Revista de Imprensa
Registos Audio Fotografias
dia 3 - 10.00
Sessão de Avaliação da UNIV
dia 3 - 12.30
Sessão Formal de Encerramento
dia 3 - 14.00
Almoço de confraternização com UNIVs de 2003, 2004 e 2005
Economia: Há uma saída para a crise?
 
Dep. Carlos Coelho
Três notas prévias: um conjunto de colegas vossos, através das sugestões, chamou a atenção para a circunstância de não se saber qual é o objecto das conferências ao jantar, uma vez que no programa só consta o nome dos conferencistas e não dos temas. Foi uma opção deliberada em todas as universidades de Verão, até agora. Eu pensava que a informação já tinha circulado, mas pode não ter chegado a toda a gente. Vamos recordar as conferências que ainda vamos ter. Vamos ter, hoje à noite, aquele a quem chamam o Reitor da Universidade Católica do Porto: o Prof. Dr. Joaquim Azevedo que vem falar sobre Educação. Portanto o tema forte da conferência é Educação e Sistema Educativo. Amanhã, a conferência ao jantar será com o Prof. Dr. Rogério Carapuça, que é professor catedrático no Instituto Superior Técnico e é o Presidente da Novabase. É considerado uma das pessoas fundamentais no país, na ligação entre as empresas e a universidade. Portanto, vem-nos falar de Investigação e Desenvolvimento, do papel da inovação na competitividade da economia portuguesa e na afirmação internacional das nossas empresas. A última conferência ao jantar será do Dr. Miguel Monjardino que é analista de questões internacionais e vai falar da actualidade internacional, particularmente dos problemas geoestratégicos, com especial incidência no conflito israelo-palestiniano e na guerra no Líbano - que são as questões da actualidade - mas com um leque alargado de questões de política externa. Portanto, isto dá resposta às diversas sugestões que recebemos no sentido de revelar os temas das conferências, o que não é exactamente um grande segredo como vêm. Segundo: a seguir à Visita a Castelo de Vide - que demora sensivelmente uma hora, - está previsto um tempo livre que é um tempo de descontracção a meio da Universidade de Verão. Durante essa parte da tarde, dando resposta a algumas pessoas que sugeriram um contacto mais consistente de diálogo com o Presidente da JSD - Daniel Fangueiro - e comigo sobre temas diferentes, quer ele quer eu estaremos na zona do bar, entre o bar e a piscina, disponíveis para falar com quem quiser. Havia várias sugestões de falar com o Daniel sobre o afastamento dos jovens em relação à política, o funcionamento da JSD, as próximas iniciativas e, comigo, a questão dos voos da CIA. Portanto, quem quiser, na parte da tarde, informalmente, fazemos uma tertúlia lá fora.

Terceira e última coisa: alguns colegas vossos queixaram-se de que há grupos que estão a ser demasiados entusiastas nas perguntas e em vez de fazerem 1 pergunta fazem 3 ou 4, o que cerceia a iniciativa dos grupos seguintes. Recorda-se que devem fazer apenas 1 pergunta. Se todos formos disciplinados e se formos sucintos na pergunta - e o orador sucinto na resposta - haverá espaço para mais perguntas e todos poderão regressar “à antena”, como se diz em linguagem radiofónica.

E agora, em nosso nome, tenho o prazer de dar as boas vindas ao Dr. Vítor Bento que é um cidadão independente, licenciado em Economia e mestrado em Filosofia, que tem, como viram pelo currículo, um percurso consistente na área da análise financeira e das questões económicas. É actualmente o Presidente do Conselho de Administração da SIBS (a Sociedade Interbancária de Serviços), é um dos mais reputados economistas do país e é um daqueles economistas que não temos que censurar por 2 dias depois já não se verificarem as previsões que tinham feito. O Dr. Vítor Bento é um homem que se caracteriza pela sobriedade, pelo rigor da análise e pelo tratamento sério das questões económicas e financeiras. Tem como hobby a leitura, o cinema e a música; como comida preferida a originária da cozinha alentejana - portanto sente-se em casa aqui connosco em Castelo de Vide - e o peixe da nossa costa; o animal preferido é o cão, pela lealdade - que é aliás o animal mais votado pelos nossos convidados como animal preferido; o livro que nos sugere é “History of political philosophy”, editado por Leo Strauss e Joseph Cropsy, do serviço de imprensa da Universidade de Chicago; e o filme que sugere é “Lost in translation”; a principal qualidade que valoriza nas pessoas é a lealdade. Dr. Vítor Bento, muito obrigado por ter aceite o nosso convite. É uma honra para nós poder contar com a sua colaboração nesta universidade de Verão. A palavra é sua.
 
Dr.Vitor Bento
  1. Bom dia a todos. Em primeiro lugar quero agradecer o convite amável para estar aqui presente e a oportunidade de trocar impressões convosco. Espero conseguir chegar ao fim sem vos ter desapontado, sem vos ter deixado excessivamente entusiasmados, mas também sem vos ter tirado a esperança que é sempre necessária, nomeadamente para quem tem a vossa idade. Começaria por dizer que Portugal tem um problema. Não vale a pena tentarmos contornar, temos um problema. Podemos pintá-lo com diversas cores, mais claras, mais escuras, podemos olhar para ele de forma optimista ou pessimista, de forma construtiva ou destrutiva, mas temos de facto um problema. Julgo que muita gente reconhecerá esta descrição do problema. Se analisarmos os artigos de opinião que são publicados, muitas das opiniões que são expressas, podemos dizer que esta é uma descrição que muita gente partilhará. O problema é que esta descrição foi escrita há mais de 100 anos. Ou seja ao continuarmos a reconhecer a sua actualidade temos que reconhecer que o problema é endémico e recorrente. E sendo assim, isso é preocupante. Significa que é como as doenças crónicas: os seus efeitos podem ser amenizados, mas ela não desaparece. Bom, para falar sobre a economia portuguesa eu propunha começar por olhar para ela com uma lente panorâmica. É sempre muito importante, em tudo, sabermos de onde vimos, termos uma perspectiva do caminho porque é a única forma de podermos olhar para o ponto onde nos encontramos. Se soubermos o ponto onde nos encontramos, descontextualizado, falta-lhes uma característica fundamental que são os vectores de direcção. E portanto, em todas as actividades socais - e na política em particular - é fundamental conhecer a história. Para a economia é importante, mas dificilmente se será um bom político se não se conhecer a História do país, das ideias, da realidade com a qual temos que lidar. E, por isso, propunha um olhar de longo prazo sobre a economia portuguesa. E se olharmos, pelo menos desde que há registos estatísticos mais ou menos fiáveis, vemos que tivemos ao longo da nossa história um progresso lento, mas que o último século, e em particular a última metade do século XX, foi notável sob todos os pontos de vista. Cresceu-se muitíssimo mais durante essa segunda metade do século XX, em termos de PIB per capita, do que desde que há registo, ou seja, do que nos 5 séculos precedentes. Salvo erro, isto corresponde a uma proporção de 8 para 1, desde 1.500 em termos de PIB per capita. No entanto, os outros também cresceram e portanto, embora tenhamos tido um progresso absoluto notável, tivemos um progresso relativo menos notável, na medida em que fomos correndo mas os outros corriam mais do que nós e fomos perdendo posição. E isto é muito importante, é um elemento importante de registo: é possível progredir e mesmo assim perder. Quando nos comparamos em termos absolutos e olhamos para a história, nós somos muito mais ricos do que era a geração dos nossos pais e a minha seguramente, porque foi durante a minha geração que esta transformação se deu. Eu conheço a descrição da vida dos meus pais e dos meus avós e o seu tempo. O que era a vida nesse tempo e o que é hoje não tem comparação. Basta dizer que hoje em dia é frequentíssimo, as pessoas, num almoço ou num jantar, comerem metade do prato, deitarem o resto fora. Eu sou de uma geração onde isso era considerado pecado porque não se podia desperdiçar. Primeiro porque não havia e segundo porque havia muita gente que passava fome. Isto dá, de alguma forma, a ideia dos valores relativos. De facto, progrediu-se muito mas como nós vivemos num mundo onde há mais gente, se andarmos mais devagar que os outros, vamos ficando para trás na corrida. E nós, no aspecto humano, avaliamos muito em termos relativos. A nossa medida de felicidade é feita mais em termos relativos do que em termos absolutos. Não fora assim e hoje toda a gente por obrigação teria que ser mais feliz do que foram 3 ou 4 ou 5 gerações atrás. E os registos estatísticos que existem, não de há 5 gerações, mas desde o principio do século 20, feitos através de inquéritos constantes, sobre o estado de felicidade das pessoas, e a comparação desses inquéritos, dizem que as pessoas hoje não são mais felizes do que eram há 50 anos. Há o caso paradigmático do Japão, que há 50 anos era um país do terceiro mundo e que hoje é uma das potências mais desenvolvidas, mas o nível de felicidade percebida pelas pessoas hoje é igual ou inferior ao que era nos anos 30, quando o Japão era uma sociedade muito mais atrasada. E o nosso grande desastre, o período onde perdemos o pé foi precisamente o século 19, período no fundo que correspondeu à revolução industrial e à primeira globalização, oportunidades que nós perdemos e onde nos atrasámos. É exactamente o período onde viveu Eça. É claro que o problema surgiu antes de Eça o descrever. Nestas coisas, as causas não são imediatas, não é o que acontece num ano que gera o desastre do ano seguinte. Por vezes é acumulado ao longo de décadas ou de gerações. Há efeitos que vão tendo uma inércia própria que se vai revelar mais tarde. Há alguns factores que terão contribuído para este atraso que é comum a Portugal, a Espanha e à Itália também, em que perdemos, face aos países do norte da Europa. Perdemos esta vaga e foi aqui que nos tornámos, em termos relativos muito mais pobres. Enquanto nós andámos, na nossa época áurea, entre 80 a 90% do rendimento da média europeia, passámos, durante este período, para 40%. Depois, nomeadamente a partir das décadas de 50 e 60, voltámos a ter um período notável de convergência que neste momento está estagnado. Esta é, portanto, uma visão de longo prazo. Olhando para o tempo mais próximo, vemos que tivemos esse período de grande perda, nomeadamente o século 19 que foi um período de grande turbulência em Portugal. Tivemos as invasões francesas, tivemos a guerra, as revoluções liberais, a guerra civil entre liberais e miguelistas e, portanto, foi um período muito conturbado, de governos instáveis, de alternância de ditaduras com mais ou menos anarquia. Depois, sobretudo a seguir à 2ª guerra mundial, tivemos um período de convergência que coincidiu com a nossa entrada na EFTA. Depois tivemos ainda alguma turbulência com o período revolucionário dos choques petrolíferos entre 74 e 85. Entretanto, com a entrada na Comunidade Europeia tivemos um período de convergência notável, que praticamente quase nos permitiu recuperar o ponto mais alto onde já tínhamos estado em termos relativos mas agora estamos de novo numa quebra. Ou seja, aproximando a lente com que estamos a olhar para a Economia, verificamos que tivemos um período de grande convergência, depois tivemos uma estagnação, em que apesar de tudo não se perdeu muito em termos relativos, depois tivemos de novo uma convergência e agora estamos num período de divergência. E a grande questão que nos interessa saber mas para a qual não há resposta - porque nunca há resposta contemporânea para estas situações - é o que se vai passar nos anos seguintes. Porque isto pode ser uma fase em que rapidamente se retome ou pode ser um período de continua degradação como aquele que tivemos no século XIX. Mas o facto é que estamos a divergir há demasiado tempo. É talvez o período mais duradouro em que estamos a divergir continuamente. Portanto este é o problema principal que temos: esta divergência. Quais são os problemas graves que temos? Temos um problema a que em geral se dá muita pouca atenção. Pelo facto de estarmos no euro e financiarmos as nossas dívidas externas em moeda nacional - que é o euro - não temos crises cambiais e não nos apercebemos da gravidade deste problema que é o défice em percentagem do PIB. Como podem ver aqui neste período, nomeadamente a partir de 97 - embora nós tenhamos endemicamente uma certa tendência para ter défice - aqui é um período onde ele de facto se desregrou consideravelmente. Um dos factores importantes é, se olharmos para esta parte de cima, as transferências líquidas do resto do mundo, onde estão as remessas de emigrantes, e agora passaram também a estar as remessas de imigrantes como saídas, e as transferências da União Europeia. Historicamente, nomeadamente a partir para aí da década de 60, 70, isto era um valor estável que financiava a nossa economia e nos dava um sustentáculo muito forte na balança com o exterior e que nos permitia financiar um défice grande de bens e serviços, sem que isso perturbasse a balança global. Portanto esta componente que endemicamente nos foi sempre muito favorável, neste momento entrou em decréscimo e está praticamente a desaparecer. Não só porque deixámos de ter emigrantes e os emigrantes que tivemos passaram a ficar integrados nas sociedades de destino e a aplicar as suas poupanças lá, mas também porque passámos a ter imigrantes que agora transferem as poupanças deles para o exterior, e são um saque sobre a nossa economia. Se nós vivêssemos numa economia com moeda própria, isto obrigaria a que a taxa de câmbio estivesse a desvalorizar para acomodar a perda de um rendimento exterior permanente, sobretudo exportando mais. Isto é um problema a que hoje não se dá atenção mas o certo é que o acumular deste défice significa que nos vamos endividando perante o exterior e que, enquanto comunidade ficamos dependentes do exterior. As formas de resolvermos essa dependência são: ou pagar a dívida, mas para isso teríamos que criar superávites semelhantes durante muito tempo, o que é altamente improvável; ou vamos ter que vender os nossos activos ao estrangeiro e, portanto, vamos transferindo a propriedade da nossa economia para mãos estrangeiras e - caricaturando - passamos a fazer hambúrgueres dos outros. Se fizermos a média do nosso défice externo dos últimos 7 anos, para tirar as flutuações que acontecem anualmente, e compararmos a nível mundial, dos 175 países do FMI, nós somos o 5º pior. Abaixo de nós só estão a Estónia, a Letónia, o Azerbeijão e o Sudão. Se olharmos para o Azerbeijão, para a Letónia e para a Estónia, verificamos que têm taxas de crescimento do produto consideráveis. Portanto de todos os países que têm défice, nós somos o que temos a taxa de crescimento mais baixa, ou seja, o nosso défice não é um défice virtuoso que esteja a estimular um crescimento da economia. É um défice completamente vicioso, é uma situação negativa sobre todos os pontos de vista mas isto hoje em dia não preocupa a política económica porque não tem relevância cambial. Resulta, entre várias coisas, da perda de competitividade cambial, a taxa de câmbio real da moeda portuguesa fictícia, isto é do euro português, mas tendo em conta os custos de produção portuguesa, comparando a evolução do nível de preços em Portugal com a evolução do nível de preços no estrangeiro, utilizando os dados do EUROSTAT. Os dados do Banco de Portugal são ligeiramente diferentes mas usando os dados do EUROSTAT, a nossa moeda apreciou-se durante este período em 18%, portanto perdemos competitividade. O Banco de Portugal tem vários indicadores que, em termos globais, dão valores mais ou menos próximos. Se não forem 18% são 12%, dependendo dos indicadores e da base que utilizarmos. Temos vindo a perder quota de mercado nas exportações e o fraco crescimento que temos tido é alicerçado na procura interna. Daí que seja um indutor de importações. Grande parte daquela deterioração resulta do excesso de consumo em que a economia tem vivido face à sua capacidade produtiva, e que foi despoletado com a baixa das taxas de juro que ocorreu com a nossa entrada no euro e que de repente tornou toda a gente mais rica. Toda a gente passou a ter uma capacidade de endividamento que não tinha até aí, porque para mesma prestação mensal pode dever muito mais, para a mesma taxa de esforço pode dever muito mais e as pessoas aproveitaram a oportunidade dessa maior capacidade de endividamento para adquirir uma quantidade de coisas que ambicionavam, com que sonhavam, e que até aí não tinham tido a oportunidade de ter. Ou seja, do ponto de vista individual a acção de cada um é perfeitamente racional. Do ponto de vista colectivo é como se estivéssemos todos num barco e de repente alguém descobre que numa das margens há uma vista lindíssima e vai toda a gente para essa margem. O barco vira. Cada um tem o direito de ir ver a paisagem mas se todos forem ao mesmo tempo o barco vira. De alguma forma, foi o que nos aconteceu. A receita macro-económica para isto teria sido o Estado ter compensado este efeito gerando superávites orçamentais. Devia ter pedalado para trás, ao nível da poupança do sector público, para compensar o excesso de despesa do sector privado. O que aconteceu foi exactamente o contrário: o Estado aumentou, foi para o mesmo bordo e portanto ajudou o barco a virar. Como podem ver por aqui, a queda de poupança dá-se não apenas no sector privado mas muito no sector público também. Uma parte da despesa pública depende das taxas de juro, isto é não resulta da actividade discricionária dos governos. Se a taxa de juro for 20% e se a dívida for 100, o governo tem de gastar 20 para pagar juros. Se as taxas caem para 2%, o Estado só precisa de gastar 2, e portanto tem uma poupança de 18 que pode escolher poupar ou pode escolher gastar noutras coisas. O que se fez em Portugal foi gastar noutras coisas. Se nós olharmos para a segunda coluna, verificamos portanto que tem tido uma subida constante e permanente. Se virmos o que se passou entre 95 e 2005 vemos a queda significativa que teve a taxa de juro. Isto foi um bónus que o Estado recebeu. Este bónus correspondeu a cerca de 3,5% do PIB. Se  o Estado tivesse encaixado este bónus, e não o tivesse gasto em mais nada, nós hoje tínhamos o problema do défice resolvido. Bastava não ter feito nada, daquilo que são medidas discricionárias, para que o problema do défice hoje estivesse resolvido. Como foi gasto, continuámos a agravar o problema. Se olharmos para a Europa, vimos que apesar de tudo houve um esforço de contenção, quando nós tivemos um esforço, ou nem sequer foi esforço, de expansão. E tivemos uma série de promessas falhadas. Este gráfico também parece complicado mas eu vou, tentar simplificá-lo. Isto são os diversos programas de estabilidade e crescimento. Aqueles programas que os governos fazem para dizer que vão corrigir o défice nos próximos anos. Nunca é nos anos presentes, nos anos a seguir. Portanto, isto são os programas apresentados nestes anos. O que está para baixo é défice, para cima é correcção. Todos eles resolveriam o problema durante os anos subsequentes. O que aconteceu foi isto: é este que está aqui a carregado. Este programa é o mais recente, este nem sequer ainda pode ser confrontado porque não tem dados para ser confrontado. Foi apresentado pelo Ministro Campos e Cunha, em 2005. E portanto esta situação que nós temos tido de agravamento da situação deficitária do Estado torna o Estado e a sociedade incapazes de lidar com o problema do envelhecimento da população. Daí o tal problema da Segurança Social que é uma inevitabilidade. Os factores demográficos são praticamente incontroláveis, pelo menos no espaço das acções políticas. Há 50 anos atrás existiam 8 potenciais activos por cada potencial reformado. Em 2000, a proporção é de cerca de 4 para 1. Dentro de 50 anos a proporção esperada é de menos de 2 para 1. Portanto isto significa que é necessário que quem trabalha tenha que descontar mais ou quem recebe, quem está dependente desses valores, tem que perder muito. Esta equação não tem outra solução. Há outras soluções que amenizam o problema mas, simplificando é assim: ou se desconta mais ou se recebe menos. A não ser que se vá poupando noutras coisas. Mas como o que temos estado a fazer é aumentar as despesas, devíamos estar a criar folga no orçamento, para poder acomodar a necessidade de despesas que vêm aí com o envelhecimento da população, decorrentes não apenas das pensões, mas da saúde. Uma das razões porque hoje se vive mais é devido aos cuidados de saúde e aos avanços da medicina. Nós vivemos mais tempo sustentados pela medicina, e isso custa dinheiro. A nossa extensão de vida é socialmente cara e, portanto, temos de poupar noutro lado para sustentar esta componente, algo que não estamos a fazer. Portanto, o problema do défice público é um sério entrave ao nosso desenvolvimento. Pedindo emprestadas as palavras de terceiros, para terem mais credibilidade, isto é o que diz o relatório do Banco de Portugal, presumo que sobrescrito pelo seu Governador. Para não estar a plagiar, repito ou transcrevo aquilo que o próprio relatório diz, para caracterizar o entrave ao desenvolvimento que é apresentado pela situação actual das finanças públicas. Não sei se conseguem ler, todos?

Outro problema que temos, é uma perda de crescimento potencial. A capacidade de crescimento da Economia, quer esteja bem ou mal utilizada, tem vindo a cair. Enquanto na década de 60 tínhamos um potencial de crescimento na ordem dos 6%, actualmente temos um potencial de crescimento inferior a 2%. Ora um crescimento inferior a 2% não nos permite manter os ritmos de progresso a que estivemos habituados durante o século 20, e provavelmente não é suficiente sequer para acomodar o emprego que vai surgindo. Pode não ser suficiente - se isto não se modificar - para garantir pleno emprego de uma forma duradoura. Como podem ver nós temos vindo a piorar, mesmo face à área do euro. Portanto tivemos, durante muito tempo, uma evolução do potencial de crescimento mais ou menos paralela com a área do euro mas acima, e daí a convergência, porque crescíamos mais do que a média europeia, tínhamos um potencial de crescimento maior mas, actualmente, estamos com um potencial de crescimento menor e portanto isto é um mau indício para a nossa necessidade de convergência. Em grande parte porque a nossa produtividade se tornou estagnante. Sobretudo nos últimos anos, não estamos a conseguir fazer progredir a nossa produtividade de forma a conseguirmos crescer mais rapidamente com os recursos que temos. Como vêm, temos uma produtividade que é relativamente baixa, face à generalidade dos países, e portanto este é de um dos nossos grandes entraves. Assim, este tem que ser um campo de acção preferencial mas, para isto, não há receitas fáceis. Se houvesse já tinham sido aplicadas. Como há na gestão macroeconómica de curto prazo, sobretudo em medidas de despesa: poder aumentar o défice para estimular a procura, poder desvalorizar a moeda para estimular as exportações, gerir as taxas de juro, etc.

Os mecanismos habituais de gestão da política conjuntural não existem, não há receitas fáceis de aplicar para esta variável, até porque há componentes que têm a ver com componentes culturais, etc. E temos portanto um potencial de redução laboral. Não só a produtividade é baixa, como os recursos, a intensidade, estão num potencial de decréscimo. Porquê? Por causa do envelhecimento e da baixa das taxas de fertilidade que é um problema comum a toda a Europa e a todo o mundo ocidental mas é grave entre nós. Temos uma situação onde se prevê que a nossa população comece a decrescer mas a população activa decresce mais rapidamente do que a população porque como há um envelhecimento, a componente de inactivos reformados é maior. Isto implica que, se temos menos activos, para podermos ter uma distribuição que não sacrifique a distribuição per capita, temos que compensar com mais eficiência. Sob pena de vermos baixar o PIB per capita, ou seja haver um empobrecimento não apenas relativo mas absoluto.

Por outro lado, temos tido ao longo do tempo, uma notável incapacidade reformadora. Prometemos reformas, toda a gente fala de reformas, são necessárias reformas mas o que é certo - e mais uma vez volto a recorrer às palavras do Banco de Portugal - é que essas reformas tardam. Não são feitas, não tem havido a coragem suficiente porque envolvem destabilizações sociais. Implicam partir equilíbrios que estão estabelecidos e portanto ter consequências redestributivas que fazem as pessoas reagir e, por isso, nós temos vindo a adiar essas reformas. E esse adiamento desincentiva o investimento e provoca um não progresso da produtividade para além do nível onde já estamos. Esta incapacidade reformadora, mais uma vez, parece recorrente. Recorrendo ao Eça que tem muitas tiradas deste género sendo esta é uma delas, tirada da campanha alegre de há cento e tal anos onde encontramos uma descrição parecida com o que hoje encontramos nos jornais. É grave nós termos esta tendência endémica para nos prendermos a nós próprios.



Toda a gente fala muito do novo modelo económico. Portugal precisa de um novo modelo económico. Sim, está bem, e depois? Não é algo que se possa preparar. Nas sociedades livres e democráticas, não há modelos económicos que sejam desenhados. Nas sociedades controladas, soviéticas, aí sim aplica-se o modelo económico centralizado, decreta-se o que é que cada um há-de fazer. Em geral não resulta mas é possível aplicar um modelo económico pré-desenhado. Nas sociedades livres e democráticas não existem modelos pré-desenhados. Os decisores somos todos nós: consumidores, produtores, trabalhadores, no fundo as pessoas. Portanto, há uma multiplicidade de decisores independentes que interagem entre si e decidem livremente. E portanto aquilo que nós chamamos, do ponto de vista analítico, o modelo económico, é uma leitura a posteriori da forma como a sociedade se ajustou a determinadas formas de funcionamento. É o resultado da articulação espontânea aos incentivos que vão sendo criados e das instituições de que se dispõe. A única forma de mudar o modelo económico é actuar ao nível das instituições, criando instituições que sejam favoráveis ao investimento, à actividade económica, ao crescimento, e ter incentivos que levem as pessoas e os agentes económicos a agir no sentido desejado. Mas não há mais do que isso, não há um modelo que possa ser desenhado. Esquematicamente e utilizando, um modelo que é importado de um outro autor, podemos dizer que os factores do crescimento se podem ver ao nível exógeno mas o resto depende quase tudo das sociedades. Uns são parcialmente exógenos, como é o caso da capacidade de comércio e das instituições, o Estado de Direito, as leis e a justiça, os valores, a administração, a regulação, a estabilidade económica que é aplicada. No fundo tudo isto são resultados de acções ao dispor da sociedade, que podem influir na capacidade de crescimento. E depois há os factores que são totalmente endógenos, que são o trabalho, o capital, e a produtividade, que depende da inovação, da investigação, da formação, da organização e das infra-estruturas disponíveis.

Há uma saída para a crise? Haverá sempre. No fundo as sociedades humanas, as sociedades abertas têm sempre muitas saídas, mas umas vão dar a bons caminhos e outras vão dar a maus caminhos. Queria começar por acentuar um ponto: nos jornais saiu uma série de notícias sobre esta matéria, porque entretanto saíram umas publicações estrangeiras, nomeadamente da OCDE, que provocaram alguma discussão sobre a produtividade europeia e americana. É importante perceber que a riqueza é um misto de esforço e eficiência, não é apenas uma das coisas. E é importante por exemplo perceber que os Estados Unidos, por exemplo, têm um PIB per capita que é cerca de um terço superior à média europeia, à Europa dos 15. Aquilo que está mais ou menos “in the back of all minds” é que os americanos são mais eficientes do que a Europa. É verdade. Mas não é a verdade toda. De facto, os americanos têm cerca de 16% mais de produtividade por hora do que a Europa - eu acho que têm mais mas depois já explico porquê – o que explica metade desta diferença. Os outros 16% é porque trabalham mais. Não só têm mais população activa, como têm mais população empregada, isto é: da população disposta a trabalhar há mais proporção empregada do que na Europa, e trabalham mais horas do que na Europa, trabalham mais 8% de horas do que na Europa, não apenas no horário diário, mas têm menos férias. Na Europa qualquer dia haverá 3 meses de férias, o que é muito bom do ponto de vista do usufruto, mas depois tem estas consequências: criar menos riqueza. Do ponto de vista de gestão da felicidade, no binómio trabalho/lazer, obviamente que o lazer é sempre muito importante. Todos nós achamos importante podermo-nos dedicar a coisas que gostamos e se já ganhamos o suficiente, não precisamos de trabalhar mais e vamos usufruir disso. Mas não podemos esquecer que a persistência no trabalho gera mais riqueza, e gerando mais riqueza continuamente gera mais riqueza acumulada, e gerando mais riqueza acumulada gera mais poder, e portanto as sociedades mais ricas são mais poderosas. Depois não nos podemos queixar que os americanos podem e nós não podemos. Não podemos criar esta animosidade que hoje existe de que os americanos são maus, porque têm o poder todo e nós não temos poder nenhum; eles têm porque trabalharam para ele. E nós se quisermos, temos que trabalhar para ele também. Da mesma forma que os americanos têm poder militar porque não investiram no estado social, a Europa investiu no estado social porque tinha a protecção militar da América e portanto, não precisou de investir em defesa e por isso se tornou mais vulnerável. Pôde investir esses dinheiros na protecção social, e daí que tenha um estado social muito mais abrangente do que têm os Estados Unidos, mas porque havia o chapéu de chuva da protecção militar americana. Voltando à história, no caso português: Portugal tem uma taxa de esforço muito grande, nós de facto trabalhamos muito mais do que a Europa, quer em termos dos recursos utilizados quer em termos do número de horas que trabalhamos, mas temos uma produtividade que não chega a 60% da média europeia. Daí que o nosso PIB per capita seja apenas 2/3 da média europeia. Enquanto que a Espanha tem um esforço igual à média europeia só que tem uma produtividade muito maior do que a nossa, e daí que tenha um PIB per capita próximo da média europeia. Olhando de uma forma dinâmica para o que aconteceu nos últimos 10 anos, isto é o diferencial de crescimento face à média europeia. Não quer dizer que, quando temos aqui Portugal a crescer 1,3% não é em termos absolutos mas sim acima da média europeia; se a média europeia foi 5%, o crescimento de Portugal foi de 6,3% e por aí adiante. E portanto, o que se verifica durante estes 10 anos é que Portugal diminuiu o esforço e estabilizou a produtividade e isto explica que nós tenhamos divergido face à média europeia. Isso em 10 anos porque nos últimos 7 isto é mais grave face à média europeia. Durante este período, a Espanha teve uma convergência notável que foi devida sobretudo ao esforço uma vez que tinha muito desemprego que foi absorvendo e tem agora mais gente disposta a trabalhar. Provavelmente isto deve ser resultado de imigração. Mais gente disposta a trabalhar, mais gente empregue, conseguiu aumentar muito mais o emprego e portanto a taxa de esforço aumentou consideravelmente mesmo que o número de horas de trabalho se tenha mantido sensivelmente estável e a produtividade também não tenha variado. Quando eu dizia há pouco que eu achava que a diferença de produtividade entre a América e a Europa é maior do que aquela que as estatísticas dão é pelo seguinte: a nível macro, a produtividade é avaliada de uma forma diferente do que a nível micro. Como a Europa tem regulações laborais, nomeadamente de salário mínimo, e incidência fiscal que torna o trabalho mais caro do que nos Estados Unidos, isso significa que trabalhos de produtividade marginal mais baixa têm que ser excluídos, não são aceites. Ninguém emprega ninguém que produza 100 a pagar-lhe 120 e portanto as pessoas ficam desempregadas na Europa por a regulamentação não permitir que trabalhem abaixo de determinado valor. Isso significa que os empregos de produtividade marginal mais baixa, na Europa, estão excluídos. Como estão excluídos, a produtividade média aparece mais alta. Nos Estados Unidos, como não há restrições que impeçam empregos de produtividade marginal mais baixa, a produtividade média aparece mais baixa. Mas não são universos comparáveis. Para podermos comparar, tínhamos que tirar dos Estados Unidos os empregos de produtividade marginal que são rejeitados na Europa, e aí a produtividade média viria mais alta.

Olhando para o período mais recente, para o período de divergência acentuada, onde nós divergimos cerca de 9% face à média europeia, foi quase exclusivamente devido à perda de eficiência. Do ponto de vista do esforço, ele manteve-se mais ou menos inalterável. Até passámos a trabalhar mais, embora tivesse aumentado o desemprego. Enquanto em Espanha, neste período mais recente, a convergência se deve sobretudo à eficiência. E este é o nosso grande problema. E mais uma vez pedindo emprestadas a terceiros as palavras, neste caso de um relatório da OCDE sobre Portugal: Portugal está confrontado com uma série de desafios que tem que resolver. Tem que criar um enquadramento favorável para que as atitudes dos agentes se adaptem ao modelo económico que nós gostaríamos. Estabilizando as finanças públicas, melhorando o sistema da educação, modernizando a Economia, nomeadamente em termos de competitividade, e criar um ambiente mais dinâmico que seja favorável ao negócio. Ou seja, criar um ambiente que seja favorável ao emprego produtivo e que permita não desperdiçar recursos e também que estimule a produtividade. É necessário simplificar as leis laborais, eliminando-lhes as restrições que forçam a que haja mais emprego do que aquele que seria desejável. Os investidores não estão dispostos a empregar pessoas em determinadas condições. Nomeadamente se não as puderem despedir vão ter muito mais relutância em empregar pessoas porque não sabem se a actividade no momento está eufórica mas depois se vai cair. Há muita gente no desemprego que são convidadas para trabalhar e não querem porque o rendimento que têm do subsídio de desemprego é-lhes suficiente. Os incentivos têm que ser favoráveis à produtividade porque só a produtividade é que vai permitir preencher o tal gap: com recursos a cair, manter ou fazer crescer o PIB per capita. O problema da produtividade, é simultaneamente das empresas, da sociedade e do Estado, porque é a conjugação de muitos factores. O nível das empresas é obviamente importante. Depende do capital humano disponível, dos recursos e dos skills, depende do esforço. Na mão das empresas está sobretudo, o investimento em máquinas, em tecnologia, e na organização. Suponhamos que temos uma empresa que funciona em laboratório, consegue uma produtividade óptima, tem as máquinas, tem organização de processo, tem tudo para funcionar em condições. Sendo posta no meio da sociedade nunca vai atingir aquela produtividade. Porquê? Primeiro porque tem que lidar com pessoas e essas pessoas levam para o trabalho toda a sua bagagem cultural, toda a sua cultura, os seus valores, a sua atitude perante o trabalho, o absentísmo, o empenho, a ética. Esta é uma razão. Por exemplo, muitas vezes é dito: - As empresas é que funcionam mal porque os portugueses no Luxemburgo são produtivos. O Luxemburgo tem uma produtividade muito elevada e são sobretudo portugueses. Em Portugal a produtividade é baixa e são portugueses na mesma. As empresas é que não sabem trabalhar! Não! É que no Luxemburgo eles estão sujeitos à cultura do Luxemburgo, são sujeitos à ética de trabalho do Luxemburgo, e portanto adaptam-se ao ambiente cultural onde têm de viver. Uma distinção fundamental é que esta componente ambiental é completamente diferente lá e cá e isso, só por si, explica que o mesmo trabalhador seja menos produtivo cá e mais produtivo lá. Isto sem desvalorizar aquilo que é responsabilidade da gestão. Há também, ao nível da sociedade, toda uma série de elementos: as perversões sociais, a evasão fiscal, a corrupção, prejudicam as condições concorrenciais e portanto desincentivam as melhores empresas e incentivam as empresas esquemáticas. Isto é mais ou menos extenso, consoante a cultura tolere ou censure este tipo de comportamentos. Uma pessoa em Portugal está disposta a fugir aos impostos sem problema. Se calhar será censurado pelo vizinho se o não fizer. Mas se for para o Luxemburgo e fugir aos impostos é censurado. Uma vez quando fui a Londres - já há muitos anos - havia um problema de seca muito grande e fui transportado para o aeroporto num carro alugado, cujo motorista era um português que já estava há muitos anos em Inglaterra. E começamos a falar, obviamente em Português. E então contava ele que, por causa da seca, estava em vigor uma regra que proibia as pessoas de regar os jardins e de lavar os carros. E dizia ele que só podia fazer aquilo à noite quando os outros não estavam a ver. Ou seja, para um inglês não passava pela cabeça fazer isso. Se é uma regra é para cumprir! Quanto ao português, o único problema dele era se os vizinhos não viam. Mas tinha que prevaricar, porque nós estamos habituados. Se é regra, é para furar. Enquanto que na cultura anglo-saxónica: se é regra, é para cumprir. Portanto os vizinhos denunciam os comportamentos prevaricadores. Cá ninguém se atreveria a fazer isso. No fundo quem censurasse seria o próprio censurado. E isso ajuda a estimular aquilo que podemos chamar perversões sociais.

E depois temos a responsabilidade do Estado: o quadro legal, a administração da justiça, a administração pública, a fiscalidade, a burocracia, e por aí adiante. , A empresa tem que interagir com este quadro todo e portanto a tal empresa em laboratório, quando tem que depois ser confrontada com períodos de licenças e autorizações que levam imenso tempo, que implicam muita papelada, vai sacrificar a produtividade potencial. Tudo isto conjugado - para utilizar uma palavra que foi cunhada pelo Dr. Cadilhe, acho que de uma forma feliz - cria os chamados custos de contexto, que vão contaminar a produtividade potencial. Assim, a produtividade económica que resulta, é o resultado da produtividade potencial das empresas, mas contaminadas pelos custos de contexto.

Portanto para agir sobre a produtividade, é necessário agir dentro das empresas, mas é necessário agir sobretudo a este nível, e isto é uma acção da sociedade, uma acção do Estado. A sociedade precisa que lhe sejam criados os incentivos adequados ara ajustar os seus comportamentos. E obviamente um factor fundamental para o bom funcionamento de tudo é a confiança. Porque a confiança tem um valor económico muito importante que é diminuir os custos de transacção. Isto é: numa sociedade onde haja muita confiança, onde as pessoas têm confiança entre si e dependem da previsibilidade dos comportamentos dos outros, não precisam de tomar protecções. Confiam.

No fundo, se quiserem é como o trapezista que salta, sabendo que o outro o vai aparar, e portanto isso permite-lhe dar o salto. Se não houver confiança, o comportamento dos agentes tem que se precaver, seja através de seguros, seja através de contratos mais elaborados, de procedimentos mais complexos, para se fazer um acto têm que se fazer 3 ou 4 passos para garantir que o outro não fica com a coisa, etc. E portanto, tudo isso cria custos de transacção. E os custos de transacção, no fundo, são desperdício e diminuem o potencial produtivo. Portanto a confiança é um factor fundamental para o funcionamento de uma sociedade, não apenas do ponto de vista social estrito mas também do ponto de vista económico.

A educação é um problema sério,  para a qualificação dos recursos, no fundo para os skills, e portanto para a eficiência a educação é fundamental. E nós temos, falta aqui uma setinha, portanto esta é a nossa situação, uma das piores situações, em termos da população nos vários escalões etários que concluem o ensino secundário. Portanto, como vêm, nós estamos abaixo de tudo. Este facto, é de natureza cultural, as pessoas aceitam que não é valioso estudar; se estudarem estudam se não estudarem não estudam, não há uma censura social, nós não temos uma cultura de competição. Enquanto por exemplo para um asiático é impensável, um asiático, um chinês, um coreano, um fulano de Singapura etc. é impensável não procurar ser o melhor, não ter o máximo de estudos possível, não saber o mais possível, nós, não sabemos paciência , olhe sabemos jogar com game boy, isto é que é importante. Portanto é uma atitude de facto cultural e é de facto uma ineficácia do Estado. Porque nós somos dos países que mais gasta para o PIB per capita que temos, somos o país que mais gasta em educação para o PIB per capita que temos e, quase tudo o que gastamos, vai para salários de professores e de funcionários, quase tudo! Portanto aquilo que vai para investimento é residual. Isto é uma acção que depende do Estado e da sociedade como um todo. E este problema da educação é recorrente, portanto os nossos problemas sérios são endémicos. Isto é um mapa que dá o estado da literacia no tal século XIX, e onde o branco é a percentagem menor de literacia, portanto ou seja a maior percentagem de analfabetismo. Adivinhem onde é que isso está concentrado? Portugal, o sul de Espanha, e a Itália. Isto já há 100 anos, e daí o nosso atraso de há 100 anos, logo aquela grande divergência que tivemos, uma das grandes explicações é este atraso cultural, portanto é a iletracia que nós tínhamos, quando o norte da Europa já era todo letrado, e portanto apanhou a revolução industrial, este mapa é praticamente o mapa da riqueza de hoje. Isto é, o mapa da literacia de há 100 anos é o mapa da riqueza de hoje. Se pusermos aqui o PIB per capita dos vários países, e utilizando as mesmas cores, fica um mapa quase igual. Enfim temos que actuar reformando as instituições, e daí as reformas que têm sido feitas, é necessário maior liberalização e uma regulação mais eficiente para corrigir a deficiência que existe, a rigidez dos mercados. É necessária a reforma da educação para compensar o frágil capital humano que temos e para mudar as atitudes, isto é a formação tem que ter também uma componente que valorize uma ética de trabalho e uma ética no fundo de responsabilidade. A reforma da justiça também para actuar sobre as atitudes, porque se a justiça não funcionar, as atitudes deterioram-se. Se não houver sanção do mau comportamento, os maus comportamentos tendem a dominar, porque depois é um pouco a situação de quem se comporta mal ganha, e portanto é preciso um estoicismo muito grande para as pessoas se comportarem bem perdendo. É necessária a reforma do Estado, no fundo, para resolver a ineficiência do sector público em si e a despesa pública, e é necessária a reforma da Segurança Social, também para lidar com a despesa pública. Um outro factor que eu acho importante e que para mim, é talvez mais interessante, do que a definição de esquerdas/direitas que teve ontem em discussão e tem uma grande aderência à divisão esquerda/direita, não é uma aderência absoluta mas tem uma grande aderência, e que é tirada de um filósofo inglês do século passado, Michael Oakeshott, diz ele que a seguir ao feudalismo, portanto na sequência do feudalismo e das relações feudais, ou seja, quando a sociedade se libertou dos laços feudais, o homem foi confrontado com o desafio da sua individualidade. Assumiu-se como indivíduo, como indivíduo potencialmente livre, e a reacção a esse desafio da individualidade provocou dois tipos de reacções, dois tipos de reacções que se traduziram em dois tipos de moralidade; - moralidade é o conjunto de comportamentos que a sociedade aceita como boas e estimula, ou aceita como más e penaliza, portanto, no fundo, isto define uma moralidade, portanto quando nós achamos que é bom fazer isto ou fazer aquilo, nós incentivamos, se achamos que é mau censuramos, e portanto isto de alguma forma condiciona comportamentos -. Mas portanto desenvolveu duas atitudes que se traduziram em duas moralidades: Por um lado a moralidade de individualidade, do indivíduo que se assume como indivíduo, que assume a sua soberania moral, portanto ele é responsável pelos seus actos, que valoriza a escolha e o risco, e que valoriza a liberdade, ou seja é alguém que assume plenamente a sua individualidade e assume plenamente o risco, o risco e no fundo o prazer da liberdade, da sua soberania moral, que se assume como soberano de si próprio. E isto, uma moralidade baseada nestes valores, tem como consequência um estímulo da iniciativa privada, um governo reduzido ao mínimo e apenas como regulador, a actividade baseada na concorrência, portanto a concorrência ser no fundo a determinante de qualquer actividade e, o estímulo da diferença, o reconhecimento e o estímulo da diferença. Por outro lado, houve indivíduos que reagiram a esta libertação, a este desafio da individualidade com medo, com medo de se segurarem e portanto procuraram a protecção no colectivo, procuraram no fundo o rebanho, e que isso desenvolveu o que Oakeshott considera a moralidade do colectivismo, que é assente em valores do homem massa, o homem não indivíduo mas o homem como parte da massa, o primado do colectivo, portanto o colectivo prevalece sempre sobre o indivíduo, a fuga à escolha, portanto há alguém que escolha por nós e que ponha regras para todos e portanto para eu não ter que ter a carga da escolha e, valoriza a segurança face à liberdade. As consequências no fundo da aplicação desta moralidade é um Estado poderoso, um governo paternal, portanto as consequências políticas, isto é, a interacção política gera aquelas consequências ao nível das instituições: Estado poderoso, governo paternal, protecção, e uniformidade. E isto no fundo, para mim este é um modelo interpretativo mais valioso do que se quiserem o da esquerda/direita, embora, como digo, assenta muito bem à divisão tradicional de esquerda/direita. E nós vimos, por exemplo, enquanto as sociedades anglo-saxónicas se desenvolveram com uma predominância da moralidade individualidade, e daí que no fundo tenham tido os sucessos que tiveram, terão os seus custos, mas portando tiveram, têm os resultados que têm, as sociedades da Europa continental desenvolveram-se baseadas na moralidade do colectivismo. Não é por acaso que os modelos totalitários tenham nascido todos na Europa continental. Porque os modelos totalitários são o paroxismo da moralidade do colectivismo, sejam de direita ou de esquerda. Portanto, a moralidade do colectivismo gera de facto os governos totalitários porque corta, tende a cortar a liberdade. Nós se quisermos crescer mais temos que libertar mais, temos no fundo que ter um equilíbrio das duas moralidades, que se aproxime agora mais da moralidade da individualidade, dado que a moralidade do colectivismo irá cortar o potencial de crescimento sobretudo num contexto de globalização. E, mais uma vez voltando à história, voltando aos nossos problemas, e voltando aos nossos problemas recorrentes, se calhar nós temos de facto um problema sério de moralidade, nós temos provavelmente dominante uma moralidade para a mediania. Camilo Castelo Branco fazia este relato do que ele achava no fundo que existia em Portugal, que há uma tendência, uma reversão para a média, uma tendência para o aconchego, uma fuga à concorrência, à competitividade, e no fundo uma prevalência da moralidade do colectivismo, que ele detectava isto, e que eu acho que vigora de facto muito na nossa sociedade. Eu costumo dizer que na nossa sociedade prevalece o síndroma do jardineiro. Porquê o síndroma do jardineiro? Um jardineiro que seja responsável pela gestão de um jardim, como sabem um jardim tem canteiros e acima de tudo tem uma sebe à sua volta, portanto a preocupação do jardineiro, entre outras, é ter sempre a sua sebe alinhada, cada vez que um ramo desponta da sebe, ele vai lá e corta-o, porque senão desalinha a sebe. E nós temos de facto, a nossa sociedade tem uma moralidade que tem o síndroma do jardineiro, portanto corta todas, tende a rejeitar os ramos que se destacam da sebe, e portanto tende a prevalecer muito o funcionamento dentro da sebe, e o funcionamento dentro da sebe corta a iniciativa e corta no fundo o potencial. Pronto, e basicamente era esta a história que tinha para contar. Espero não vos ter despontado, não tenho receitas para o problema, mas espero que tenham compreendido.                   



 
Dep. Carlos Coelho
Bom para efectuar a primeira questão desta manhã, o grupo cinzento, Rita Pedro.
 
Rita Pedro
Bom dia, gostaria de agradecer em nome do grupo cinzento a presença do Dr. Vítor Bento nesta universidade, e colocar a seguinte questão: como referiu, a incapacidade reformadora é um dos principais problemas de Portugal. Talvez o problema de topo de tantos dos nossos problemas estruturais. Sabemos quais os problemas e a forma de os resolver. Mas os nossos agentes políticos, que podem pôr essas medidas em prática, não têm a coragem necessária de vencer a contestação social de medidas impopulares, prejudiciais ao seu peso na opinião pública. Mas, será este o verdadeiro entrave à saída da crise em que vivemos, ou terão os grandes grupos financeiros um papel de intervenção política maior do que o esperado? 
 
Dr.Vitor Bento
It’s a big one. Começando pelo final: eu julgo que os grupos financeiros têm o papel que têm em todas as sociedade, isto é todos os grupos, seja de que natureza forem, procuram defender os seus interesses, tentar os seus interesses, utilizar os meios que têm ao seu dispor, aproveitar as fraquezas dos outros grupos, sejam eles quais forem, e portanto num jogo de interacção social, cada um procura sempre ganhar vantagem e no fundo tornar desvantagens para os outros. Portanto os grupos financeiros, como quaisquer outros grupos sociais, fazem aquilo que podem fazer e fazem aquilo que os deixam fazer. Eu julgo que actuam dentro da legitimidade, mas se fizerem alguma coisa que não seja legítima compete ao Estado, no fundo, dentro do seu poder ordenador, estabelecer as regras para que a influência se cinja apenas ao âmbito em que o possam fazer. Eu acho que o problema é mais grave, eu acho que o problema tem um bocado a ver com aquela questão das moralidades e portanto com as atitudes. Eu acho que de facto nós não temos uma atitude, nós não temos socialmente uma atitude que estimule a mudança, que estimule o desafio, uma atitude disponível para o risco, por um lado. Por outro lado, eu acho que nós temos de facto uma perversão nos sistemas políticos actuais, que torna cada vez mais difícil funcionar e sobretudo que torna cada vez mais difícil fazer reformas com uma grande profundidade, e porquê? Enfim, como se dizia ontem à noite, havendo menos diferenças ideológicas na gestão, isto é não havendo modelos de sociedade muito divergentes em confronto, a gestão política, aquilo com que os partidos no fundo se confrontam é com uma gestão pragmática. E essa gestão pragmática não difere muito de uns para os outros. A governação do PS ou a governação do PSD não são substancialmente diferentes, obviamente são diferentes e por isso há alternativa, mas não são substancialmente diferentes em nada, digamos, de substancial, depende das circunstâncias, depende dos agentes, dos protagonistas, mas se quisermos dar um carácter muito ideológico, o PS fez coisas muito avançadas, o PSD fez coisas muito atrasadas, e vice-versa, e portanto a governação é muito pragmática, e portanto não há uma linha divisória para disputar eleitorado fora, digamos, deste pragmatismo, por um lado. Por outro lado, o modelo de funcionamento político tem vindo a estreitar muito a capacidade de funcionamento das democracias representativas. Tradicionalmente a democracia, as democracias que nós hoje conhecemos têm muito pouco tempo, com os mecanismos que nós todos conhecemos hoje têm muito pouco tempo e tradicionalmente as democracias, a democracia representativa funcionava numa base mista de democracia e daquilo que eu chamo instituições republicanas de controlo, que não são necessariamente democráticas, têm uma base democrática mas o seu funcionamento não é necessariamente democrático, mas portanto onde os governos eram eleitos, tinham 4 anos para governar e ao fim de 4 anos eram julgados, 4 ou 5 anos, iam para a rua ou continuavam, mas durante 4 anos tinham a liberdade de governar, havia instituições que vigiavam essa actividade, e no fundo balizavam essa actividade de forma a que ela não saísse de parâmetros aceitáveis, quer do ponto de vista da ética, do direito, quer da aceitação social e estou-me a referir a instituições como o Parlamento, como os tribunais e como, digamos, outras instituições sociais que as sociedades desenvolveram ao longo do tempo, de uma forma ou de outra, mas que de algum modo condicionavam ao governos, mas os governos não tinham de responder diariamente por aquilo que faziam. Ora bem, o que tem vindo a acontecer é que as instituições têm vindo a afunilar, nomeadamente através  de uma grande prevalência da comunicação social e das sondagens, para uma democracia que é referendária, ou seja os governos são referendados quase diariamente. E como são referendados quase diariamente, são quase diariamente obrigados a reagir ao grau de aceitação ou não que têm, portanto são quase obrigados diariamente a ter que aderir à popularidade. E como não há uma divergência fundamental, quem está na oposição, o único campo que tem de ganhar espaço é capitalizar os descontentamentos, no fundo, para tentar desviar a base eleitoral de quem está no governo. E portanto qualquer reforma, como qualquer reforma vai alterar os equilíbrios que existem num determinado momento, vai dar ganhadores e perdedores, os perdedores tornar-se-ão descontentes e quem está na oposição tem uma tentação quase irrenunciável de ir capitalizar esses descontentamentos e portanto vai ficar contra a reforma, no fundo vai tentar desvalorizar a reforma, seja por aspectos laterais seja por aspectos centrais. E isto vai cortar a iniciativa reformadora do governo. E isto vale para qualquer dos lados. E portanto isto de alguma forma corta muito a capacidade reformadora, independentemente da liberdade que cada um tem. Eu costumo dizer que no nosso país esta mudança deu-se no dia do buzinão da ponte 25 de Abril. No dia do buzinão da ponte 25 de Abril as condições de fazer política em Portugal mudaram radicalmente, vocês são muito novos não se lembram disso. Nesse dia, que aliás foi o primeiro grande evento político coberto pela televisões privadas, pela SIC em particular. E portanto aquilo foi um buzinão de contestação às portagens, e foi o que começou por fazer ruir a solidez do governo do prof. Cavaco. E porquê? Porque o movimento em si não valia nada, só que era liderado por fulanos que depois vieram mais tarde a ser presos por tráfico de droga, mas que na altura eram apresentados como heróis, porque exactamente a televisão os apresentava, porque nós temos que ver que a televisão tem um poder de mudar a realidade. Isto é, a realidade com que nós nos confrontamos politicamente não é a realidade real, é a realidade que nos é apresentada pela televisão. E a realidade que a televisão nos apresenta não é a realidade que aconteceu, é a realidade que ela extrai. Obviamente como não pode reproduzir toda a extensão, tem que extrair. Extrai, descontextualiza, porque tira-lhe a envolvente toda, isto é os fulanos com todo o seu background de prevaricadores, de traficantes, etc., ali aparecem como heróis, a imagem mostra descontentadores, é um herói. E reconstrói a história portanto reagrupa as partes e reconstrói a história, e essa depois é a realidade com que é confrontado o eleitor, o decisor, o cidadão político. E portanto nesse caso, em que foram apresentadas, no fundo, essas imagens de um fulano que desafiou a autoridade e como tal foi reprimido, e portanto levou umas cacetadas porque estava a desafiar autoridade, foi mostrado em directo a levar as cacetadas  e toda a gente sofreu aquelas cacetadas no seu corpo e portanto achou que o governo estava a fazer uma injustiça, porquê? Porque o que a televisão transmitia não era um acto de violação de um Estado de direito, era um acto de sublevação contra um governo injusto. E portanto, a partir desse momento a realidade política nunca mais passou a ser a mesma, nunca mais passou a lidar com a realidade, mas passou a lidar com uma realidade que é artificialmente criada, no fundo, pela comunicação social. Já agora, esse evento, esse evento do buzinão teve uma outra consequência notável, que os protagonistas provavelmente não se terão apercebido como se deveriam ter apercebido, nomeadamente o Primeiro Ministro subsequente, e que do meu ponto de vista, ou pelo menos para pessoas mais atentas, foi a descredibilização completa da autoridade do Estado. Que é: uma das pessoas que foi protagonista nesse evento e que ostensivamente passou a ponte sem pagar, ostensivamente, à frente das câmaras, portanto desafiou a autoridade, foi o Sr. Armando Vara, que 6 meses depois era responsável pelas polícias, era o secretário de estado responsável pelas polícias. Ora bem, do ponto de vista político, eu não contesto a legitimidade ou não de desafiar a autoridade, de fazer o que fazia, portanto podia fazer parte da agenda política, agora não cabe na cabeça de ninguém é que essa pessoa pudesse 6 meses depois ser responsável pela autoridade que ia ter que fazer aplicar as leis que ele próprio tinha violado, num Estado de direito, 6 meses antes. E portanto isto alterou, no fundo, a percepção com que os governos lidam. Portanto, e isto para lhe dizer que eu acho que de facto é muito difícil funcionar e por isso eu defendo há muito tempo, eu sei que isto é uma ideia que muita gente não partilha porque se calhar tem uma visão da política como ela devia ser, é que eu acho que é necessário haver um pacto entre os principiais partidos, relativamente àquilo que são as reformas fundamentais, pacto esse que deve ser feito antes das eleições, isto é quando não se sabe quem vai ganhar, e portanto quando o resultado não está determinado, porque depois das eleições, é sempre, quem está na oposição perde sempre muito em fazer um pacto, quem está na oposição perde mais em fazer o pacto do que quem está no governo, portanto isto tem que ser feito antes das eleições, um pacto onde se assumam um conjunto de compromissos relativamente àquilo que se está disposto a subscrever, e a aceitar de reformas fundamentais, sem prejuízo de depois divergir em tudo o resto. Mas pelo menos isso dá a garantia que quem for para o governo pode aplicar aquele conjunto de reformas, sem que o outro lado venha capitalizar os descontentamentos.
 
Tomás Ribeiro
Bom, antes de mais gostaria de agradecer ao Dr. Vítor Bento a interessante exposição que nos proporcionou hoje. E gostávamos de lhe perguntar, e mesmo tendo em conta que, até pela natureza da ciência económica, é muito difícil fazer previsões a médio e a longo prazo, gostaria de lhe perguntar se concorda com as recentes informações, recentes, enfim, de já há uns anos para cá, do prof. Medina Carreira, também classificado por alguns como o paladino da desgraça, que prevê no cenário, um cenário negro para Portugal, nomeadamente que no prazo de 15, 20 anos, o cenário inevitável é de uma inviabilidade económica. Gostaria de saber a sua opinião. Obrigado.         
 
Dr.Vitor Bento
Bom, a ciência económica de facto é limitada, é uma ciência não exacta. Eu por acaso tenho uma teoria, eu acho que a ciência económica se aproxima mais da física quântica do que da física tradicional, exactamente porque a física quântica funciona com partículas cujo comportamento também é imprevisível, é um comportamento que é baseado em probabilidades e não em determinismo. Portanto é assente num conjunto de probabilidades, e é no fundo o comportamento económico que, no fundo, resulta da acção dos vários agentes que são as partículas elementares. As partículas elementares na física quântica são na economia as pessoas, e portanto isto, a teorização é feita numa base probabilística e não numa base determinística, mas enfim isto é um fait divers. Mas relativamente às previsões, o prof. Miguel Beleza costuma dizer, para obviar a esse inconveniente das previsões serem falíveis, que um bom economista deve fazer é muitas, porque assim a probabilidade de se enganar é muito pequena, porque há de sempre acertar. Mas, relativamente ao Dr. Medina Carreira: o Dr. Medina Carreira, seja pessimista ou optimista, no fundo isso é irrelevante, o que é um facto é que as contas que ele tem apresentado, nunca ninguém as contestou. Há quem conteste as interpretações que ele faz, mas ninguém contestou as contas que ele faz. E era bom, no fundo, enfim, que se alguém estiver a contestar que conteste as contas que ele faz e diga: - não essas contas estão erradas, isto vai ser assim. Quanto às interpretações: também, isto é se os dados forem aceites, tem que ser demonstrado porque é que os mesmos dados vão dar a um caminho mais seguro. Agora inviabilidade económica não há, não há nenhum país em si que tenha falido, isso não existe. O que existe, e essa é que é a ameaça que temos, é o empobrecimento absoluto ou relativo. Portanto, os países podem ser mais pobres ou mais ricos, não fecham a casa, podem é não ter condições para a criação de riqueza e, quando se entra num caminho de perda económica entra-se num caminho de destabilização social e, portanto uma crise económica prolongada tem uma crise social associada, social e política. E portanto, esse de facto é um cenário provável se nada se fizer para alterar as circunstâncias. O que ele se limita é a alertar: os números são estes, extrapolando dão estes resultados, e estes resultados vão levar a um caminho mau, ou se faz alguma coisa ou de facto o caminho vai ser esse. E eu lembro que nada pode ser dado por garantido, porque a Argentina, no início do século XX, nos anos 30, a Argentina era dos países mais ricos do mundo. A Argentina era dos países mais ricos do mundo, e hoje é o que nós sabemos, depois de uma sucessão, no fundo, de más gestões e de crises, de má gestão política, e de sucessivas crises económicas e políticas, hoje é um país enfim, mais ou menos do terceiro mundo, com uma quantidade de problemas, mas no início do século 20 era dos países mais ricos do mundo. Tinha um nível de literacia muito maior do que Portugal, e hoje é o que é. Teoricamente é um cenário que nos pode acontecer. Compete-nos a nós todos, e a vocês muito em particular porque são no fundo a geração de quem vai depender a renovação, evitar que isso aconteça. Para isso é importante olharmos os sinais, não baixarmos os braços, não assumirmos a posição fatalista de que não há nada a fazer e portanto isto vai-nos acontecer, paciência, é o destino, que é um bocado a posição fatalista para que nós temos algumas tendência, está escrito, está escrito, portanto vai-nos acontecer, paciência, olhe temos que viver com isso, não! A realidade pode ser mudada, compete-nos a nós mudá-la. Mas que a ameaça é séria, é séria, e que os números no fundo apontam para isso.
 
Tânia Martins
Bom dia. Antes de mais gostaria de felicitar o Dr. Vítor Bento, pela feliz escolha da camisola com que se apresenta nesta universidade. O grupo amarelo gostaria de lhe colocar a seguinte questão: partilha da opinião, enquanto generalizada, que aponta o turismo como único vector rentável e aplicável no panorama da especificidade da realidade económica portuguesa? Obrigada.
 
Dr.Vitor Bento
Eu tenho uma opinião geral, isto é quando perguntam quais são os sectores melhores e os melhores investimentos, eu costumo sempre dizer, oiçam as opiniões todas, mas quem não investir lá, não é uma opinião suficientemente razoável para ser seguida, isto é: eu posso no fundo achar que teoricamente é uma actividade muito interessante mas se eu não puser lá dinheiro, não estou a ser suficientemente consequente com a minha previsão. Isto é, previsões de treinadores de bancada são sempre fáceis de dar, é preciso é jogar o jogo. Agora, de facto, olhando para os recursos que o país tem, o turismo é de facto uma das actividades fundamentais, na qual se deve alicerçar ou pelo menos apoiar qualquer estratégia de desenvolvimento. Será um desperdício de recursos desvalorizar ou desprezar aquilo que é uma riqueza provada que nós temos, que é o turismo. Agora isso requer uma quantidade de acções, enfim, que são mais difíceis depois de elaborar do que fazer este statement generalista, que é o único onde eu posso ir. Agora é necessário de facto qualificar o próprio turismo isto é, já não nos interessa ter o turismo pé descalço que tivemos na década de 70 e 80, que nos vinha trazer as divisas que nós precisamos urgentemente para poder comprar a comida para viver. Hoje esse turismo já não nos interessa, interessa-nos um turismo de qualidade que nos permita acrescentar valor e portanto que nos permita obter mais rendimento pelos mesmos recursos que temos, e isso implica qualificação, inclusivamente urbanística, e implica acabar com o caos e no fundo com a ganância que tem destruído uma boa parte dos recursos turísticos que nós temos. Nós, se quisermos ser uma reserva no fundo de pé descalço, não só nos vamos desvalorizar e como isso vai contribuir para o nosso empobrecimento relativo, pois isso há muito, muito mais barato e com muito mais atracções do que a nossa. Portanto temos que facto de investir na qualidade e convencer-nos de que o turismo não é apenas a praia, nós temos outros recursos muitíssimo valiosos. Olhe, esta zona do Alentejo que é uma zona lindíssima, temos a zona do Douro, temos uma história para valorizar, temos recursos naturais para valorizar, e é importante que nos habituemos também que o turismo não são apenas as praias e não são apenas as praias do Algarve.
 
Marlene de Oliveira Tinoco
Bom dia. Gostaria de saudar todos os presentes e em especial o Dr. Vítor Bento. A pergunta do grupo rosa é a seguinte: tendo em conta que actualmente, as micro, pequenas e médias empresas vivem muitas delas uma situação económica e financeira complicada, e que tem, no nosso ponto de vista, a ver com a actual crise económica em Portugal e na União Europeia, e por outro lado com a política fiscal deste governo, que medidas estão previstas para o novo quadro comunitário?
 
Dr.Vitor Bento
Eu não me lembro de nenhuma data...é assim, provavelmente a nossa memória também é selectiva, mas eu não me lembro de nenhuma data onde não ocorram um conjunto de eventos, um deles é que as PME não estejam em crise, que as vendas de Natal não estejam em risco de baixar, portanto há um conjunto digamos de ideias, enfim, que são sempre prevalecentes, o que significa que fazem parte da nossa vida, isto é, a vida é difícil para as PME. É difícil porque têm que lutar obviamente, a vida é difícil. Já tivemos crises tão ou mais graves do que a de hoje para elas, desse ponto de vista, já tivemos períodos, a crise do Vale do Ave, a crise da zona de Setúbal também dos anos 80, portanto não é em si uma situação que se possa considerar nova. Tem talvez, tem uma característica que a diferencia das outras crises, é que nas outras crises, como nós tínhamos o instrumento da desvalorização, portanto o instrumento cambial, era possível reequilibrar o terreno de concorrência internacional desvalorizando a moeda, e portanto dando uma nova condição de respiração às PME que trabalham sobretudo na zona exposta ao exterior. Isso agora acabou, o que significa que vão ter que concorrer apenas baseadas nas suas capacidades, e a sua actividade é muito confrontada com a concorrência dos países emergentes, portanto que é uma realidade nova, dos países emergentes que com a globalização oferecem o mesmo tipo de produtos, mas mais baratos porque têm recurso produtivos mais baratos. Não há nenhuma receita milagrosa que não passe por um aumento de eficiência dessas empresas. E o que vai acontecer, com apoios ou sem apoios, eu não conheço o quadro comunitário de apoio em detalhe para lhe dizer quais são as medidas que estão previstas mas, com ou sem apoio vai haver umas empresas que vão sobreviver, portanto que vão conseguir fazer o seu ajustamento, há outras que vão ficar pelo caminho, não têm viabilidade, não vão ter viabilidade. Portanto vão ter no fundo que ser mais inovadoras, vão ter que ter mais eficiência, e há sempre algumas que vão tendo. Eu quando era responsável pela gestão da dívida pública portuguesa, e portanto tinha que andar a vender a República pelo mundo inteiro para, no fundo, atrair investimentos para a dívida pública e, no fundo, para a economia portuguesa, havia uma apresentação que eu gostava muito de fazer, havia 2 slides, da apresentação que eu tinha sobre a economia, que eu gostava muito de fazer e que eram os seguintes: mostrava, isto nos anos 95, 96, 97, 98, e mostrava a estrutura das exportações portuguesas há dez anos, portanto em 85, e onde as principais exportações eram têxteis e vestuário, tinham para aí 30 e tal por cento das exportações, apareciam há cabeça na estrutura das exportações, e depois mostrava a estrutura da economia portuguesa há 10 anos. Passados 10 anos, com a entrada na Comunidade Europeia a estrutura é esta: e aparecia à frente nas principais exportações portuguesas máquinas e ferramentas, e material automóvel, salvo erro. Isto mostra uma alteração da estrutura produtiva portuguesa, uma transformação da qualidade, mas, e era este mas que me dava gozo particular, mas reparem, os têxteis e o vestuário continuam a ter uma percentagem muito elevada. Ora bem, isto que à primeira vista poderia ser um sinal de manutenção de atraso, não é se olharmos para outros factores; isto é que durante este período, a taxa de câmbio real da economia apreciou-se, eu já não me lembro, 20 e tal por cento. Ora bem, estas actividades são muito sensíveis ao preço, e portanto se mantêm esta quota de exportação tiveram que ter uma transformação radical do ponto de vista da sua eficiência. E estas que continuam a exportar com uma apreciação da taxa de câmbio real na ordem dos 30%, só continuam a exportar se tiverem aumentado muito a sua produtividade, portanto é notável que não apenas mudámos a estrutura das exportações, mas as exportações tradicionais já não assentam em modelos tradicionais de produção. Elas próprias fizeram a transformação do seu modelo tradicional de produção. E de facto, se for às empresas têxteis, verificaria que hoje são computadorizadas, enquanto antigamente eram as pessoas lá no tear delas, hoje estão computadorizadas, têm tudo programado, automaticamente, e portanto são eficientes desse ponto de vista. Se isso vai ser suficiente para concorrer com os países, com as Chinas, etc., que também já têm esses computadores, e que têm pessoal mais barato, resta saber, portanto vamos ter que continuar a inovar, isto é diferenciando-nos e em vez de no fundo concorrer pela comodity, isto é de produzir pano, vamos produzir pano com cheiros, que é já, não é figurativo, pano com cheiros, com toques especiais, com... enfim diferenciando, criando um factor que descomoditize o produto. Porque em concorrência há duas formas de concorrer: ou comoditizando, isto é, quando o produto é todo homogéneo a diferença é pelo preço, isto é, você quando vai ao supermercado e precisa de comprar sabonetes ou escolhe o mais barato, portanto acha que isto tudo lava e quer o mais barato, ou acredita que o Lux a torna numa estrela e está disposta a pagar mais 1 euro – eu não sei quanto é que custa -  mais 1 euro para ter o sonho ou a ilusão ou a percepção de que será uma estrela de cinema ou ficará com a pele mais suave ou que a pele ficará a brilhar. Portanto, significa que esse produto conseguiu-se diferenciar dos outros, seja pela sua composição seja pela publicidade, conseguiu-se diferenciar portanto vende-se com um valor mais elevado, se calhar custa tanto a produzir ou pouco mais do que o sabonete sem marca, mas consegue-se produzir. Eu por exemplo, agora durante as férias estive na Escócia, fui a um supermercado e reparei, com grande pena minha, que os únicos vinhos portugueses que estavam à venda nesse supermercado, isto era salvo erro em Edimburgo, tirando o Mateus Rosé, os únicos vinhos portugueses que estavam à venda no supermercado eram com a marca do supermercado. Isto quer dizer que vinho português, tinha do Douro, do Alentejo, mas a marca era do supermercado, portanto aquele vinho estava ser vendido pelo preço, e portanto significa que não tivemos a capacidade ainda, no fundo de estabelecer uma marca. Um vinho francês, mesmo que seja a maior zurrapa, toda a gente, sobretudo os não conhecedores de vinhos, estão dispostos a pagar mais X para comprar um vinho francês mesmo que seja pior do que os vinhos correntes que nós temos, porque os franceses conseguiram no fundo afirmar essa diferenciação que ficou na cabeça das pessoas, como sendo bons vinhos. Nós, a propósito do Mateus, nós temos uma certa tendência para destruir um pouco o que é nosso. E eu lembro-me, já fiz parte desse grupo, hoje felizmente já me curei, de cada vez que um estrangeiro fale connosco: - ah! Portugal, Mateus Rosé, I like very much... Ah, isso não é vinho, a nós temos vinho a sério, isso não é vinho. Isto é a pior coisa que nós podemos fazer. Quer dizer, se de facto o estrangeiro gosta do Mateus Rosé, é por aquilo de facto satisfaz a sua necessidade. E nós de facto devemos é sentir orgulho, por termos uma marca de que os outros gostam. Se nós não gostamos, nós não bebemos, mas não vamos destruir, porque se calhar ele agora a seguir já não vai comprar essa garrafa, vai comprar outra - Ah, afinal isto não vale, nem os portugueses gostam dele, isto não vale nada - não vai comprar. E o Mateus Rosé é a única marca global que nós temos, não temos mais nenhuma marca global que seja reconhecida em todo o mundo, é o Mateus Rosé. E nós, enfim com um certo pretenciosismo provinciano, achamos que aquilo não é vinho, - isto é uma coisa para inglês beber, a gente não bebe isto. Mas portanto é necessário sobretudo apostarem na diferenciação, na eficiência, e no aumento da qualidade, com apoios ou sem apoios, porque os apoios só... A pior coisa que o Estado pode fazer, isto para utilizar um chavão, porque estas coisas do chavão, a pior coisa que o Estado pode fazer é prolongar o passado das empresas sem futuro, porque isso é deitar dinheiro fora.
 
Silvério Regalado
Antes de mais muito bom dia a todos, e em particular ao Dr. Vítor Bento, agradecer-lhe a sua presença e acima de tudo a sua exposição brilhante. Neste momento há vários assuntos que preocupam os jovens. E há um que nos preocupa a nós em particular, e para o qual gostaríamos de obter uma resposta do Dr.: a questão da Segurança Social. É uma realidade que a Segurança Social está neste momento em crise. É uma crise que muitas vezes é agravada por declarações, digamos, que menos responsáveis de alguns responsáveis políticos, mas o que é facto é que é uma realidade. E o que nós gostaríamos de saber era se é a favor, e se for favorável, qual a sustentabilidade de um sistema misto de Segurança Social, com uma parte privada e com uma parte pública, e isto em relação quer ao sector privado quer ao sector público, ou seja a rentabilidade e a sustentabilidade do sistema quer para os privados que decidam investir no negócio, quer para o sector público. Obrigado.          
 
Dr.Vitor Bento
Eu por convicção defendo que os sistemas devem ser mistos, de facto deve haver um sistema generalizado básico e depois deve haver, enfim, cada um deve tomar conta da sua componente adicional, responsabilizando-se no fundo por ela. Isto como ideia geral, portanto sou a favor de facto de sistemas mistos. O grande problema, um dos problemas é que é difícil passar de uma situação para outra, por causa do financiamento. Quando há um sistema que já é totalmente abrangente, se se tirarem os contributos mais valiosos torna-se difícil sustentar aquilo que está, portanto implica ir buscar ao orçamento a compensação, pelo menos temporária, para isso, porque no fundo o que se está a transaccionar é menos responsabilidades no futuro por menos contribuições presentes, e portanto isso é muito difícil, eu percebo que é muito difícil de gerir, mas eu sou a favor disso. Mas já agora, sobre a Segurança Social, queria dizer duas ou três coisas que são um bocadinho contra a maré, eu às vezes gosto de ser provocativo face a algumas, àquilo que é a corrente dominante entre os meus colegas, e dizer que os sistemas privados, os sistemas de capitalização se quiser, não são necessariamente melhores do que os sistemas per as equal, não são necessariamente melhores, são melhores se, há determinadas condições que os tornam melhores nomeadamente se isso gerar mais poupança, digamos se o facto da capitalização gerar mais poupança, e essa poupança gerar mais investimento e esse investimento gerar mais produtividade, logo gerar mais riqueza. Se esta cadeia se cumprir, de facto o modelo de capitalização é vantajoso, por estes efeitos indirectos, pelos efeitos directos em si não é relevante porque os sistemas de capitalização não acumulam produção. Se conhecerem a parábola da bíblia do José do Egipto, em que portanto previam os anos de abundância e depois seguiam os anos de seca, isso permitiu durante os 7 anos de abundância guardar trigo nos celeiros, para depois quando vieram os anos de fome, esse trigo ser distribuído. Os sistemas de capitalização não guardam produção para ser distribuída no futuro, guardam é direitos de saque sobre a produção futura, e esses direitos de saque têm que ser exercidos no futuro, e vão ser sacados sobre os que produzem no futuro, e portanto vai depender da capacidade, vontade ou disponibilidade dos produtores do futuro de honrarem ou não esses direitos de saque que são emitidos actualmente. Portanto, enfim, não são necessariamente melhores. Segundo, não é garantido que os fundos de pensões consigam garantir o que prometem garantir a longo prazo, porque no fundo baseiam-se numa quantidade de pressupostos que têm de se verificar, se não se verificarem...Nomeadamente, as contribuições são calculadas com base numa presunção de rentabilidade que esses activos vão ter durante a vida, a vida do fundo, e uma presunção de duração do saque, isto é de esperança de vida de quem se vai reformar. Se estes parâmetros se alterarem... Por exemplo, nomeadamente suponha que os fundos de pensões estão a prever uma taxa de capitalização de 5%, mas que nos próximos 30 anos a economia não consegue gerar uma capitalização superior a 3%, o que está a ser acumulado não vai ser suficiente para pagar. Portanto depende do cumprimento no fundo desses factores. Enquanto que os modelos estatais de garantia da contribuição, vai sempre ser pago, porque o Estado tem a capacidade de cobrar impostos. O “vai sempre ser pago”, também é interrogado, porque no momento da distribuição vai haver sempre um conflito entre quem tem que partilhar aquilo que produz e aqueles que querem receber, entre os activos e os inactivos, e esse conflito pode obrigar a cobrar mais de quem tem que contribuir, ou a dar menos a quem tem que receber, portanto ou a desvalorizar aquilo que se tem que receber. Enfim, eu podia elaborar um pouco mais tecnicamente, com eco no caso dos modelos de capitalização, esta desvalorização, se se proporcionem... mas enfim só muito rapidamente suponha mesmo que o fundo está totalmente capitalizado e que vivemos em economia fechada, e que no futuro o número de pensionistas passa a ser maior do que número de contribuintes, por força da demografia como é natural. Há um momento, onde vai passar a haver mais beneficiários do que contribuintes. Nesse momento, o fundo, para pagar as pensões deixa de pagar apenas com o rendimento dos activos que tem, admitimos que tem os activos todos investidos em acções, para ser simples, vai deixar de pagar apenas com o rendimento porque o rendimento não chega, vai ter que começar a vender os activos, vai ter que começar a vender as acções. Se isso implicar uma grande venda de acções para a qual não haja procura, as acções vão cair, e ao cair o valor para distribuir é menor e portanto isso vai desvalorizar o montante a pagar, portanto, isto é mais complexo, é mais técnico. Mas portanto a resposta, se quiser voltando ao princípio, eu defendo os modelos mistos, acho que é o ideal.
 
Luís Sardinha
Bom dia. Sr. Dr. a nossa pergunta prende-se com a adesão do Portugal ao euro. E tendo em conta a actual conjuntura económica, o grupo bege gostaria de saber se a existência de uma moeda única veio, digamos, agravar a actual crise económica ou se pelo contrário, serviu como a existência de um escudo protector que acabou por evitar os ataques especulativos à moeda nacional. Obrigado.

 
Dr.Vitor Bento
Começando um pouco por fazer história, eu fui um dos grandes entusiastas do euro mas um entusiasta efectivo. Eu na altura em que se prepararam as coisas eu estava no Banco de Portugal, e era responsável directamente pela política cambial, tinha responsabilidade directa da execução da política cambial. Estamos a falar de 90, 91, 92, 93, 94, quando houve uma série de crises cambiais, quando as taxas de juro tiveram que ser elevadas a valores muito altos e, num tempo em que não devia haver no país mais do que 10 pessoas, (felizmente uma delas era o Primeiro Ministro, outra era o ministro das finanças), que acreditavam que era possível e que acreditavam que devia ser feito. A generalidade...

Lado B

…das pessoas eram na altura desfavoráveis ou eram desfavoráveis aos sacrifícios ou eram desfavoráveis à entrada, à entrada de Portugal no euro no momento em que entrámos. Portanto, que entraríamos mais tarde, mas portanto não se deviam fazer os sacrifícios necessários para se entrar. Mas isto é literal, não devia haver mais do que 10 pessoas, aliás vá ver a imprensa toda da época, eram quem estava no Banco de Portugal e mesmo assim não eram todos, era o ministro das finanças, que era o prof. Miguel Beleza, e era o Primeiro Ministro, obviamente, o Prof. Cavaco Silva. E portanto, eu fazia parte desse grupo dos entusiastas, fui sempre favorável ao euro. Já agora, também, enfim como boutade, eu acho que o esforço todo, e isto independentemente de razões políticas, como referi eu sou independente, não pertenço a nenhum partido, mas o esforço todo de entrada no euro foi feito até 1995, não houve nada que fosse feito depois de 95 que contribuísse para a nossa entrada no euro, foi tudo feito até 95, porquê? Porque o que foi fundamental foi a estabilização cambial, e essa é que foi de facto a actividade muito, muito dura. Feita a estabilização cambial, a inflação por si desceu, e portanto permitiu cumprir o 2º critério de convergência que era a inflação. Com a queda da inflação caíram as taxas de juro, caindo as taxas de juro caiu o défice orçamental. E portanto o défice orçamental foi cumprido não obstante de se ter aumentado a despesa, porque o esforço todo no fundo tinha sido feito. Bom, voltando ao ponto, claro que fui a favor, agora devo reconhecer que o estar no euro, hoje, do ponto de vista de ajustamento macro económico, nos tem sido desfavorável. Não renego a opinião que tinha acho é que nós, sobretudo por má gestão político, não tivemos os comportamentos que devíamos ter tido de nos ajustar à nova realidade, porque a realidade do euro ia ser uma realidade muito mais difícil, deixávamos de ter a almofada das desvalorizações, tínhamos de passar a ser mais exigentes, mais rigorosos, nomeadamente ao nível do sector público mas não só, e portanto colectivamente não tivemos os comportamentos que seriam necessários para acomodar uma nova realidade, que se tornou rígida, deixámos de ter elementos de flexibilidade que tínhamos, o que implicava que tínhamos que ter essa flexibilidade dentro de nós, enquanto estávamos habituados a ter a flexibilidade nos instrumentos que nos permitiam a nós, sociedade, de ter alguma rigidez de comportamentos, na despesa pública, nos aumentos salariais, numa série de benefícios a empresas etc. A partir do momento em que os instrumentos da política se tornaram rígidos, a flexibilidade tinha que passar para o nosso lado e não passou. E portanto nós de facto estamos a pagar uma factura de termos gerido mal a entrada no euro, não é uma inevitabilidade do euro porque houve outros países que entraram nas mesmas condições que nós e se portaram melhor, o problema não é do euro é nosso. Agora é óbvio que se hoje não tivéssemos o euro, tínhamos uma facilidade maior de lidar com o problema que temos em mãos, teríamos eventualmente outras consequências, tínhamos taxas de juro mais elevadas, tínhamos outro tipo de instabilidades, não teríamos tido os mercados se calhar que tivemos, não teríamos uma quantidade de outras... para não falar das facilidades pessoais de viagens, de acessos, a uma quantidade de coisas que temos, e pois...tudo o que permitiu no fundo a baixa das taxas de juro. Mas, e obviamente hoje, embora nunca se possa dizer que qualquer movimento destes seja irreversível, já houve na história várias uniões monetárias que se desfizeram, portanto isto nunca é irreversível por si, mas eu acho que é altamente improvável e seria neste momento suicida pensar em sair do euro.
 
Nuno Matias
Muito bom dia, prof. Vítor Bento, saudá-lo em nome do grupo encarnado pela sua magnífica exposição, saudá-lo também por ser um homem de económicas, e por isso para mim pessoalmente é com muito agrado poder tê-lo por cá. A nossa questão reporta-se a um artigo de opinião que tivemos ocasião de analisar, lançado pelo prof. João Ferreira do Amaral, no passado domingo, no Jornal de Negócios, onde ele referia que a economia portuguesa debilitou-se a tal ponto que já não tem capacidade de gerar mecanismos auto-correctores da crise. Dizia ele que isso era fruto e consequência de alguns desequilíbrios, nomeadamente desequilíbrios externos como já foram apresentados há pouco, fruto da perda de competitividade das finanças públicas sobretudo, e também do comportamento das nossas famílias, nomeadamente ao nível do endividamento que neste momento anda a rondar os 117% de rendimento disponível. Acrescento eu, a questão dramática do nível de divergência da nossa economia, em relação às economias de referência; em 2005 crescemos 5 vezes menos do que a média comunitária, 11 vezes menos do que os EUA e 33 vezes menos do que a economia emergente da China. Face a esta situação, o prof. João Ferreira do Amaral concluía que a actual crise não gera a sua própria saída. Aquilo que lhe gostaríamos de colocar como questão é se concorda com esta visão, e a ser uma realidade, que sim que concorda, qual seria na sua opinião o caminho a seguir para que o nosso modelo de crescimento económico, este ou eventualmente outro, pudesse dar resposta a este problema e que permitisse criar e gerar esses mecanismos auto-correctores, nomeadamente ao nível da eficiência, sobretudo na produtividade, e também na questão da competitividade empresarial e fiscal. Muito obrigado.
 
Dr.Vitor Bento
O prof. Ferreira do Amaral tem, entre outras, pelo menos uma virtude importante e que deve ser reconhecida: ele tem sido um consistente contestatário da nossa entrada no euro. Ele dizia antes da nossa entrada no euro que nós nos íamos dar mal com a entrada no euro, e continua hoje a dizer no fundo que foi um erro e que, no fundo, estamos a pagar as consequências disso pelo facto de termos perdido instrumentos que hoje nos permitiriam ajustar a economia de outra forma. É uma opinião, enfim, consistente no tempo e é consistente em si. É verdade, é literalmente verdade que nós hoje teríamos do ponto de vista dos instrumentos, mais instrumentos para lidar com a situação. Não é o único caminho, eu julgo que era, e espero que venha a ser, perfeitamente possível ter entrado para o euro e funcionar dentro do euro enfim com mecanismos de rigor e que no fundo nos conduzam a um caminho de convergência. Não é fácil, não há uma receita fácil para isso. Como tentei explicar há pouco, não há uma receita fácil para isso porque isto depende muito dos comportamentos. Por um lado, do lado do Estado e, por outro lado nossos também, quer dizer porque muita da situação que nós temos hoje depende também muito das escolhas que nós enquanto sociedade fizemos. Isto é, nós, ao preferir um consumo ostentatório à poupança, você se vir, nós tendo um nível de rendimento baixo, nós temos proporcionalmente dos parques automóveis mais ricos da Europa, isto revela no fundo uma preferência nossa que tem consequências, entre outras no défice externo. Portanto valorizamos mais ter um BMW, do que eventualmente investir numa empresa ou algo do género, e portanto isso tem consequências. Também temos, do muito investimento que fizemos e daquilo que foi poupado no tempo, é investimento não produtivo. Nós somos dos países onde há maior número de famílias com segunda habitação. Portanto nós investimos para ter a casa com piscina e com jardim, para ir lá no fim de semana ou nas férias, portanto que é um investimento que está inactivo, enfim que criou riqueza quando foi construída, mas que hoje está inactivo, não reproduz, não cria nada. A não ser que a arrendemos a turistas, e que de alguma forma continue a gerar valor acrescentado. Mas a maior parte das pessoas obviamente não faz isso, não quer violar o seu espaço de privacidade. E portanto isto são resultados de escolhas nossas, poderia ter sido feito também noutros países. A Irlanda, você se for a Irlanda, a Irlanda não ostenta o nível de riqueza que Portugal tem. Nós em Portugal temos muito mais indicadores de riqueza do que na Irlanda. Então Dublin, é uma cidade feia. Não parece uma cidade capital europeia. Tiveram outras preferências. São mais cultos, têm melhor educação, valorizaram muito mais aspectos dessa natureza. Portanto depende de escolhas nossas. Isto é, o euro, o euro tirou-nos a protecção paternal das autoridades e responsabilizou-nos a todos cada vez mais, e depende muito daquilo que cada um de nós faça, e as próprias empresas vão depender da capacidade de iniciativa que as pessoas que lá estão tenham, tenham que as fazer. E implica no fundo também fazer as reformas que alterem o patamar em que nos encontramos, o que vai levar tempo. E provavelmente vamos ter que passar por uma crise a sério para resolver o problema. A grande diferença da situação que nós temos hoje com a situação sem euro pode ser contada também com uma parábola, enfim com uma alegoria. Eu nunca fiz a experiência mas dizem que funciona. Mas eu acho que é extremamente interessante: suponham que querem cozer um sapo, um sapo vivo, e portanto se puserem água a ferver e puserem o sapo lá dentro, o sapo salta de lá, fica queimado e tal, salta de lá e sobrevive; mas se puserem o sapo num recipiente com água tépida, o ponham ao lume e forem aumentando a temperatura grau a grau, o sapo começa por se sentir confortável, por se sentir relaxado, começa a ficar bem, e quando a temperatura começa a ser insuportável já não tem capacidade de reacção, e portanto deixa-se cozer, e acaba por ser cozido lentamente. Isto é a mesma situação. Nós, quando não tínhamos o euro, quando tínhamos o escudo, qualquer crise fervia rapidamente na taxa de câmbio, na taxa de câmbio ou na incapacidade de ter divisas para comprar, e portanto obrigava-nos a reagir rapidamente. E nós reagíamos, e nós tivemos, nas duas grandes crises que tivemos em 78 e em 83, fomos duas vezes sucess story, para o FMI pela rapidez e pela eficácia do nosso ajustamento, portanto reagimos rapidamente. Agora, estamos numa situação, como não temos sinais, nós estamos confortáveis, a vida é boa e portanto nós estamos confortáveis. Vamo-nos é afundando lentamente sem darmos por isso, porque se eu não lhe mostrar aquele indicador de divergência você não se apercebe que está a divergir. Tem tudo o que precisa de ter, como não se está a medir com os estrangeiros diariamente, não se apercebe. E portanto daqui por 10 ou 15 ou 20 anos, olhamos para trás e estamos a uma grande distância do estrangeiro, já não podemos reagir, portanto fomos cozidos em lume brando. E esse é que é de facto o problema, é que não temos um mecanismo que nos obrigue a reagir e como não temos a vontade colectiva suficiente para forçar uma reforma profunda, como fez por exemplo a Finlândia... A Finlândia, a seguir à queda do muro de Berlim, perdeu o principal mercado que tinha porque dependia das exportações para a Rússia. Perdeu, teve uma queda do PIB, já não me lembro dos valores mas foram uns valores abissais, teve uma queda do PIB enorme e portanto era um país que estava numa situação quase de desespero. A Finlândia, hoje, é um dos exemplos da moda. Para Portugal se tornar a Finlândia. Acho que apesar de tudo é melhor do que a Irlanda porque a Irlanda é mais difícil de reproduzir. Mas a Finlândia é um país de sucesso; deve-se à atitude das pessoas e obviamente à governação e às medidas exigentes que foram feitas na altura, à coragem que houve para aplicar essas medidas. A Irlanda também tinha um problema de défice externo maior do que o nosso, uma dívida pública muito maior do que a nossa, e sem ter o aperto do euro, obrigou-se a ela própria a resolver o problema e resolveu o problema. Portanto fez o que tinha que ser feito, criou uma série de desemprego... A Espanha, a Espanha durante a década, no principio da década de 90, tinha taxas de desemprego de 20%. Eu não acredito nas taxas de 20%, porque não acredito numa sociedade que tenha duradouramente taxas de 20% sem ter convulsões sociais, havia muita economia paralela, mas de qualquer das formas se não eram 20% eram 12%, eram taxas de desemprego muito elevadas, portanto fez uma reestruturação da economia, fez uma reestruturação muito grande da economia, tendo sacrifícios duradouros, e hoje é uma economia pujante. Obviamente que também tem problemas e há de ter problemas mas deu um salto que nós não conseguimos dar, e sobretudo tem empresas que são empresas relevantes em todo o mundo, e a Espanha é hoje ao nível da Europa uma das suas principais potências. Porque há umas que nominalmente continuam a ser importantes mas a Espanha é hoje, até mesmo em termos políticos, uma das principais potências dentro da Europa; é a Alemanha, é o Reino Unido, é a França em decadência... a Espanha já é mais importante do que a Itália por exemplo, do ponto de vista de relevância política, e provavelmente virá a ser mais ainda. E em termos de empresas vejam, têm empresas presentes em todo o mundo e têm empresas que são dominantes, que são empresas de relevo, das Zaras aos bancos Santanderes, seja ao que for, têm em quase todos os sectores, fizeram a restruturação em tempo, fizeram sacrifícios, sacrificaram-se por isso, passaram mal durante algum tempo. Nós não queremos passar mal e portanto vamos, isto é vamos empobrecendo com vida de rico. Mas isso depende da actuação, da nossa capacidade colectiva. O caminho é possível, tem é que haver vontade.                     
 
André Costa Magalhães
Bom dia a todos. Eu gostaria de começar por congratular o Dr. Vítor Bento pela riqueza do seu contributo e congratular também  todos, mas todos sem excepção, a equipa da organização da universidade de Verão 2006 que tem tido um trabalho fenomenal e o nosso muito obrigado. Quanto à nossa questão: há vários meses atrás, o Dr. João César das Neves referiu que para a economia nacional era muito relevante, ele diz que é importante atrair médias empresas de capital a inteligência intensiva. A nossa questão centra-se aí, isto parece-nos uma medida bastante atractiva, não sabemos se é correcta ou não, mas a questão é, se o for, o que é que o governo e as forças regionais como as autarquias, podem realmente fazer para atrair este investimento estrangeiro que ele nos sugere. Obrigado.
 
Dr.Vitor Bento
Bom, o que podem fazer é no fundo criar condições favoráveis. Digamos ao nível das autarquias, as autarquias têm algum espaço para fazer isso, quer ao nível da criação de infra-estruturas, não apenas no sentido físico mas no sentido até social, no fundo dispor de um ambiente que seja favorável, estamos a falar no fundo de empresas de capital intensivo, provavelmente estamos a, com um grau de sofisticação dos seus próprios trabalhadores e portanto que haja um ambiente que seja favorável a isso, isto é, não se põe uma empresa de investigação, imagino eu, não se põe uma empresa de investigação biotecnológica numa terra de província onde não haja nada, não haja sequer uma comunidade com quem se possa interagir, que não haja laboratórios, que é necessário haver no fundo um conjunto de dados para interagir, umas estarão melhor preparadas outras estarão menos bem preparadas para isso. Mas portanto julgo que as autarquias podem criar essas condições favoráveis ao nível das infra-estruturas físicas, de dar algum, poder dar alguns sistemas financeiros, embora tudo aquilo que dependa só de apoios financeiros não tem interesse porque no fundo significa que não tem rentabilidade própria, a rentabilidade é lhe dada artificialmente, e no fundo que seja atractivo até para as pessoas viverem, porque essas pessoas depois precisam de um ambiente descontraído para funcionar e portanto se a zona for atractiva, isso em si também facilita. Agora depende também, depende mais do Estado como um todo ou da sociedade como um todo, do que, quer dizer uma autarquia sozinha não consegue atrair ninguém para lá se o regime fiscal for desfavorável, se as condições de burocracia forem insustentáveis, se a empresa para se instalar tiver que andar dois anos a pedir licenças, não há nenhuma autarquia por mais que lhe ofereça não consegue ter condições para a atrair, se ela tiver que resolver problemas de patentes, de litígios de patentes e tiver que demorar 10 anos para uma decisão judicial, portanto essas coisas todas, não há nenhuma autarquia que possa suprir essas, portanto compete ao Estado, ao Estado como um todo, criar de facto um ambiente favorável, era das condições que estavam ali, um ambiente favorável à eficiência, um ambiente favorável no fundo ao funcionamento dessas empresas, removendo-lhe custos de contexto, sobretudo removendo, mais do que dar subsídios, porque dar subsídios é um bocado como a história da Opel, o subsidio é encaixado, obviamente que aquilo dá muito jeito, e depois quando chega a altura de fazer contas, se for preciso sair sai-se porque o dinheiro já foi encaixado e não há nenhuma garantia de que o investimento que o Estado fez naquilo venha a ser rentabilizado ao nível do valor que ficou gerado, portanto é melhor ensinar a pescar do que dar o peixe. Mas portanto os incentivos têm de ser criados ao nível da remoção dos custos de contexto por parte do Estado como um todo, e não apenas a, os custos de contexto que as autarquias podem remover são poucos, podem é criar de facto alguns incentivos adicionais que diferenciam umas localizações das outras.          
 
Constança Martins da Cunha
Bom dia. Em nome do grupo roxo agradeço ao Dr. Vítor Bento a sua presença, e a sua esclarecedora e interessante exposição. A nossa pergunta é a seguinte: considera que neste momento e na situação económica em que nos encontramos, faz sentido falar num possível investimento no TGV e na OTA? Obrigado.       
 
Dr.Vitor Bento
Essa é uma das minhas preferidas. Mas antes disso deixem-me enfim fazer uma nota à parte, para mostrar no fundo um regozijo. Eu ontem quando estive no jantar uma das coisas que notei, que aliás comentei para quem estava ao lado, era que só tinham falado homens, não tinha falado nenhuma senhora. Aliás, houve uma ameaça que depois não foi concretizada, enfim que havia um desequilíbrio, “ah mais isso é por acaso porque já têm falado”. E hoje tenho notado que ao nível das perguntas, a componente feminina tem sido predominante. Não sei se há quotas se não há quotas, mas enfim, fico satisfeito por isso, por mostrar que há uma diversidade maior. E já agora a propósito das quotas, eu sou a favorável às quotas, e sabem porquê? Porque podem vir a fazer falta aos homens. Bom, mas tirando esse fait divers, eu acho que de facto os investimentos na OTA e no TGV não são aconselháveis nas actuais circunstâncias. Não sei discutir tecnicamente enfim se o aeroporto é estritamente necessário ou não, e se aquela é a melhor localização. De tudo o que tenho ouvido, a localização nem sequer é a melhor, mas portanto para discutir tecnicidades sobre o aeroporto, não estou habilitado a discutir tecnicidades, se aquela é a melhor localização, se isto tem não sei quantos passageiros, se a Portela ainda aguenta se não aguenta... Desde 1970 que se diz que a Portela vai estourar e continua a viver, portanto eu julgo que não será crucial. Temo também, e aliás já disse isso uma vez, temos também que nos cálculos que são apresentados para justificar a viabilidade da OTA e do TGV, estejam a contar que as mesmas pessoas vão simultaneamente de avião e de comboio, porque eu não acredito que haja volume de tráfico que justifique economicamente os dois meios, porque das duas uma: ou o TGV, ou as pessoas vão ir de TGV e vão passar a andar menos de avião, quando vão a Madrid e quando vão ao Porto, e portanto a Portela aguenta-se mais tempo, ou as pessoas continuam a preferir os aviões e o TGV não se justifica. Portanto eu tenho a impressão que as pessoas estão a ser contadas como indo, simultaneamente comprando os dois bilhetes. Agora do ponto de vista macro-económico acho que de facto não é o momento adequado, pelas razões que mostrei ali. Nós temos um problema de excesso de despesa e um problema de défice público, entre outras coisas que resulta do facto de termos um predomínio de produção de bens não transaccionáveis em detrimento da produção de bens transaccionáveis, que podiam ser exportáveis e, no fundo, melhorar o défice externo. Numa situação de excesso de despesa como aquela que temos, mais investimento público, o que vai gerar, para além de gerar mais défice público, vai gerar mais despesa que vai ser canalizada para as importações, não vai aumentar exportações porque ninguém vai exportar TGV, enfim o potencial de criação de riqueza externa vai ser mínimo, mas vai aumentar o potencial de importações portanto vai aumentar o défice externo, porque o excesso de despesa, se a nossa capacidade produtiva não reage ao excesso de despesa que já hoje existe, o excesso de despesa adicional vai ter que ser canalizado para o exterior, portanto vai ter que dar défice externo adicional. Por outro lado tem sido feito muito ilusionismo à volta da justificação, porque nomeadamente tem sido apresentado muita vez um estudo de dois professores salvo erro da Nova, o Marvão Pereira e o qualquer coisa Andraz, um estudo que foi feito sobre uma realidade completamente diferente, e que se está a tirar uma extrapolação que não tem a mínima aplicabilidade. Porque no fundo o que aquele estudo mostrou foi que, os investimentos em infra-estruturas que foram feitos geraram determinado tipo de efeitos. Isso não quer dizer que continuem a fazer isto, porque senão a extrapolação daquele estudo é que vamos continuar a fazer auto-estradas. Porque as auto-estradas que foram feitas melhoraram a produtividade do país, então vamos continuar a fazer auto-estradas porque elas vão continuar a melhorar a produtividade do país! Com certeza que não! Porquê? Porque obviamente uma situação onde não há uma auto-estrada de Lisboa ao Porto sequer, as auto-estradas que, no fundo, que rasgam os eixos fundamentais de circulação dentro do país aumentam a eficiência do país. Agora continuar a fazer, tem efeitos marginais cada vez mais decrescentes e a partir de um determinado momento passa a ter efeitos marginais negativos, e portanto isto não pode ser extrapolado. E obviamente não há nenhuma história de aeroporto que permita extrapolar fazer um novo aeroporto, e aliás, e espero que não tentem fazer isso a partir do aeroporto Sá Carneiro, porque se fizerem as contas do aeroporto Sá Carneiro então a OTA nunca vai ser feita. E portanto, esse ilusionismo que tem sido feito julgo que é mau, porque a discussão deve ser, acho que todos ganhamos em ter uma discussão séria sobre o assunto porque está em jogo digamos muito investimento. Por outro lado também do ponto de vista do emprego, também não nos vai resolver problemas, porque se nós tivermos gente a ficar desempregada no Vale do Ave, por falta de competitividade da nossa indústria têxtil nós precisamos é de industria que absorva esse desemprego. As obras da OTA não vão absorver as senhoras despedidas das fábricas de tecelagem. Quem vai absorvido na construção da OTA vão ser imigrantes, que vão ter que voltar, vamos ter que aumentar a imigração mas isso não vai resolver o problema dos desempregados que vão para o desemprego pela deslocalização das empresas industriais, portanto nem sequer resolve o problema do emprego. Vai-nos é criar um problema adicional social, que é passarmos a ter mais imigração a conviver com mais desemprego, com mais desemprego interno, portanto obviamente que é uma mistura sempre perigosa do ponto de vista socio-político. Por outro lado, também um argumento que é sempre muito dito, não podemos ficar fora das redes de comunicação do TGV. Eu sinceramente não vejo qual seja o problema. Não vejo qual seja o problema, primeiro porque não acredito que ninguém vá de TGV daqui para a Alemanha, nem sequer daqui para Paris provavelmente, a não ser que a viagem seja muito mais - que não vai ser - muito mais barata do que seja de avião, as pessoas preferem ir de avião porque é mais rápido, sobretudo se tiverem o aeroporto na Portela, é mais rápido. Portanto, não, do ponto de vista de mercadorias sim, de facto é importante termos uma boa rede ferroviária que permita a circulação de mercadorias rápida para a Europa, mas isso não precisa de ser com o TGV, pode ser velocidade elevada com investimentos muito mais baixos do que o TGV requer. Mas não vejo qual seja o problema de não ficarmos numa rede, porque nós temos uma distância demasiada para que o TGV nos ponha no centro da Europa. Uma coisa é ir de Londres a Paris de TGV, ir de Bruxelas a Paris de TGV, outra coisa é ir de Lisboa a Paris de TGV, é muito longe, mesmo para Madrid... para Madrid talvez, talvez mas não vai se calhar ter volume suficiente para justificar e se calhar não é preciso ter a velocidade máxima, também ao que me dizem os entendidos, há limiares de velocidade que uma vez ultrapassados o investimento é multiplicado demasiado, se calhar é possível ir por outras soluções. E acho que não devia ser autorizado nenhum investimento adicional, enquanto não for esclarecido como é que se enterrarem dois mil milhões ou mil milhões que seja de euros na linha do norte, sem ter mudado a velocidade. Quer dizer, alguém tem que ser responsabilizado por isso, não digo que a pessoa tenha que ser presa mas ao menos tem que se saber quem é que, no fundo quem é que errou e porque é que errou para aquilo não se voltar a repetir. Quer dizer, porque se se gastaram dois mil milhões, quem é que me garante agora que não vai acontecer o mesmo num outro investimento? Quer dizer vamos embarcar de peito feito para um novo investimento, quando não temos esclarecido porque é que isto não resolveu o problema. Houve incompetência na programação, segundo me dizem, portanto que para ter os pendulares aquilo precisava de um espaço entre linhas, que depois o corredor de construção não permite ter e portanto a linha está lá mas não pode é ser atingida a velocidade porque senão os comboios chocam uns com os outros. Isto devia ter sido pensado, se não foi pensado quem é que me garante que eles vão pensar adequadamente o planeamento do TGV ou o planeamento do aeroporto? Acho que era uma exigência política pedir explicações sobre isto. Provavelmente, a política do bloco central não o permite porque toda a gente está comprometida, quer dizer, há comprometimento dos dois lados e ninguém está interessado em esclarecer o problema. Agora, a sociedade, como um todo, devia estar interessada em esclarecer o problema e perceber se é ou não possível, com investimentos marginais, conseguir aumentar a velocidade, no fundo conseguir que daqui ao Porto se atinja a velocidade que aqueles investimentos eram suposto ter produzido, se é possível ou não investimentos marginais para fazer isso, antes de fazer investimentos novos.                     

 
Francisco Romão de Matos
Antes de mais, bom dia a todos. Gostaria de saudar o nosso convidado, Dr. Vítor Bento, que nos honrou pela sua presença na nossa universidade. Em nome do grupo azul, e face à sua vasta experiência na área da economia, gostaríamos de ver esclarecido o seguinte: Portugal tem-se caracterizado nos últimos anos pela estagnação e/ou recessão económica. Face a tudo isto temos também assistido por parte dos últimos governos a diferentes atitudes; enquanto o governo de Durão Barroso adoptou um discurso pessimista e cauteloso, o Eng.º Sócrates assume a posição optimista e anuncia constantemente o retorno económico. Até que ponto estas diferentes atitudes e posições por parte do governo podem influenciar o rumo da economia e, na sua opinião, quais as três medidas de verdadeiro impacto que deveriam ser postas em prática e como forma de saída para a crise que actualmente se vive na nossa sociedade?  
 
Dr.Vitor Bento
Bem eu julgo que essas atitudes só têm gerado é confusão, porque de facto a população, não necessariamente especialista, tem é que estar confusa; um diz que isto vai afundar outro diz que isto vai ser o céu, outro diz que ainda é preciso sacrifícios, outro diz que, enfim, que não é. É evidente que as pessoas ficam confusas e isso dificulta cada vez mais a mobilização da sociedade, e de facto têm sido cometidos demasiados erros e, enfim, para que não pareça que eu há bocado tive aqui a fazer críticas apenas a um dos lados, eu acho que o governo do Dr. Durão Barroso fez vários erros, entre os quais ele não ter completado aquilo que se tinha comprometido a fazer. E acho que isso foi um estrago irreversível que foi criado, e pelo qual o partido vai pagar as contas durante muito tempo e o país também vai pagar, vai no fundo também pagar parte dessa factura, porque quando se toma um país numa situação de crise e se assume o compromisso de confiança com o eleitorado que se vai resolver essa crise, leva-se o barco até ao fim. Eu acho que o melhor discurso digamos até com as pessoas é o discurso realista, eu acho que, quer dizer a verdade, a verdade em regra tende a ser o melhor instrumento para lidar com a realidade. Eu percebo que há situações onde a verdade pode não ajudar, eu percebo, quer a diferentes níveis da vida. Mas as pessoas lidam bem com a verdade, e portanto se lhes explicarem que há uma crise e que a crise tem, que implica fazer sacrifícios e que implica fazer isto, as pessoas até aceitam, agora o que as pessoas já não aceitam é que andem há 5, 6, 7, 8 anos a dizer que é preciso fazer sacrifícios, que vai havendo sacrifícios, mas nada muda, nada é feito, e isso de facto cansa as pessoas e as pessoas vão-se desentusiamando da política e vão deixando de confiar nos políticos, e portanto cada um passa a governar-se a si próprio, passa a empenhar-se cada vez menos numa solução colectiva e cada um começa a pensar, bem eu tenho é de me desenrascar a mim próprio. E isso de facto é a pior coisa que tem vindo a ser feita por parte dos políticos. É claro que face à confusão criada não há nenhuma receita saudável para a situação e eu julgo que, apesar de tudo, o actual governo está a fazer algumas das coisas que é possível fazer. Eu gostaria que eles fossem muito mais longe, que tivessem muito mais determinação que, sobretudo que fizessem mais coisas, que dissessem, isto é que propagandeassem menos e fizessem mais, para nós não termos tanto a percepção de que há mais resultados do que aqueles que estão a ser conseguidos, porque isto depois, quando um dia acordarmos para essa realidade também vai ser desagradável. Mas portanto tem que haver é acção que dê concretização às promessas que são feitas. As pessoas isso aceitam, compreendem, uns melhores outros piores, e é óbvio que temos de estar preparados que ninguém aceita perder sem luta. Não há nenhum grupo social que lhe digam que vai perder privilégios e que ele desista sem luta. Não vai acontecer, é natural, é humano. Porque as pessoas vão sempre achar: - está bem, tem que ajustar mas que seja depois de mim, está bem mas que não seja eu. Toda a gente acha que tudo deve ir ao lugar, mas desde que não seja ele. Portanto isso é natural que as pessoas vão reagir, agora é preciso é de facto é haver autoridade, haver capacidade para passar por cima disso, portanto não é possível alterar, não é possível reformar alterando equilíbrios sem que haja pessoas a perder, tem que haver pessoas que vão perder e tem de haver a capacidade de estar, de aceitar essa perda e, obviamente, dentro do que for possível, minimizar ou compensar os efeitos mais extremos dessa perda, mas não ter coração mole, porque com coração mole não se gere. Gerir tem que ser com razão, o coração enfim é para outras coisas, mas gerir tem que ser feito sobretudo é com a razão e no fundo com determinação, e isso é que é preciso, e ser-se consistente e sobretudo, mas isso é o tal problema que eu dizia há pouco, se os governos vivem num ambiente que é referendário, tendem sempre a insistir no quick win, tendem a insistir numa coisa que tem um resultado imediato, mas esse resultado imediato pode ser feito à custa do sacrifício dos resultados duradoiros. Por exemplo o que foi feito, algumas das coisas que foram feitas na redução do défice, agravaram os défices seguintes, foram coisas para resolver, para tapar o buraco da altura, agravando a situação a seguir, e portanto não resolveu definitivamente, tapou um buraco mas não resolveu um problema. É necessário de facto é haver a coragem de aplicar medidas que têm que se saber que num determinado período vão ter custos, mas depois vão ter a capacidade de acreditar que vão ter benefícios num prazo duradouro, e mobilizar a sociedade para isso. Hoje é mais difícil mobilizar a sociedade para isso porque a sociedade considera-se enganada, considera-se que tem sido no fundo utilizada como joguete da parte de políticos que não sabem muito bem para que lado é que andam, que um dia lhes dizem uma coisa e no outro dia lhes dizem outra. É claro que não é sempre, não é a mesma pessoa que diz isto mas no fundo são dirigentes ou do mesmo partido, quer dizer, isto é, quando um dirigente de um partido num dia diz que nós estamos no meio de uma crise, passados 6 meses outro dirigente diz que a crise acabou, e que agora podemos ir distribuir, bem é claro que isto baralha, e depois a seguir vem outro a dizer que estamos outra vez na crise... isto baralha. Porque as pessoas não sendo especialistas, obviamente que isto baralha. Portanto, se os partidos fizerem, como ontem dizia o Dr. Pacheco Pereira, se fizerem o trabalho de casa, se estudarem, se em vez de ter palpites tiverem no fundo as propostas devidamente alicerçadas naquilo que é preciso fazer, cometem menos erros. Agora nós vivemos é de palpites, do que toda a gente diz. Muito na política - e isto sem querer desvalorizar porque o mercado da política funciona nesses termos, portanto o incentivo funciona nesses termos - mas funciona tudo muito na base de palpites, e pouco na base de solidez, de solidez técnica ou teórica.

 
Dep. Carlos Coelho
Dr. Vítor Bento, esta selecção de jovens que tem à sua frente recebe todos os dias a revista de imprensa que também tem aí consigo, que é um olhar de observação sobre o país e mundo, porque entendemos que faz sentido que um grupo seleccionado de jovens que está aqui fechado a estudar durante uma semana não esteja sem perceber o que é que acontece lá fora. Mas não basta ter informação, é necessário compreendê-la. E uma das notícias do dia, é de que há uma bolha imobiliária americana que assusta a economia mundial. A notícia diz que a ameaça de um colapso no mercado imobiliário norte-americano ou, dizem os analistas, na melhor das hipóteses, o esvaziamento progressivo dessa bolha, constitui actualmente uma das principais ameaças à economia mundial. O Dr. importa-se de explicar porquê?

 
Dr.Vitor Bento
O desafio é interessante. Vamos ver se consigo, porque a explicação é um bocadinho, pode ser um bocadinho elaborada. Bom em primeiro lugar, digamos esta ameaça já dura há muito tempo. Estas coisas das notícias também  são um pouco questões de moda, digamos, há uma coisa que de repente vem a lume e depois é lhe dado digamos um grande enfoque. Não é um problema que tenha surgido hoje, é um problema que já dura há muito tempo e é uma ameaça que já tem vindo a ser referida há muito tempo. Isto não a pretende desvalorizar, pretende dizer, enfim, que temos vivido com ela, pode ser que se continue a viver com ela. Eu, como tenho uma visão pessimista da economia, quer nacional quer mundial, eu tendo a sobrevalorizar a ameaça, mas não quero contagiá-los com isso porque há muita gente que entende, no fundo, que a ameaça não se concretizará, e que a situação acabará por passar incólume. A razão porque isto pode ser um problema muito sério, talvez a melhor forma de o relatar, é relatar a experiência da Suécia de há uma dúzia de anos atrás, 92, que teve uma situação semelhante. E o que aconteceu portanto na Suécia, foi também que houve uma euforia económica por várias razões e o preço do imobiliário começou a subir desalmadamente. E portanto as pessoas foram investindo em propriedade e endividavam-se para investir em propriedade, portanto para comprar imobiliário. É claro que a economia viveu uns momentos de euforia, isso criou uma euforia e transmitiu-se ao resto da economia, porque criou dinamismo, as pessoas sentiam-se mais ricas, tinham uma casa que hoje vale 100, amanhã vale 200, portanto têm mais riqueza, podem gastar mais, não precisam de poupar tanto porque têm aquele valor que podem realizar, portanto gastam mais, compram mais carros, e portanto a economia vai sendo animada, até que há um ponto, enfim, em que isso se esgota, e quando isso se esgota, isto é um pouco como aqueles movimentos, no fundo, de D. Branca. Isto vai subindo enquanto há gente para comprar, mas quando depois toda a gente já comprou...o movimento pára, e quando pára, muita gente comprou para vender e depois já não tem quem lhe compre, começa a querer, começa a necessidade de vender até porque a economia começa a arrefecer, e ao começar a arrefecer, há quem vá para o desemprego, há vendas que não se concretizam e portanto alguém que está à espera de receber o prémio na empresa não recebe e portanto precisa de encaixar dinheiro nos investimentos que tinha, e portanto começa a gerar um movimento de venda. E esse movimento de venda começa a fazer cair os preços, e ao começar a fazer cair os preços, as pessoas começam a ter o movimento contrário, a sentir-se mais pobres e ao sentir-se mais pobres começam a entrar em pânico, até a poupar mais, portanto começam a gastar menos e portanto começa a haver uma retracção da procura interna e começam no fundo de alguma forma a entrar em pânico e a vender mais depressa, o que agrava a queda dos preços. Como em muitos casos as dívidas que têm aos bancos são maiores do que o valor da casa, deixam de pagar aos bancos, e portanto os bancos começam a ficar com dívidas incobráveis na sua mão, a um ponto que os próprios entram em falência, que foi o que aconteceu na Suécia. Os bancos principais tiveram que ser salvos pelo Estado. Portanto, o Estado teve que injectar dinheiro nos bancos, e portanto acabou depois por os reestruturar, quase que os nacionalizou, interveio na sua gestão, e portanto tudo isto composto gerou uma recessão que durou uma série de tempo na Suécia e que levou tempo depois a recuperar. Portanto este é o mecanismo porque uma bolha especulativa desta natureza pode acontecer. Portanto pode acontecer com imobiliário, como pode acontecer com acções, com quaisquer tipo de activos, no fundo o mecanismo é o mesmo. É um mecanismo que uma vez entrando em queda e não tendo sustentabilidade, a queda se acelera, e depois a pessoas começam a se sentir mais pobres, começam a poupar, a não gastar, portanto isto contrai a actividade económica, há quem começa a entrar em falência também contrai a actividade económica, portanto isto cria uma bola de neve, que obriga a que o Estado a um determinado ponto tenha que intervir, gastando dinheiro, e portanto o défice... É claro que a Suécia, como tinha uma situação de finanças públicas equilibrada, pôde de repente gastar imenso dinheiro para compensar a economia e para intervir nos bancos sem que isso pusesse em causa o equilíbrio das contas públicas, mas aumentou a dívida pública substancialmente, mas tinha espaço para o fazer. Essa é mais outra razão, nós se tivermos uma situação de finanças públicas muito desequilibrada, se tivermos uma crise, não temos almofada para lidar com ela. Mas esta é a forma no fundo como isso pode acontecer. Agora muita gente acredita no fundo que isso não vai acontecer porque o FED, quando essa ameaça se concretizar, quando começar a sinalizar-se, baixará as taxas de juro de forma a manter no fundo o incentivo das pessoas, para continuar a comprar casa. Agora a razão porque a notícia veio é porque começa a haver sinais de que os preços das casas estão a cair nos EUA, de facto. Os preços das casas estão a cair nos EUA e se caírem nos EUA vão cair em  muitos países do mundo que têm uma bolha parecida, incluindo na Espanha, incluindo na Espanha e não sei se em Portugal. Em Portugal, apesar de tudo, nos subúrbios já têm vindo a cair, portanto já têm vindo a ajustar. Só as cidades, Lisboa, e devido à escassez, é que ainda se mantém enfim uma bolha ainda a crescer. Agora Espanha, Espanha é um dos países que tem esta ameaça em cima, muito, muito séria.     

 
Dep. Carlos Coelho
Dr. Vítor Bento muito obrigado pela sua colaboração, pela sua intervenção. Como é habitual, o Daniel Fangueiro e eu vamos acompanhar o nosso convidado à saída, o Dr. Picoto e a equipa de avaliação salta para aqui para prosseguir e eu regresso aqui para vos dizer duas coisas dentro de um minuto. 
 
Dr.Alexandre Picoto
Hoje vamos começar pelo roxo. Grupo roxo. Então e o grupo castanho? Grupo azul. Grupo encarnado. Grupo verde. Grupo bege. Grupo rosa. Grupo amarelo, já traz camisolas amarelas e tudo! Grupo laranja. Grupo cinzento. Eu acho que, posso-lhes dizer ? Hoje à tarde estava previsto o passeio que foi cancelado, tendo em consideração que temos um novo trabalho para fazer. São a tradução de uns textos em inglês que o prof. Vítor Bento nos deixou, bem como a construção de dois power points para apresentação hoje á noite. Quer explicar as regras?

 
Dep. Carlos Coelho
Isto foi uma blague, foi uma blague. O Alexandre Picoto acordou hoje com uma grande criatividade, e portanto decidiu assustar-vos. Duas coisas breves. Primeiro, como vocês, como são pessoas atentas perceberam, hoje há uma ligeira alteração da hora de almoço, para vos permitir a acomodação do tempo de trabalho de grupo agora. Vocês vão já entrar em trabalho de grupo, e o almoço é só às 13h30 e não à 13h00 como é costume. Portanto têm grosso modo um bocadinho menos de 1 hora para fazer o trabalho de grupo. O trabalho de grupo sobre este tema é uma coisa simples, (vocês farão em 10 minutos tenho a certeza), e fica-vos algum tempo livre para os grupos que precisam dele sobretudo para desenvolverem a vossa estratégia para a Assembleia, uma vez que os vossos coordenadores ontem à noite receberam as cartas confidenciais com os vossos mandatos para a vez em que são governo e as duas vezes em que são oposição. Porque é que eu recomendo que vocês ocupem este espaço agora? Porque o que estava previsto no nosso sistema era que vocês amanhã no trabalho de grupo tivessem tempo para fazer isso também, só que amanhã o trabalho de grupo vai ser substituído pela apresentação aqui, em plenário, dos vossos trabalhos sobre o programa do PSD. E portanto o tempo que vocês tinham amanhã para o trabalho de grupo acaba por ser praticamente nulo ou muito limitado.