou manietar claramente a ideia da religião no grande Médio Oriente, e também não me parece que tenha sido espectacularmente bem sucedido. Portanto, eu vejo a ideia da religião a continuar a desempenhar um papel muito importante na política internacional.

Muito obrigado.