Revista de Imprensa
Registos Audio Fotografias
dia 3 - 10.00
Sessão de Avaliação da UNIV
dia 3 - 12.30
Sessão Formal de Encerramento
dia 3 - 14.00
Almoço de confraternização com UNIVs de 2003, 2004 e 2005
Jantar-Conferência com o Dr Pacheco Pereira
 
Nuno Matias
Muito boa noite. Eu gostaria de, em nome do Grupo Encarnado, em primeiro lugar cumprimentar todos, e cumprimentar todos na pessoa do nosso magnífico reitor, aquele que é a verdadeira alma deste grande evento, ao qual penso eu, e não me estarei a enganar certamente, todos temos a honra de participar, o Carlos Coelho.

Cumpre-nos hoje, com especial gosto, permitam-me que o diga, erguer o nosso copo, e brindar saudando a presença do Dr. Pacheco Pereira, um conhecido professor universitário, o mais conhecido e reconhecido comentarista político, um grande militante e ex-dirigente do PSD.

Neste brinde gostaria de deixar duas saudações, uma primeira de agradecimento pelo, certamente interessante e muito actual tema, que é para nós aliciante, como é a questão das Ideologias e a Dicotomia entre Direita e Esquerda.

Mas deixar também uma saudação que acho que é muito particular, e é com gosto que também a faço, pelo agradecimento que é tê-lo aqui connosco, e ser em conjunto com todos os outros nossos convidados também testemunha de mais um grande momento de afirmação do PSD, da JSD enquanto estrutura geracional que têm uma visão do futuro, e que neste caso, volta a oferecer ao país uma nova geração, empenhada, abnegada, competente e irreverente, que quer continuar a construir Portugal.
 
Dep. Carlos Coelho
Minhas senhoras e meus senhores, seria ingrato se não reagisse às palavras amigas do Nuno, para dizer que quem deve agradecer sou eu, prova de participação empenhada, e qualificada que têm dado prova todos os participantes da Universidade de Verão 2006 até ao momento, e que estou certo que continuarão a fazer até ao final dos trabalhos no próximo domingo.

Agradecer ao Grupo Castanho o facto de nos terem recebido na vossa mesa, e a conversa muito interessante que tivemos ocasião de ter até agora.

E saudar o nosso convidado, que como o Nuno já disse e bem, é um professor universitário, professor convidado do ISCTE, que desempenhou já várias funções no partido, foi líder parlamentar, foi presidente da Distrital de Lisboa, foi vice-presidente da Comissão Nacional, foi vice-presidente do Parlamento Europeu, e que é uma das vozes mais conhecidas em Portugal.

Dando opiniões próprias, quer com elas concordemos ou delas discordemos, sempre opiniões que fazem o seu curso, que marcam o momento, e que é importante ouvir.

Uma das leituras que eu tive em férias, nos dez dias de férias em que estive no Algarve, foi de um professor universitário espanhol de 47 anos, professor de filosofia da Universidade de Zaragoza, Daniel Innerarity, que escreveu um livro chamado “Transformação da Política”, traduzido em Portugal pela Teorema, se a memória me não trai, e que a determinada altura faz uma análise engraçada sobre a transformação da política, e a transformação das ideologias, dizendo que agora, hoje, nos dias que correm, a Direita se apresenta como a advogada da inovação, a apelar à modernização, a defender posições avançadas. E que a Esquerda muitas vezes se preocupa mais com a manutenção, da segurança, do estado de providência, da coesão.

Diz na análise, de querer sublinhar que hoje a Direita é que quer mudar e a Esquerda quer conservar.

E o Prof. Daniel Innerarity, conclui dizendo que os papéis inverteram-se, nos dias de hoje a Direita tornou-se utópica, e a Esquerda tornou-se realista.

Dr. Pacheco Pereira, muito obrigado por ter aceite o nosso convite para estar entre nós, a conversa vai ser consigo esta noite e o ponto de partida é este: ainda faz sentido, falarmos em Esquerda e Direita? Há um espaço para a Esquerda e para a Direita? Se quiséssemos fulanizar isso numa pergunta, será que José Sócrates é um homem de esquerda?

A palavra é sua. Muito obrigado.
 
Dr.Pacheco Pereira
Muito obrigado, em primeiro lugar pelas vossas palavras, quer as do Carlos Coelho que foi meu companheiro durante um mandato no Parlamento Europeu, e no Parlamento Nacional, já nos conhecemos há muitos anos; e pelas palavras, pelas conversas com o Grupo Castanho na mesa, e pela saudação que me foi dirigida em nome dos presentes, dos Jovens Sociais Democratas aqui presentes, pelo Grupo Vermelho, e lembrando aliás que as setas do PSD na sua versão original eram vermelhas, e não propriamente cor-de-laranja, a História tem destas coisas, mas agradecer a todos por esta oportunidade de falar numa iniciativa que é muito mais moderna se quisermos, no sentido que muito mais adequada aos tempos, do que os comícios que tradicionalmente iniciavam a rentrée política.

Evidentemente que a política não tem férias, mas como o ciclo estudantil de alguma maneira acabou por ser também o ciclo das pessoas, parte-se do princípio que se começa a trabalhar em Setembro, e terminam as férias no final de Agosto.

E não há melhor maneira para começar o trabalho, se quisermos assim, do que estudar. E nós precisamos no Partido Social Democrata, precisamos em todos os partidos de muito estudo, porque a realidade hoje é muito diferente da realidade do passado.

Se não estivermos atentos às características das realidades do presente - estamos a viver transformações das mais importantes da História Contemporânea -, muitas vezes o que acontece é que não as percebemos, exactamente por estarmos metidos dentro delas.

E indo à questão que me foi aqui colocada, eu começo por dizer já os soundbites no princípio e depois vamos à justificação. Acho a divisão Esquerda/Direita, hoje, é uma sobrevivência do passado, gera muito mais confusão do que esclarece, a grande maioria dos problemas que temos que defrontar não são compatíveis com a divisão clássica Esquerda e Direita.

Considero um erro que se aceite pacificamente que o Partido Social Democrata é um partido de Direita, é um erro do ponto de vista político grave, e é aliás uma violação de fundo do pensamento do nosso fundador, Sá Carneiro era explícito e disse-o várias vezes, por estas palavras “O PSD não é um partido de Direita”, repetiu várias vezes, e ele não era propriamente uma pessoa que fizesse estas afirmações como soundbite, mas sim, porque tinha uma ideia estruturada do pensamento político do partido, e sabia bem, em vésperas aliás, de mais uma actualização programática, sabia bem no programa original do PSD que de facto as suas componentes essenciais não tinham a ver com a divisão clássica de Esquerda e Direita, e o acantonamento do PSD à Direita reduziria sempre a sua capacidade de influência política, como nós vimos recentemente, não é preciso não ir mais longe, como nós vimos recentemente.

Porque que é que eu penso que a divisão Esquerda/Direita não é hoje instrumental?

É uma divisão histórica, não nego que ela não exista historicamente. Eu não nego que ela não exista afectivamente até, num certo sentido. Mas há várias razões para nós compreendermos que ela não é útil para defrontar a realidade. A grande maioria dos problemas que nós temos na sociedade contemporânea, não são fáceis de colocar em termos da divisão da Esquerda e Direita. A globalização, é de esquerda ou de direita? O aborto, é de esquerda ou de direita? A consciência ecológica, é de esquerda ou de direita?

A grande maioria dos problemas que nós temos que defrontar, cabem mal numa classificação que foi feita para um mundo que está a desaparecer diante dos nossos olhos.

Qual é a origem desse mundo? Duas revoluções, o mundo que nós conhecemos deriva da Revolução Francesa e da Revolução Industrial. A Revolução Francesa deu-nos grande parte do nosso vocabulário político, quando nós falamos em Humanidade usamos uma palavra que tem duzentos anos, quando nós falamos em igualdade usamos uma palavra que tem o significado que nós lhe damos há duzentos anos, igualdade para os gregos não queria dizer a mesma coisa do que para nós quando utilizamos a palavra hoje. Quando nós falamos de liberdade usamos uma palavra que tem duzentos anos.

As palavras podem existir antes, o significado com que nós as utilizamos no plano político tem duzentos anos. Data do Iluminismo e da Revolução Francesa.

A ideia de que todos os homens são livres e iguais tem duzentos anos, duzentos e cinquenta anos, se quiserem. É evidente que há percursores antes, mas como ideia dominante no plano e na linguagem política tem pouco tempo. Os homens no século XVI, por exemplo, os cristãos no século XVI resolveram o problema da humanidade das mulheres, até ao século XVI, a própria Igreja duvidava se as mulheres eram Homens, no sentido de fazerem parte da Humanidade. Foi o Concílio de Trento que decidiu plenamente que as mulheres eram parte da Humanidade plena. A ideia sobre a Humanidade das mulheres é recente; A igualdade entre os homens e as mulheres é recente; a igualdade entre as raças é recente.

Mais, quando duas civilizações se encontravam no passado, cada uma duvidada da Humanidade da outra. Os gregos chamavam-se a si próprios Homens, mas fora dos gregos havia os bárbaros, e os bárbaros eram menos homens que os gregos.

Quando os primeiros conquistadores espanhóis chegaram ao México, e encontraram pela primeira vez uma civilização desenvolvida, de que não tinha havido nunca nenhuma notícia, é preciso ver que até ao século XV, até ao século XVI, a Europa, os europeus contactavam com a Ásia, sabiam que havia a China, sabiam que havia negros em África, sabiam que havia a Núbia, tinham o mundo que conheciam, conheciam desde a Antiguidade.

Quando chegaram à América e encontraram os Aztecas, os Maias e os Incas, encontram povos de quem não sabiam absolutamente nada.

E a reacção natural de que se encontra reflexo em muitos textos, inclusive do Padre António Vieira, é “São eles homens como nós?”, e as conversões forçadas, todo o debate sobre como é que deviam actuar com os índios, os massacres, tudo isso depende da resposta a essa pergunta “São eles homens como nós?”.

O Padre António Vieira falou sobre esta questão. E os Incas, Aztecas e os Maias também não sabiam se aqueles espanhóis que lhes apareciam vestidos de metal e em cima de cavalos eram homens. Para já eles nunca tinham visto cavalos com homens em cima, quando o cavaleiro saia do cavalo, não tinham a certeza se era um ser que se dividia em dois. Estas dúvidas existem nos textos.

Eles também não sabiam se os outros eram homens. De tal maneira que matavam os espanhóis e metiam-nos dentro de água para ver se eles apodreciam como os homens.

Isto são apenas exemplos para mostrar que aquilo que nós hoje consideramos adquirido é muito recente. Nós temos às vezes a tendência de achar que as coisas existem desde sempre, que as categorias existem desde sempre, que estão para além da História. Não é verdade. Nós falamos com a língua que nos deu a Revolução Francesa e que nos deu o Iluminismo, e essa língua é datada historicamente. E nós falamos também com o mundo, nós portugueses, franceses, ingleses, alemães e italianos, com o mundo da revolução industrial. São as duas revoluções, a Revolução Francesa no plano político e a Revolução Industrial no plano da sociedade. A Revolução Industrial o que é que fez?

Fez com que tivéssemos uma esperança de vida muito superior, a maioria das pessoas morria, Cristo era um homem velho quando morreu. Muitos homens na Idade Média morriam, se chegavam aos quarenta anos eram velhos. Há que ter esta noção das coisas.

A Revolução Industrial mudou radicalmente o panorama da Europa porque diminuiu a mortalidade, ela não aumentou muito, também aumentou a natalidade, mas diminuiu a mortalidade. E ao diminuir a mortalidade a população europeia deu um salto.

E onde é que estava essa população? Em cidades.

Portanto, a paisagem que nós conhecemos, de grandes cidades, mundo urbano assente na indústria, paisagens industriais, mundo assente no modelo de crescimento essencialmente industrial, data da Revolução Industrial. Ou seja, data do final do século XVIII, princípio do século XIX em Inglaterra, e depois mais tarde nos outros países europeus.

Portanto, os nossos quadros de pensamento, as nossas palavras têm este período de tempo, da Revolução Francesa no plano político, da Revolução Industrial no plano, chamemos-lhe assim, da nossa ecologia de vida.

A distinção entre Esquerda e Direita, como a própria ideia das ideologias data desta época, data do final do século XVIII, princípio do século XIX.

A ideia da ideologia, e das convulsões da Revolução Francesa a separação entre a esquerda e a direita.

E habituámo-nos, principalmente no século XX, a fazer esta distinção, Esquerda/Direita. Devo dizer aliás, que esta distinção não é fácil de fazer. Por exemplo, eram os nazis de direita? Porque é que os nazis eram de direita?

Há coisas que nós reconhecemos como sendo de direita, a ideia da autoridade, de autoridade do Estado, a ideia da subordinação, mas por exemplo, a ideia da subordinação plena do indivíduo ao Estado, partilhava-a com o Comunismo, que nós tradicionalmente colocamos à esquerda.

As ideologias totalitárias já começaram a baralhar a questão, os nazis chamavam-se nacional-socialistas. E a expressão socialista era para tomar a sério, de facto os nazis estão na origem juntamente com alguns socialistas e alguns comunistas, muito daquilo que nós hoje chamamos modelo social europeu. Quem é que pela primeira vez deu férias pagas aos operários? A Federação Alemã da Alegria do Trabalho como aqui existia em Portugal e a Frente Popular Francesa.

Não é fácil encontrar uma linha de esquerda e de direita tradicional que nos permita organizarmo-nos no plano político.

Portanto esta distinção, a distinção histórica, que em grande parte cresceu, por exemplo em Portugal, depois da queda do Muro de Berlim.

Porque havia sempre aquele problema de como é que nós classificávamos, os comunistas são de direita ou são de esquerda? Bom, conservadores. Sim, são conservadores, por exemplo no plano sexual os comunistas eram muito conservadores. Mas, por exemplo, os alemães que tinham ideias eugénicas sobre a raça nazi, por exemplo são percursores do naturismo. A apologia do corpo levava-os por exemplo a uma atitude que nós consideraríamos mais moderna. Não é fácil encaixar! Eu só estou a dar exemplos para vocês verem que a História é mais complexa do que o que parece, não é fácil encaixar a História nas categorias de Esquerda e de Direita, como as pessoas hoje pensam.

Vindo à actualidade. O que é que torna ainda mais difícil dividir tudo em termos de Esquerda e de Direita?

Daí estas confusões! O Sócrates é de esquerda e de direita. Bom, eu sei que o Sócrates é um socialista, mas no seu Governo ele faz coisas que tradicionalmente eram da direita, e coisas que tradicionalmente eram da esquerda.

Como o Partido Social Democrata, faz coisas que correspondem à tradição da direita e coisa que fazem parte da tradição da esquerda. Serve isso para classificar os partidos? Não, a não ser quando eles se reduzem a um património ideológico muito fechado. Quando o Manuel Monteiro que escreveu o Manifesto da Direita, que é um texto que vale a pena ser lido, ele sintetiza um conjunto de ideias e fica preso nelas, ele diz isto é os meus limites, e evidentemente que nós podemos dizer o grosso daquelas ideias, são ideias tradicionais que foram sempre assacadas à direita. Mas depois quando analisamos a experiência governativa do PP, por exemplo grande parte da experiência governativa em áreas como por exemplo a defesa, foram só dadas pela esquerda ou em grande parte medidas de intervencionismo do Estado, para proteger Bombardier, para meter dinheiro na OGMA.

Portanto é difícil, chamo-vos a atenção, se vocês deixarem de pensar, esquerda e a direita têm sentido para analisar historicamente, para analisar correntes de opinião, não é útil para analisar a realidade actual. Em particular, não é útil para perceber os fenómenos novos. A distinção esquerda/direita impede-nos de perceber o que é novo.

Por exemplo: uma das razões que destruiu interiormente a vitalidade ideológica do comunismo foi a existência da bomba termo-nuclear.

Vocês vão dizer: mas que coisa esquisita!

Não, a guerra atómica, o facto de pela primeira vez na História da Humanidade os homens se poderem destruir a si mesmos, coisa que nunca aconteceu na História, nós vivemos numa sociedade, desde os anos 50, que tem um elemento completamente novo, os homens nunca tiveram capacidade de se destruírem a si mesmos. Hoje têm.

Reparem que quando, por exemplo na Bíblia, ou nos textos clássicos, na Epopeia de Gilgamesh, nas Lamentações de São Jeremias na Bíblia se, ou nos gregos, quando eles falam do fim da civilização, chamemos-lhe assim, eles falam do fim da civilização deles. Do fim de Jerusalém, mas ficaria sempre alguém.

Desde o início dos anos 50 que se percebeu que uma guerra termo-nuclear não tinha sobreviventes. Ora a partir do momento que se percebeu que uma guerra termo-nuclear não tinha sobreviventes, percebeu-se também que um conflito termo-nuclear generalizado não tem lado justo. A ideia clássica que a própria Igreja tinha de haver guerra justa e guerra injusta, que os comunistas tinham apropriado para a luta de classes dizendo, de um lado está o proletariado, do outro lado está a burguesia, e o conflito internacional é apenas uma tradução deste conflito de classes, uma das razões porque o comunismo a partir de Khrushchov passou a sofrer uma inversão teórica considerável, foi exactamente porque se percebeu que o conflito termo-nuclear não tem vencedores, portanto não pode haver luta de classes universal.

Ora, esta implosão do pensamento clássico, preto e branco, esquerda e direita, comunistas/burgueses, operários/burgueses, esta implosão das categorias que vinham da Revolução Francesa, que vinham do século XIX, que correspondiam a sociedades assentes essencialmente no modelo de produção industrial clássico, e mecanismos de guerra clássicos, não são hoje pensáveis.

Porque é que é importante pensar de novo na questão da bomba? Porque nós entrámos no século XXI com um novo conflito, que de alguma maneira nos recoloca nas mesmas questões que se colocaram nos anos 50 com a bomba termo-nuclear.

Estamos perante uma guerra em que as armas de destruição maciça, e as mais importantes, neste caso até nem são de carácter nuclear, podem vir a ser até armamento de carácter biológico, o facto de haver grupos de terrorismo apocalíptico, não interessa aqui, há hoje grupos que praticam terrorismo apocalíptico, se poderem matar o maior número de pessoas matam. O terrorismo já existe há muito tempo, mas este terrorismo apocalíptico é um fenómeno moderno, em grade parte resultado de conflitos que estamos agora a nascer à volta do fundamentalismo muçulmano, à volta de todo um conjunto de questões de carácter cultural e civilizacional.

Dá-se aliás um processo que também torna a divisão esquerda/direita difícil, é que a divisão de esquerda/direita era fácil de sobrepor sobre a conflitualidade de carácter económico e social.

É mais difícil sobrepô-la sobre uma conflitualidade de carácter cultural e civilizacional, a Al Qaeda é de esquerda ou de direita?

Se utilizarmos quadros clássicos temos muita dificuldade em responder à pergunta.

Estamos perante fenómenos novos, a globalização, o aparecimento de um fenómeno completamente novo que está à nossa volta e que nós não o analisamos politicamente como deve ser, que é o aparecimento da sociedade de massas, da cultura de massas e o consumo de massas.

As massas nunca tiveram acesso ao consumo que têm hoje. A ideia da existência de uma sociedade de massas é moderna, data essencialmente do final da II Guerra Mundial. O facto de haver um número significativo de pessoas com acesso ao lazer, com acesso ao consumo muda, por exemplo, a super estrutura cultural. Quando as pessoas se queixam das audiências da televisão, e se queixam que as pessoas na televisão querem ver os Morangos com Açúcar, e o Big Brother e essas coisas, estão apenas a reflectir sobre um fenómeno que não existia no passado, é que as massas acederam ao consumo cultural e massas e portanto modificam todos os parâmetros culturais em que estamos a reinar.

Isto complica-se à esquerda e à direita. O Big Brother é de esquerda ou de direita? Vocês podem dizer: “Mas tem sentido fazer essa pergunta?”, claro que tem, porque se os quadros de esquerda e de direita são explicativos, têm que permitir ordenar as coisas. Se eles são para ordenar eles têm que servir exactamente para fazer distinções. E é evidente que há elementos de esquerda e de direita clássicos em cada um destes fenómenos. Mas o que nós estamos é perante fenómenos novos que não se encaixam facilmente nos critérios das classificações.

Por exemplo, a usura do Parlamento, a perda de importância dos parlamentos, as transformações profundas no domínio militar, as transformações profundas no tecido social, o aparecimento de fenómenos de solidão urbana nas grandes cidades, os mecanismos de insegurança típicos do mundo contemporâneo - tudo isso são fenómenos novos que não se encaixam nas classificações tradicionais.

Portanto, acho que é muito mais interessante, evidentemente saber a história da esquerda e da direita, saber a história das classificações, mas saber que grande parte dos problemas contemporâneos não cabem, e daí as dificuldades com o Governo do Eng. Sócrates, se nós utilizarmos esquerda e direita. Se utilizarmos outros parâmetros, percebemo-los. Quando nós vamos à tradição do Partido Social Democrata, por exemplo, o que é que é genético no programa do Partido Social Democrata, o que é que é ideológico? Que nos orienta muito mais do que estas classificações de esquerda e de direita. 

Vale a pena voltar a ler Sá Carneiro. Sá Carneiro porquê? Porque Sá Carneiro era um intelectual que sabia muito bem o que queria, e sabia em que tradições é que escrevia. Os textos de Sá Carneiro são interessantes, nós temos um partido que toda a gente fala de Sá Carneiro e ninguém lê, ninguém sabe o que é. Serve como uma espécie de um ritual.

Mas, na realidade, a génese do Partido Social Democrata é estruturalmente definida pelos textos de Sá Carneiro, e Sá Carneiro definiu o Partido Social Democrata de uma forma sui generis, com três componentes de carácter ideológico, para quem acha que há pouca ideologia. Três tradições: uma, o Partido Social Democrata é um partido no plano político, liberal. Ou seja, a tradição do Partido Social Democrata insere-se na tradição do liberalismo político português, Alexandre Herculano, Almeida Garrett, a tradição da oposição ao salazarismo, na tradição essencialmente de defesa das liberdades cívicas, do entendimento dos valores da democracia, da necessidade de se entender os homens como cidadãos e tal.

Se fosse só isto, isto servia para nos separar do PS? Não. Se a única componente ideológica do programa do Partido Social Democrático fosse o liberalismo político, o nosso partido irmão era o Partido Socialista, que também tem essa tradição de liberalismo político.

O que é que faz a diferença? Outras duas tradições,

Segunda tradição ideológica importante: a tradição do personalismo cristão. De facto, Sá Carneiro que tinha uma formação clássica dentro da doutrina social da Igreja, tem um entendimento do Homem próximo do entendimento da doutrina social da Igreja. E em que é que se manifesta isso nos textos programáticos? Na ideia de que a política não resolve tudo. Que há limites à acção política, por exemplo. a afirmação da dignidade da pessoa humana, que existe em todos os textos do programa do Partido Social Democrata, é exactamente o que nos diferencia do PS, para começar.

Porquê? Porque como o PS, sendo que o PSD é um partido laico, o PSD é um partido laico programaticamente. É muito claro esse aspecto da laicidade, é um partido que defende a separação do Estado e da Igreja, no entanto, a sua visão da pessoa humana não a reduz à cidadania, essa é uma diferença importante com o PS.

No PS, a cidadania é um elemento fundamental da intervenção política. Portanto a noção, chamemos-lhe assim, personalista da pessoa humana como sendo mais do que a acção política, portanto, atento a outro tipo de valores de dignidade pessoal, não existe na tradição do socialismo.

Portanto, iguais ao PS na tradição liberal, diferentes do PS no entendimento do personalismo, só que aqui iguais ao PP. Porque esta tradição personalista é igual à tradição democrata cristã, que esteve na génese do CDS. Não tanto do PP mas do CDS. Portanto nós na valorização da pessoa humana somos irmãos do CDS, e não do PS.

E isto é assim que funciona.

Terceiro elemento, a tradição social democrata. Ou seja, a ideia fundamental de que o Estado deve intervir no sentido de garantir a justiça social.

E é exactamente a combinação destes três elementos, liberalismo político, personalismo no entendimento da pessoa humana, tradição social democrata na ideia de que o Estado deve garantir a justiça onde ela não existe pelo funcionamento natural da sociedade, são únicos. Esta combinação é única.

Agora, se nós apenas valorizarmos o elemento social democrata, aproximamo-nos do PS; se nós entendermos o elemento social democrata como um elemento estatista, aproximamo-nos do PS. E acho que nalguns casos nós não soubemos preservar essa fronteira. Por exemplo, nós temos muitas soluções em relação ao Estado que não são diferentes das do PS, muito daquilo que se chama centro político, o centrão, é o resultado de um entendimento do Estado que não é muito distinto entre o PSD e o PS.

No plano do personalismo, que é muito importante em certas questões de carácter político, porque todas estas coisas têm traduções no plano político programático.

A esta junção de três tradições, acrescentou-se depois uma quarta, que é a prática, a história. Se nós queremos saber do ponto de vista ideológico o que é que é o PSD, temos que ter em conta estas três tradições, mais a história do partido.

A história do partido é o elemento que concretiza esta tradição ideológica, e portanto, daqui resulta que a classificação direita/esquerda, não nos caracteriza.

Nós podemos dizer “Bom, o PSD está entre o centro esquerda e o centro direita”, está bem, apesar de tudo é mais aceitável, mas na realidade eu sempre achei que um militante social democrata que participa no debate público, o apresentador diz a direita diz isto, a direita diz aquilo, ele deve protestar. Infelizmente nos últimos anos perdeu-se um bocado esse hábito e as pessoas deixaram-se engolir por uma linguagem que não é a tradicional do Partido Social Democrata, mas mais do PP. De facto, desse ponto de vista o PP conseguiu criar uma certa hegemonia ideológica impondo a classificação esquerda e direita. O PP e o Bloco de Esquerda. Porque na realidade eram os dois partidos do extremo que estavam interessados em reanimar a classificação esquerda e direita. Porque a classificação esquerda e direita, na realidade favorece os puros, e ao favorecer os puros, na realidade coloniza ideologicamente os outros. O PS teve os seus problemas com o Bloco de Esquerda, o PSD teve os seus problemas de definição política com o PP.

Para terminar esta questão, o que é que é mais importante do que vir com classificações abstractas? É estar consciente do património que nos une, e o património que nos une é o corpo genético do programa do Partido Social Democrático, que é importante, porque quando nós temos que dirimir um conflito deve-se ir à origem, porque senão, não somos o que somos, somos outros.

E era muito importante que se lesse os textos, que se estudasse os textos originais, porque Sá Carneiro era um pensador político muito rigoroso.

E depois é a história, a história do Partido Social Democrata deve também ser analisada politicamente. E historicamente: as alianças, as diferenças, os discursos ideológicos, as diferenças de tom.

Em que é que isto é importante para os dias de hoje? É porque não tem nenhum sentido combater um Governo socialista do Eng. Sócrates em termos de esquerda e direita. Na realidade, há medidas que o Eng. Sócrates toma, que estão historicamente estão próximas das tradições de direita, um certo estilo autoritário de governação, a utilização da propaganda como instrumento de governação, não pensem que isso caracteriza a esquerda, a direita também utilizou muitas vezes, se quisermos até na tradição do passado, a propaganda é em grande parte um fruto de uma coligação entre Comunistas, Fascistas e Nazis, foram eles que desenvolveram a propaganda. Quem são os grandes mestres da propaganda? Quem foram os primeiros a usar a imagem como instrumento de propaganda? Quem foram os primeiros a utilizar técnicas contemporâneas de propaganda, a rádio, o cartaz, os comícios? Foram os alemães, por exemplo, que introduziram inovações muito significativas, que utilizaram por exemplo o cinema, que utilizaram a rádio com transmissões em directo que não existiam antes.

Há toda uma tradição, é preciso conhecer a história para perceber que as coisas nunca são simples quando nós utilizamos classificações que já não são as do mundo contemporâneo.

Como é que se sai deste dilema sem termos uma noção de orfandade ideológica, que muitas vezes existe? É substituindo as teorias universais pela análise dos problemas em concreto.

E quando nós analisamos os problemas em concreto, e quando conhecemos a sociedade, que é muito importante também como elemento, conhecer a sociedade em que vivemos, nós somos capazes de criar alternativas, porque na realidade as nossas tradições são diferentes das dos outros partidos. E é por isso que é necessário repensar o papel  Estado, é necessário repensar o papel dos media, é necessário repensar a organização dos partidos políticos, a nossa organização, como a do PS são organizações adaptadas às circunscrições eleitorais, são partidos muito antigos, cada vez menos eficazes.

E isso vê-se, a gente é que não quer ver! O que é que é mais importante numa campanha eleitoral? É o que se encomenda às agências de comunicação, é o que se encomenda à propaganda e ao marketing.

A acção militante é importante? É sem dúvida importante, mas é cada vez menos importante em relação aos debates televisivos, em relação ao marketing. Nós temos que tirar daqui as conclusões, e as conclusões é: analisarmos a sociedade como ela funciona efectivamente e não como nós desejamos que ela funcionasse, ou utilizando quadros antigos de funcionamento.

É necessário utilizar a Internet de forma diferente, é necessário utilizar os blogs, é necessário repensar o papel da imprensa, é necessário ganhar hegemonia no plano cultural, muito mais importante hoje, particularmente em relação aos jovens, é ter um papel activo no plano cultural, e o nosso partido não tem nenhuma tradição nessa matéria, por exemplo.

Nós não consideramos importante, nós consideramos importante ser economistas mas não damos nenhuma atenção ao mundo da cultura. O mundo da cultura é cada vez mais importante hoje nas cidades, é cada vez mais importante para a formação de opinião.

Portanto, temos que reflectir sobre as coisas como elas são, não com os quadros do pensamento do passado.
 
Marco Abrantes
Muito boa noite. Na pessoa do ilustre convidado cumprimentamos a digníssima mesa e os restantes companheiras e companheiros, como manda a tradição, tínhamos quatro perguntas preparadas para fazer ao Sr. Dr. e conseguiu, não digo estragar-nos a festa mas de alguma forma responder a todas.

Gostaria de lhe colocar a seguinte questão, começou por desmistificar o conceito de esquerda e direita, objectivou a sua complexidade, no entanto na cena política nacional nós assistimos a uma dicotomia entre a relação  Presidente da República e Governo, a um Eng. José Sócrates e ao seu Governo que actuam em campos muito próximos ao campo do Partido Social Democrata, e numa altura em que nós procuramos no PSD dar uma renovação ao nosso programa e fazer uma análise que tende a ser ambiciosa e tende a ser arrojada, queremos a sua opinião e a sua prospectiva, em que é que podemos traduzir essa ambição e esse arrojo no nosso programa?
 
Dr.Pacheco Pereira

Bom, acho que esta questão que se diz hoje da dificuldade de fazer oposição, porque o Governo está a fazer a nossa política, eu com toda a franqueza não me parece que isso tenha sentido. Isso é erro nosso. Nem o Governo está a fazer a nossa política, e naquilo que está a fazer a nossa política, muito bem.

Devemos ter a capacidade de dizer muito bem, e passar à frente.

Qual é o problema que se coloca hoje? O problema que se coloca hoje é que estamos a ser punidos por aquilo que não fizemos, nós temos que ter consciência crítica sobre nós próprios, muito daquilo que faz o sucesso actual do Governo do PS resulta de erros de Governos do PSD.

Há muita coisa que já é evidente há tantos anos, que não se compreende porque é que Governo sobre Governo com condições nalguns casos, umas melhores outras piores, de execução, e não há muito tempo nós tivemos uma maioria absoluta, não se compreende porque é que não se fez.

Não há razão. Isso é um aspecto.

E é por isso que eu tenho insistido e até já escrevi sobre isso, que acho que um aspecto importante que o Partido Social Democrata devia fazer, é fazer um balanço do passado, que é pôr em ordem as coisas. Que é reunirem-se as pessoas, discutirem, e fazerem um balanço colocando questão a questão o que é que fizemos bem e o que é que fizemos mal, que é para poder passar para a frente.

Pronto, e aí encerra-se de alguma maneira, fecha-se o ciclo do passado.

Quando me pergunta: é difícil fazer oposição com o Eng. Sócrates? Só é difícil fazer oposição ao Eng. Sócrates quando nós não olhamos para o nosso próprio programa e para a nossa própria diferença.

Eu vou dar um exemplo que sei que muita gente não concorda, eu acho que nós devíamos ser paladinos da privatização total dos órgãos de comunicação social do Estado, acho que não tem sentido nenhum que haja órgãos de comunicação social do Estado. Os órgãos de comunicação social são pela sua natureza, da matéria mais volátil que há numa democracia. A televisão como nós a conhecemos, fomos nós que privatizámos a imprensa escrita, com a oposição do PS, fomos nós, até temos tradição nessa matéria, fomos nós que abrimos a televisão à iniciativa privada. Porque é que é importante? É importante porque um sistema comunicacional aberto e competitivo, no qual não haja a instrumentação dos governos, e todos os governos instrumentalizam os órgãos de comunicação social do Estado, em todos esses casos nós perdemos, não só em relação ao futuro, porque de facto não tem nenhum também sentido manter o Estado dono de órgãos de comunicação social, mas também em relação ao presente porque isso dava um contexto crítico global à nossa crítica ao funcionamento dos órgãos de comunicação social do Estado, porque que eu não tenho dúvida nenhuma que a RTP actua governamentalizadamente em relação aos seus objectivos. E aos objectivos do Governo, deste e em relação aos anteriores.

Dou-lhe mais exemplos: a proposta que Marques Mendes fez recentemente, sobre a reforma da Segurança Social, por exemplo, exigia ser levada ainda mais longe, ser estudada e ser transformada duma maneira diferente de entender a questão da Segurança Social.

Porque este modelo que o PS diz que está a salvar não tem futuro, devido às transformações demográficas que se dão nas sociedades ocidentais.

Nós, caso a caso, e não é difícil, no plano da cultura, por exemplo, em todas as áreas o que nós temos que fazer é parar para estudar, porque nós deixámos de estudar há muitos anos. Quando eu digo nós, digo o Partido, o Partido deixou de estudar.

Quando cria um gabinete de estudos, o Gabinete de estudos acaba por estar preocupado sobre quem é que vai para o Governo quando a gente chegar a ir para o Governo, e sobre quem é o Ministro e o secretário de Estado, não faz um papel, por exemplo, e eu acho que o PSD deve voltar à tradição de fazer papéis, pôr no papel, porque palavrinhas é… pôr no papel.

Os conservadores ingleses, por exemplo, têm essa tradição e é uma tradição positiva que os vai ajudar a governar, quando chegarem ao poder. Que é, fazem um papel, um papper, no sentido académico, que pode ser polémico e diz, isto é as conclusões que o grupo de trabalho sobre a segurança social chegou, e isto é não só atractivo a muita gente séria, que quer discutir as questões seriamente, como nos dá uma enorme vantagem em relação ao pragmatismo tradicional da acção política.

Portanto, nós devíamos reformular o nosso mecanismo de thinkthanks, o mecanismo partidário de grupos de estudo e concentrando-os não tanto numa espécie de governo sombra, embora isso também seja importante, mas criando no fundo, um pensamento actualizado, resultado de um estudo que tem elementos académicos e elementos políticos, sobre a realidade actual.

Por exemplo, verdadeiramente o que é que nós sabemos sobre o Rendimento Mínimo Garantido? Porque razão é que nós não temos gente a estudar o Rendimento Mínimo Garantido? Para poder explicar porque é que duplicou do ano passado para este ano o número de pessoas atingidas pelo Rendimento Mínimo Garantido? O que é que nós sabemos sobre o efeito do Rendimento Mínimo Garantido a nível local? Tudo isso daria um manancial de conhecimentos que depois podem ser traduzidos em acção política.

Eu vivo numa aldeia, nessa aldeia há uma enorme fractura social, que também não é de esquerda nem de direita, entre quem recebe o Rendimento Mínimo Garantido  e quem não recebe.

Sendo que, o estatuto económico e social de quem recebe e de quem não recebe é igual. Só que uns trabalham e os outros não.

Por exemplo, a maioria das pessoas não sabe que há um momento de conflictualidade social grave, que também não tem expressão política, é quando as escolas colocam nas pautas, colocam os estudantes que têm direito a subsídios ou não, e subitamente uma aldeia inteira vai ver as coisas e vê o tipo que tem não sei quê, tem piscina e tem carro e não sei quê, os filhos estão isentos de pagar qualquer coisa, podem ir à cantina e tudo e ele que trabalha que (...) 

( um minuto inaudível na gravação)

(...) associados ao Estado Social, nós não conhecemos grande parte deles, temos medo de entrar nestes conflitos, nós temos medo de entender novos conflitos etários que têm a ver com a questão habitação, nós temos medo de reflectir sobre as questões ecológicas, sobre o que se está a passar no nosso país, por exemplo.

Eu acho que o partido há muito tempo que devia ter estudado o que vai acontecer, de destruição de paisagem natural, com instalação de parques eólicos em tudo quanto é sítio. Eu sou a favor da energia eólica, mas o que está a acontecer é que como sempre acontece, como aquilo agora dá dinheiro, tudo põe uma ventoinha em cima de tudo, e ninguém está, mais uma vez, a ordenar minimamente a colocação desses coisos.

Portanto, nós escapámos à maioria das questões, e é evidente que assim não marcámos a agenda porque não sabemos sequer, e para isto é que o grupo parlamentar, a direcção do partido, iniciativas como esta deviam ser voltadas para um estudo dos problemas realmente que existem, para fazer inquéritos sobre a realidade, para tentar perceber fora dos problemas tradicionais, porque a maioria dos problemas tradicionais que nós temos são os do passado.

E eu vos garanto se nós fizermos isso as razões para a oposição são enormes, vejam o caso, eu escrevo amanhã sobre isso na Sábado, o caso do passaporte electrónico especial, por exemplo. O passaporte electrónico, quer dizer, nós temos duas maneiras de pôr uma notícia no jornal, nós podemos dizer, descrever as maravilhas tecnológicas do passaporte electrónico, ou podemos dizer que o passaporte electrónico demora mais tempo a ser obtido, e custa o dobro.

Nós podemos dizer: o que é que é justo? As duas coisas. Mas a verdade é que a propaganda governamental é toda feita na primeira, e eles fazem bem. O ministro António Costa convidou o Presidente da República, para ter o primeiro passaporte, o que significa que havia imagens, tem o enquadramento; nós temos que estudar estes mecanismos e sermos capazes de os denunciar. Sem medo nenhum, sem problema nenhum. Como mecanismos de propaganda.

A questão dos incêndios, o que é que nós sabemos sobre os incêndios?

Nós sabemos e devíamos saber mais, nós sabemos, por exemplo, que estruturas como os bombeiros estão politizadas em todo o país, quer pelo PSD quer pelo PS.

Nós sabemos, que por exemplo, que críticas e avaliações independentes aos nossos bombeiros mostram defeitos na formação, eu não estou aqui para culpabilizar ninguém, só estou a dizer que nós verdadeiramente perdemos a atitude crítica em relação à sociedade em que estamos.

E não somos capazes de renovar um património de questões, algumas novas, e sermos capazes de chegar à vida política com uma capacidade autónoma de definir temas em função da importância e da relevância para o país.

E isso é válido em matérias tão cruciais como o ensino, a segurança social, a própria estrutura da reorganização urbana das cidades, o plano tecnológico, todas essas matérias sobre as quais, nós, se estudássemos, por exemplo, o que é que acontece, o Governo anunciou o projecto do MIT, eu ainda não percebi porque é que o Partido Social Democrata não perguntou o que é que se passa com o projecto que já devia estar anunciado e a funcionar desde Julho, nós temos que ter uma agenda. Alguém tem que ter o trabalho de, o Governo disse que até Julho está pronto, pôr lá uma caixinha para o líder do partido ou para o responsável sobre essa matéria, em Julho vejam lá o que é que acontece com as promessas, deviam estar sempre a fazer assim.

E portanto, em relação à sua pergunta, nós só não fazemos melhor oposição porque trabalhamos pouco. Quando digo, trabalhamos pouco, é o partido no seu conjunto. E estamos muito subordinados, não só pela agenda comunicacional dos jornais, como também pela agenda institucional. Quando há eleições, quando não há eleições, quando é preciso mudar os cargos.

Desse ponto de vista somos um partido muito antiquado, como o PS, aliás. Muito antiquado.

E portanto, mesmo até para os jovens e para as pessoas, nós temos que atrair os melhores, nós fomos no passado o partido dos self made man, hoje já não somos. E uma das razões da perda de dinamismo do partido e da estrutura partidária é essa. Porque é que nós fomos o partido dos self made man? Porque nos primeiros anos da vida partidária aqueles, que de alguma maneira queriam fazer a sua própria vida, sem estarem dependentes de subsídios, sem estarem dependentes do Estado, sem estarem dependentes da autarquia, reconheciam-se no Partido Social Democrata. Hoje não se reconhecem no Partido Social Democrata.

É evidente que hoje os self made man são diferentes, são mais novos, são jovens profissionais, são pessoas no início da carreira, são pessoas com outro tipo de qualificações, é para esses que nós temos que falar. Mas temos que falar com qualificação, porque nenhum tipo bom nos liga nenhuma senão formos tão bons como eles.

Tão simples como isso. Se nós não temos os melhores, os melhores que estão fora de nós também não vêm.

E esse tipo de política dá-nos com certeza, muita vantagem.

Eu não tenho nenhum problema com a oposição, façamos nós o nosso trabalho e chegamos lá com, há mil e um temas em que nós podíamos fazer diferente, sobre os quais não temos, temos uma voz demasiado presa às nossas posições do passado. Demasiado presos à sensibilidade, não queremos aborrecer o senhor A ou o senhor B, o senhor A disse aquilo, o senhor B disse aquilo, e isso não pode ser assim no plano político.

 
Boa noite a todos. Boa noite Sr. Prof.. Sempre demonstrou alguns cepticismos em relação à existência das estruturas partidárias da juventude, como classifica uma iniciativa deste género?
 
Dr.Pacheco Pereira
Eu já contava com essa pergunta, como é óbvio.

Bom, vamos lá ver, a iniciativa deste género já tive ocasião de dizer a minha opinião sobre ela, e é bastante positiva, não é por eu estar aqui a falar, acho que é positiva.

Eu não tenho muito, já não tenho condição nem estatuto para estar com hipocrisias, digo aquilo que penso, aliás acho que sempre disse.

A reflexão sobre a estrutura orgânica do partido, e dentro dessa estrutura orgânica sobre a JSD e os TSDs, tem que também ser feita sem grandes preocupações territoriais, porque infelizmente toda esta discussão é sempre inquinada com as preocupações territoriais, eu tenho o meu território, tu tens o teu território, e portanto cada um defende o seu território, e as carreiras desse território, e o papel nesse território.

Em primeiro lugar, a juventude portuguesa mudou muito, vocês sabem disso melhor do que eu. O papel da luta estudantil, o papel das associações de estudantes, o próprio tipo de politização, por exemplo, as lutas estudantis eram muito importantes numa altura em que a garantia praticamente automática do emprego para os licenciados era um mecanismo natural.

Hoje, nenhuma análise sobre a questão da juventude pode deixar de ter em conta que, por exemplo, os estudantes não têm, de modo nenhum, emprego garantido.

Na minha geração e muitas gerações a seguir o facto de tirarem um curso universitário lhes garantia uma entrada no mercado do emprego, isso hoje não acontece.

Portanto, há mudanças estruturais, há mudanças de politização, os media hoje têm um papel diferente, e portanto o que eu entendo é que é pernicioso, e vocês sabem que essa é que é a minha opinião, e não me refiro apenas à JSD porque eu penso isso também dos TSDs, e penso também aliás o mesmo do PSD, acho que era importante o partido reflectir os seus próprios estatutos em função de outro tipo de dinâmicas sociais. Criando sem dúvida todas as oportunidades quer aos trabalhadores quer aos jovens, mas sem as preocupações territoriais tradicionais, que acabam por se traduzir essencialmente naquilo que toda a gente sabe que acontece, que é em conflitos de competência e de carreira pelos lugares, na maioria das secções.

Toda a gente sabe que é assim, vamo-nos deixar de coisas. Toda a gente sabe que é assim.

Não estou a dizer que não haja depois todo um outro conjunto de actividades que têm mérito, mas a verdade é que os mecanismos de funcionamento intra-partidários são muito subordinado pelas carreiras políticas dentro do partido, e pelo acesso que essas carreiras dão aos recursos que o partido pode distribuir. Ou seja, os lugares que ele pode distribuir. Quer no plano estritamente político, por eleição, quer nas autarquias, e hoje cada vez mais nas autarquias, quer doutros mecanismos, das empresas municipalizadas, nas assessorias e tudo.

Acho que isso é uma perversão da actividade política, mas essa perversão da actividade política não é apenas na JSD, vocês podem às vezes pensar, não, é no próprio partido. As estruturas, as secções do partido, são em grande parte, evidentemente que há sempre excepções, estruturas destinadas a manter pequenos poderes. Muitas delas, e eu fui presidente da Distrital de Lisboa, tenho experiência directa de como isso existia, nem sequer tinham mobilização para ganhar as eleições, o que elas não queriam era perder o que tinham adquirido.

Uma pequena secção tinha dez lugares para distribuir, verdadeiramente a ideia de poderem ganhar uma câmara não era muito importante desde que não perdessem os dez lugares. E este mecanismo, todo o esforço era subordinado à necessidade de manter os dez lugares. Para que era preciso ter um vereador da secção, era preciso que esse vereador tivesse um lugar nos serviços municipalizados, era preciso que, e todos os mecanismos e lógica do poder interno se faziam em função destes trade offs, tu sais agora porque vais para deputado mas tu apoias-me a mim para presidente da secção para eu daqui a não sei quantos anos ir para deputado.

Quer dizer, tudo funcionava assim. E vocês, não nos vamos enganar, isto funciona assim!

Qual é o problema? O problema é se não há muito mais coisas do que isto. Se não há muito mais coisas do que isso. E aqui a grande maioria das pessoas eu não conheço, mas que a maioria das organizações do partido, 90% das  pessoas são as mesmas que já lá estavam há dez anos. Os mesmos. Nós sabemos. Os mesmos. Não é o caso aqui, e ainda bem.

Mas, uma pessoa faz uma campanha num sítio, vai a um sítio e conhece toda a gente, é mau sinal, é sinal que do ponto de vista societal não aconteceu nada. Quer dizer, continuam sempre os mesmos. Eu sei que são pessoas muito dedicadas, estão lá, têm a camisola não sei quantos, mas é que não há ninguém de novo. Não há ninguém novo. E todos os mecanismos de mudança e tradição do poder são quase monárquicos, e toda a gente que fica de fora conspira para deitar os que ficaram de dentro, os eu ficaram de dentro para impedir que os de fora tirem o poder aos de dentro. Mesmo que isso signifique um lugar de deputado não sei donde, ou se signifique um lugar na vereação não sei donde.

Ora isto é uma perversão da acção política partidária, o objectivo do Partido Social Democrata não é manter os lugares que tem no aparelho de Estado, é fazer uma acção de pedagogia cívica na sociedade em função do seu ideário político.

E a verdade é que nós aqui temos um enorme deficit de actividade. E não estamos organizados para o fazer. E é por isso que eu sou crítico, e é possível encontrar mecanismos, é possível.

Agora, qual é a dificuldade de fazer esta reflexão? É que ninguém quer perder o que tem. Mas, o problema é que cada vez temos menos. Já se aperceberam com certeza disso: que cada vez temos cada vez menos. Não é por acaso.

Cada vez temos cada vez menos, por duas razões, uma é porque há cada vez menos para distribuir, do bolo geral, e outra é porque cada vez temos menos poder.

Cada vez temos menos influência, cada vez temos menos, nós podemos acreditar nos ciclos políticos, daqui a quatro anos ou daqui a oito anos, ou daqui a dez anos, lá voltamos, é sempre um argumento, eu acho que isto não é uma maneira de pensar política, mas a verdade é que a gente tem essa tendência. Lá voltamos, eles hão-de se cansar, hão-de fazer asneiras e a gente lá há-de chegar. E quando lá chegar vamos fazer o mesmo que fizemos dez anos antes, e até depois as pessoas cansam-se de nós e vão lá pôr os outros, e esse é um dos dilemas portugueses.

Soluções? O que é que o Eng. Sócrates tem feito bem? Ele tem condições excepcionais de actividade política, tem uma maioria absoluta, tem uma oposição muito enfraquecida, aqui não é, enfraquecida objectivamente. Não tenho nada a ideia dos críticos do Dr. Marques Mendes que dizem que ele faz, não. A maioria das propostas que eles fazem do que se deveria fazer, é exactamente o que não se deveria fazer, portanto não é essa a questão.

Não adianta nada, exactamente afastarmo-nos numa tradição de demagogia, afastarmo-nos numa tradição de soluções fáceis, afastarmo-nos numa tradição de berraria, em grande parte porque somos contra, é muito positivo.

Agora nós temos que ter consciência que a influência social do Partido Social Democrata, nos sectores cruciais da sociedade, fora das autarquias, das universidades, nos sectores de ponta da sociedade portuguesa é muito escassa.

E isso é mau para um partido que precisa de fazer reformas de fundo e precisa ter apoios nos sectores mais dinâmicos da sociedade, e não tem.

Porque o nosso partido está-se a tornar um partido autárquico, cada vez mais as únicas fontes de poder local são autárquicas, e portanto tem uma intervenção nacional muito subordinada à acção parlamentar que hoje está muito degradada, e não temos de facto grandes instrumentos a não ser esperar que as coisas mudem.

Eu não me conformo com esta situação. Eu bem sei que muita gente não gosta que eu diga estas coisas, mas eu não penso que deva ser assim. Acho que é importante nós retomarmos um papel cívico na sociedade portuguesa, e para o retomarmos temos que mudar muito das nossas práticas, e dar atenção a coisas memos importância.

E, desse ponto de vista, esta universidade é uma iniciativa muito positiva, pelo menos as pessoas têm que estar a estudar, têm horários, aprendem uma coisa muito pouco portuguesa que é estar a trabalhar às dez horas, e grupos de trabalho e avaliação. Eu até acho que o elemento de avaliação até deve ser mais pensado nos anos seguintes, é evidente, se vocês querem ter um trabalho que realmente tenha resultados, tornem-no cada vez mais difícil ou pensam que o mundo lá fora não é difícil? O mundo lá fora é cada vez mais difícil! Tornem o vosso trabalho ainda mais complexo, mais difícil e mais exigente, se querem efectivamente terem um papel social acrescido.
 
Tiago Fonseca Machado
Boa noite, em nome do Grupo Castanho, gostaria de reiterar a satisfação que é acolher o Dr. Pacheco Pereira no nosso seio, ou seja, aqui nas Universidades de Verão.

Se me permitisse, antes de fazer duas pequenas perguntas, eu em relação à questão crítica e à posição crítica dos portugueses em relação à política e à vida em sociedade, eu acho que nós chegámos a um ponto em que o conformismo é tal, em que estamos numa época em que se compra tudo feito, praticamente, perdeu-se um pouco esse espírito crítico porque se calhar as pessoas estão numa fase da vida em que as preocupações estão viradas para um outro sentido, chegaram a um estado de satisfação, de auto-satisfação grande, e esse espírito crítico na minha opinião vai-se esbatendo e vai-se perdendo.

Daí que as nossas duas perguntas seriam no sentido de que, ainda que faça ou não sentido fazer ou pensar-se numa diferença entre esquerda e direita, será que hoje em dia as ideologias deveriam ser repensadas no sentido de se dirigirem para a resolução efectiva dos problemas das pessoas? E por outro lado, saber a sua opinião no sentido de quais são as verdadeiras diferenças no plano governativo entre o PS e o PSD? E será que ao longo dos anos que foram passando, desde o início da democracia representativa, se de facto essas diferenças entre o PS e o PSD se estão cada vez mais a esbater, se estão os dois partidos cada vez mais “unidos”, ou seja, estão cada vez menos diferentes e cada vez mais iguais?
 
Dr.Pacheco Pereira
A resposta à segunda questão é não, embora às vezes pareça que sim, mas é não.

Em relação à primeira, vamos lá a ver, a palavra ideologia também tem duzentos anos. As ideologias eram simples quando as sociedades eram simples. Nós não nos devemos sentir órfãos ideológicos, nós temos tradições ideológicas.

Agora a ideia de querer ter uma ideologia organizada que nos explique o conjunto da sociedade, é uma coisa do passado, porque as sociedades hoje têm um grau de complexidade tão grande, que de facto não cabem nas categorias ideológicas tradicionais, e é por isso que eu penso que há outras tradições políticas que nós devíamos estudar com mais cuidado.

Por exemplo, Popper num dos seus textos sobre política falava de uma coisa chamada Peace meal reformism, o conformismo pequeno pacote. Por exemplo, nós temos tendência a desvalorizar o papel que tem reformas avaliadas, nós podemos numa determinada matéria que é sugerir uma reforma e sugerir uma avaliação dessa reforma, e isso é, quer dizer substituir, substituir as grandes ideologias sistemáticas por uma análise mais pontual, mais pragmática, também não vejo nenhum inconveniente em utilizar essa palavra, mais voltada para o serviço público, para a noção do interesse público, dentro daquilo que é a conformidade com o nosso programa político e ideológico.

Nós não temos nenhuma orfandade ideológica. Se me perguntarem o que é que um social democrata, um social democrata no sentido de alguém que pertence ao Partido Social Democrata deve pensar sobre a natureza das coisas, deve prezar as liberdades. Deve prezar as liberdades. Mas não é em abstracto, é intensamente. Deve prezar as liberdades, deve ter uma noção de que a política não resolve tudo, e que portanto há dimensões humanas que estão para além da acção política, e deve centrar a acção política na criação de uma justiça social.

As pessoas podem dizer, mas a justiça social é.., não. Justiça social neste sentido, o Estado deve interferir em relação às desigualdades que o funcionamento da economia de mercado e da sociedade não consegue resolver.

Do ponto de vista programático, há aqui uma enorme diferença em relação ao PS, é uma diferença de fundo. O PS acredita que o que o Estado faz, faz melhor do que a sociedade. Os socialistas têm uma visão jacobina, da tradição histórica jacobina do funcionamento do Estado. No fundo, eles pensam que o Estado, e isso vê-se muito bem por exemplo, na justificação dos órgãos de comunicação social públicos. Porque é que eles são necessários? Porque eles têm uma espécie de qualidade e isenção por cima do funcionamento dos partidos e dos foques da sociedade, não é verdade.

Os socialistas caracterizam-se por ter exactamente uma ideia do Estado e do funcionamento do Estado de alguma maneira como sendo apolítico ou extra político, estando para além das partes, para além da divisão entre as partes da sociedade.

Nós não temos nenhum feiticismo do Estado, nós devemos usar o Estado efectivamente para aqueles que necessitam, se nós em vez de termos o Estado Social que temos hoje, tivéssemos um Estado Social efectivamente voltado para aqueles que precisam, ele era muito mais eficaz para aqueles que precisam, ao mesmo tempo que todos os outros poderiam viver muito melhor, e mais livres. Ora nós estamos, e aí há mil e uma diferenças! Muitas das quais são medidas políticas controversas, eu acho por exemplo que o Estado não deve interferir na área da Cultura, eu acho que com excepção da animação cultural, que é uma coisa que uma câmara pode fazer ou um ministério pode fazer, o Estado não deve por exemplo pagar a produção de cultura, é um absurdo! Se chegassem ao século XIX e dissessem a alguém que o Estado iria pagar a um romancista para escrever um romance, ou a um pintor para o pintar, as pessoas olhavam para vocês como se fossem ou caíssem de Marte!

No entanto, o que é que aconteceu nos últimos anos? Desapareceu o teatro que não é subsidiado. Há quarenta anos havia teatro comercialmente rentável em Lisboa e no Porto. Hoje não há. Hoje só há companhias subsidiadas em todo o país. Hoje há bolsas para escritores.

Porque é que eu insisto nisto? Vocês podem dizer: mas isto não é o mais importante? É. É que hoje as questões de carácter cultural e civilizacional ligadas à educação, ligadas à cultura, até em termos de pessoas envolvidas são às vezes muito mais importantes do que as voltadas para as tradições, por exemplo, da indústria clássica.

Na maioria das cidades europeias, há mais gente a trabalhar em actividades que nós podemos considerar cultural do que há às vezes… há mais gente a trabalhar em animação cultural na Holanda do que há a trabalhar no porto de Roterdão, que é o maior porto da Europa.

E se nós olharmos com atenção as sociedades como elas existem, nós vemos que de facto se criou essa infra-estrutura que é em grande parte dependente do Estado. Nós criámos sucessivamente mecanismos em que tudo, o futebol, a igreja, há trinta anos havia duas coisas em Portugal que eram independentes do Estado o futebol e a igreja, hoje verdadeiramente o futebol não é, nem que seja pelos mecanismos fiscais especiais, que são uma forma indirecta de subsidiação. E a igreja enfim, continua ainda a ter uma certa autonomia do Estado.

Portanto, nós estamos a assistir a um crescimento avassalador do Estado, e isso por exemplo, põe em causa a nossa liberdade individual.

Eu entendo que tem que se reavaliar o liberalismo, porque é uma palavra maldita, não tanto apenas no plano económico mas no plano politico-económico.

Reavaliar a economia, não em termos de economia pura mas em termos de economia política.

Um dos absurdos da sociedade contemporânea, é que quem define a política são os economistas.

Nós temos tantos chavões que nunca questionámos, o chavão por exemplo de que verdadeiramente a política deixou de ser importante porque é Bruxelas que decide tudo. É a Europa que decide tudo. Isto é um chavão.

Se nós formos analisar, nós continuamos a ter uma enorme margem de manobra em muitas coisas fundamentais, mesmo aquelas que achamos que é Bruxelas que decide.

A política europeia, quem é que discute hoje a política europeia? A nossa pertença na União Europeia é uma questão fundamental, estratégica do funcionamento, desde que se adiou o referendo, cuja discussão era já inquinada, mas enfim, desde que se adiou o referendo, deixou-se de discutir a política europeia.

Nós discutimos pouquíssimo política internacional, quando na realidade os problemas do terrorismo, da conflitualidade do Médio Oriente, são problemas portugueses, são problemas inteiramente portugueses, são problemas europeus e portugueses.

Por exemplo, o partido, não tem politicamente voz em matéria de política externa e política de defesa, uma voz própria, e precisava de ter, pode-se dizer, mas temos uma tradição de consenso com o PS, mas ninguém põem em causa a tradição de consenso com o PS, mais facilmente para ver como as coisas são diferentes, era muito mais fácil ter consenso com o actual ministro dos negócios estrangeiros do que com o anterior, para mostrar de facto que as coisas mudam.

Nós deixámos o ministro anterior conduzir uma política externa, parcialmente radicada nas suas opiniões pessoais, que nem corresponde sequer à tradição política do PS, é por isso que eu digo que as classificações de esquerda e direita são falsas.

Qual é o principal partido pró-americano em Portugal? Tradicionalmente sempre foi o PS. Foi o PS.

Portanto, será que eu posso dizer que a esquerda em Portugal é o principal baluarte da política pró-americana? Não. Tenho dificuldade em utilizar esses quadros.

Por isso, insisto, há um enorme manancial de questões. Dou o exemplo dos fogos, os fogos é uma matéria a sobre a qual há uma forte tradição de demagogia, e essencialmente do PS. Vamos ser claros, o ministro António Costa no Parlamento fez um festival de demagogia com os incêndios quando o governo era o Durão Barroso, nós nem nos nossos afloramentos de maior demagogia ficámos perto do que fez o Ministro António Costa quando estava no Parlamento. Mas, há um aspecto dos incêndios sobre os quais nós deveríamos estar a estudar, é que o ministro propôs um modelo para atacar os incêndios, que era o ataque nos primeiros quinze minutos, fizeram-se investimentos no sentido de colocar os homens e o pessoal, para atacar o incêndio na sua origem. Ora esse modelo falhou. Falhou porque foi mal aplicado ou falhou porque não é um bom modelo? Quem sabe? Ninguém, porque a gente não estuda.

Mas talvez se estudássemos um pouco esta questão, poderíamos estar a fazer críticas sérias que as pessoas que conhecem a matéria reconhecem como sérias, no Parlamento e fora do Parlamento. sobre a condução do Governo na matéria dos incêndios, e não estar sujeitos à propaganda. O que acontece é que nós somos as vítimas da propaganda também, sobre muitos aspectos.

A Ota, nós deixámos de acompanhar a questão. Já há sinais do Governo de mudar o sítio da Ota, o que é que nós dizemos sobre isso?

Mas a verdade é que há. Um deles foi na quadratura do círculo quando o Jorge Coelho que é suposto saber essas coisas disse “Vejam lá que se calhar às tantas não vai para a Ota”, ele não diz estas coisas de sua livre iniciativa, ele sabe alguma coisa. Nós não acompanhámos essa matéria e no entanto é uma matéria importante, porque os grandes projectos da Ota e do TGV vão ser o grande instrumento eleitoral nas vésperas de eleições, vão fazer investimentos maciços nas grandes obras públicas, que é o grande mecanismo pelo qual se garante uma paz social em véspera de eleições.

Como nós fizemos no passado. Como estão eles a fazer no presente.

E estes círculos como se repetem sempre, nós próprios também fizemos o mesmo no passado, não cortámos com esse passado, não estudámos a matéria, também não somos capazes de ir mais à frente nessa análise.
 
José Faustino
Boa noite a todos. Gostaria desde já em nome do Grupo Amarelo de saudar o Dr. Pacheco Pereira por estar presente nesta Universidade de Verão, e gostaria que me respondesse à seguinte pergunta, pergunta esta que já foi reformulada quatro vezes devido às suas respostas tão completas, e por isso espero que traga algo de novo a esta conferência.

É um facto que a esquerda e a direita, enquanto conceitos ideológicos estão desadequados à realidade dos dias de hoje. Daí, e de que forma com que argumentos podemos sensibilizar os jovens aderir a um partido, e qual o seu papel no mesmo, que sofre uma crise de identidade quanto aos seus valores e à sua missão, transformado numa escola de carreirismo político em vez de uma escola de participação cívica.

Obrigado.
 
Luis Palas
Em nome do Grupo Rosa queria dar as boas noites a todos, em particular ao nosso ilustre convidado ter aceite o facto de ter vindo aqui partilhar os seus ensinamentos.

Nós queríamos perguntar como é que analisa a evolução do chamado Bloco Central em Portugal e na Europa? E quais os partidos que fazem parte desse pote em Portugal e na Europa?

Obrigado, boa noite.
 
Dr.Pacheco Pereira
Eu respondendo à pergunta sobre o Bloco Central respondo também um pouco à questão que me colocou.

O Bloco Central é, ou foi historicamente em Portugal, e é noutros países a governação, portanto o facto de dois partidos que são normalmente partidos situados, para usar a classificação tradicional, entre o centro esquerda e o centro direita, que reflectem todo um vasto conjunto de interesses, não colocando esses interesses em causa, tendem a fundir-se no plano político nas soluções que apresentam. É uma noção táctica, não é uma noção com rigor, essa noção de Bloco Central.

Se nós entendermos Bloco Central como esta conjugação de interesses, eu já dei vários exemplos de como é que ele funciona, por exemplo, a utilização de investimentos em grandes obras públicas como mecanismo de reanimação do emprego em detrimento de outro tipo de investimentos, que corresponde a um outro tipo de modelo de desenvolvimento em Portugal onde o PS e o PSD historicamente tem unido os dois.

E isso pode-se falar de Bloco Central, os dois partidos não têm sabido deslocar os investimentos e os recursos do Estado, para outro tipo de investimentos que não sejam as grandes obras públicas. E é por isso que nós nunca conseguimos sair do ciclo das obras públicas. Repare, o Eng. Guterres, já ninguém se lembra, o Eng. Guterres criticou o Prof. Cavaco duramente pela política de betão. Quando ele próprio foi primeiro ministro, só fez política de betão, a pouca que fez, fez de betão.

E nós temos uma continuidade de políticas de betão. Podemos dizer: “Bom, Porquê?” Primeiro, porque há fortes interesses na construção civil, e a construção civil dá ao Estado e aos governos um elemento fundamental que é, garante o emprego de muita gente.

É certo que é um emprego desqualificado, é certo que, mas a verdade é que a construção civil tem esse papel simbólico para os governos.

Se nós chamarmos Bloco Central a essa fusão de interesses e essa política em relação de interesses que são próximos, então o Bloco Central existe na vida política portuguesa há muito tempo, que necessita de outro tipo de roturas.

Existe hoje um Bloco Central, por exemplo, sobre a televisão pública, o PSD que no tempo da direcção do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa defendia a privatização da televisão pública, hoje é a favor da manutenção da televisão pública.

Durão Barroso era a favor da televisão pública, Marques Mendes é a favor da televisão pública.

E isso faz com que as críticas sobre a questão do mecanismo comunicacional da comunicação do Estado sejam meramente sobre a governamentalização desse órgão, e não propriamente sobre questões de fundo sobre o papel da comunicação na sociedade portuguesa.

Portanto, há hoje na Europa não é só em Portugal, fortes pressões que vêm de um sistema de interesses complexo instalado, para que os partidos se entendam na não confrontação com esses interesses.

Eu entendo que se deve romper com essa situação e que de novo, estudando cada uma das questões em particular é possível romper com essa situação.

Mas esse bloco de interesses desloca-se também com o tempo. Eu há bocado dei o exemplo da questão da energia eólica, é evidente que nós sabemos que temos que reduzir a dependência das energias fósseis, nós sabemos isso, nós sabemos que a energia eólica tem imensas vantagens, mas a verdade é que exactamente quando o dinheiro começou a cair em cima das eólicas, e começou subitamente a cair muito dinheiro em cima das eólicas, as eólicas passaram a ser colocadas da mesma forma desordenada que nós conhecemos, da desordem urbanismo, da desordem e dos caos do ordenamento do território.

Aí está uma das coisas em que nós devíamos romper, nós devíamos exigir o cumprimento das regras, nós devíamos estar atentos a situações, para dar outra vez o exemplo da Ota, eu tenho um enorme catálogo, é possível fazer um enorme catálogo com questões, é claro que não estou aqui a fazer um programa de governo, mas há um enorme catálogo de questões.

Por exemplo, o partido devia-se perguntar, exactamente para escapar a esse mecanismo dos interesses centrais, qual a área dos terrenos à volta das grandes obras públicas como a Ota, que são terrenos agrícolas, e que todas as autarquias ali à volta se estão a preparar para transformar em terrenos urbanizados, muito para além da Ota.

Ora, mais uma fonte de caos no país. O sítio onde eu vivo é o concelho de Rio Maior, subitamente toda a gente compra terrenos. Que são de aptidão agrícola e são registados como terrenos agrícolas e a gente está mesmo a ver o que é que acontece, quando aparecer a OTA, estão muito longe da Ota, mas vamos ter a cidade de Lisboa, os subúrbios da cidade de Lisboa esticados até para além da Ota.

Está diante dos nossos olhos. Porque é que a gente não fala? Porque há sempre um militante local, há sempre um interesse, há sempre alguém que financiou, há sempre não sei quê, que é afectado também por este tipo de actividade.

Agora, como é que nós combatemos isto? Combatemos isto no plano da política e combatemos isto no plano institucional.

Eu por exemplo, há muito tempo que sou defensor que os executivos municipais devem ser monocolores, deve-se ter um mecanismo de reforço das assembleias municipais, mas acabar com os executivos municipais com pelouros dos partidos da oposição em todos, sem excepção. Gostava que alguém me desse um único exemplo de um município em que os nossos vereadores, ou ao contrário os do PS, porque o mesmo acontece também com as nossas câmaras, aceitando pelouros são capazes de conduzir uma oposição à maioria municipal. Não são.

Portanto todo o autarca que tem alguma capacidade entrega pelouros porque isso lhe garante que, e isto é um problema institucional, isto pode ser resolvido no plano institucional.

Este tipo de mecanismos de interesse, por exemplo, devem ser analisados desde as questões micro até às questões macro.

Por exemplo, a Assembleia da República do ponto de vista institucional só tem feito asneiras nos últimos anos. A legislação sobre o estatuto dos deputados continua a ser estritamente pontual e em função dos escândalos que aparecem na imprensa.

Verdadeiramente os casos mais escandalosos de incompatibilidades, não são abrangidos por qualquer regulamentação da comissão de ética, e reforça-se cada vez mais mecanismos de incompatibilidades cuja função é apenas degradar o pessoal político da Assembleia da República.

Diante dos nossos olhos! Nós próprios também… quer dizer, não percebo como é que é possível ser advogado do Estado, ou advogado de sectores privados que têm litígios ou conflitos com o Estado, e ser membro do Parlamento e nalguns casos ser membro da comissão cuja função é controlar e vigiar o Governo. Há muitas coisas no plano institucional que quebravam este bloco central!

Era nós termos uma comissão de ética com poder e independência dos partidos para poder efectivamente obrigar a impor um mecanismo de incompatibilidades substantivo, e não apenas abstracto e genérico.

Portanto há muitas questões no plano institucional! Nós por exemplo, devíamos lutar por uma alteração profunda do estatuto da oposição, eu já tenho dito isto, acho que uma coisa que nas negociações, porque os partidos da oposição têm sempre negociações com o Governo. Este estatuto da oposição que é de nossa responsabilidade, que é de nossa responsabilidade, é ideal para os governos. Os parlamentos morrem quando não exercem funções de vigilância dos governos. O papel dos parlamentos não é produzir legislação, os parlamentos modernos não produzem legislação, a não ser numa pequena parte, devem é estar equipados para controlar e vigiar o Governo, um ministro e um secretário de Estado deve em primeiro lugar ter medo do Parlamento, e não dos jornais. Portugal tem medo dos jornais, outros países têm medo dos jornais.

Devíamos fazer uma reforma profunda do Parlamento para lhe dar eficácia no controlo. Porque é que nós não fazemos? Porque temos medo depois de ir para o Governo e ter o parlamento também a funcionar contra o Governo, enquanto isto for assim não chegamos a lado nenhum.

E este tipo de mecanismos, sempre a dominação do mecanismo, mais importante do que ser de direita sabem qual é? Situação ou oposição, que é sempre, quando se está na oposição pensa-se como na oposição, quando se está no governo pensa-se como da situação. E nunca se muda nada assim.

E portanto, há aqui todo um conjunto de reformas estruturais e institucionais, e reformas de política, uma muito maior atenção à vida económica e social, aos interesses, aos negócios, nós temos essa obrigação, nós temos obrigação por exemplo, de ser um partido muito activo na luta contra a corrupção e não somos. Nem nós nem o PS!

A questão da corrupção é importantíssima na sociedade portuguesa, é um dos principais mecanismos de desprestígio da actuação política.

Como é que se combate a corrupção? Criando mecanismos que não a favoreçam.

Por exemplo este exemplo que eu vos dei de acabar com vereadores da oposição com pelouros, ou outra coisa ainda mais grave, que é a distribuição de lugares nas empresas municipalizadas à oposição, para a calar, quer dizer, criando efectivamente aí um bloco central, tudo isto devia ser: um partido está na oposição está na oposição. O que tem que exigir é instrumentos de vigilância da acção governativa.

Não tem que exigir se co-parte dos negócios do poder. Particularmente nas autarquias, e quem diz nas autarquias diz também depois a nível nacional, deve negociar, deve discutir, há questões de Estado que exigem entendimentos, mas deve querer manter a independência histórica da oposição. Como deve querer manter a independência em relação ao Presidente da República. Vamos ser claros. O Partido Social Democrata tem uma acção política, que como partido da oposição, não pode ser dependente da agenda do Presidente da República.

A agenda do Presidente da Republica tem a ver com o exercício da função e do cargo presidencial.

O Partido Social Democrata não pode raciocinar no que o Sr. Presidente da República gosta ou não gosta em relação a determinada matéria. Deve conduzir a sua oposição em relação ao seu próprio programa, em relação aos seus próprios objectivo. E mais, e deve exigir do Sr. Presidente da República, deste ou de qualquer outro, que respeite o estatuto da oposição. E que tenha em conta que a cooperação institucional com o Governo não implica a minimização da oposição.

Por exemplo, o Partido Social Democrata deve dizer ao Sr. Presidente da República, a este e a outros, que é muito importante garantir as alterações no estatuto da oposição, sob pena de não haver um parlamento activo e crítico.

Portanto há muitas questões que o Grupo Amarelo, o Grupo Cinzento, o Grupo Rosa, e o Castanho e outros fizeram que vão dar todas ao mesmo, nós não temos nenhum problema em fazer oposição, estudemos nós os dossiers, tenhamos uma atitude crítica, deixemos de estar preocupados com o emaranhado de interesses em que nós próprios nos emaranhamos, e sermos fiéis ao nosso programa, à sua génese e à acção política, a política é uma arte nobre, daí que ela não deve ser pervertida nem pelo populismo nem pela demagogia, nós devemos ser atentos a não ser demagogos nem populistas.

Mas, essa arte nobre cada vez mais exige conhecimento. A intuição, o carisma, são muito importantes, mas hoje há que conhecer a realidade nacional, há que conhecer os problemas, e ninguém nos facilita a vida se nós não o fizermos, ninguém pense que vai o Governo facilitar-nos a vida e dar os dossiers.

Nem ninguém conte que seja a imprensa a fazer por nós aquilo que nós não fizermos.

E isso é que é uma mudança de mentalidade que eu penso que é muito importante, para quando chegarmos, e mais, e assumirmos compromissos claros para quando da chegada ao poder, no papel, no papel. O papel é muito importante.

Exactamente para sermos capazes de pormos em ordem o nosso pensamento e assumirmos compromissos: nos impostos, na Segurança Social, e esses compromissos não devem ter em conta a popularidade.

Hoje, uma das mudanças importantes é que um partido que pareça sério ganha as eleições, impopulares que sejam as suas medidas. O problema é que nenhum parece sério.

Essa é que é a questão de fundo.

Façamos um esforço para parecer sérios.
 
Inês Rocheta Cassiano
Boa noite a todos, antes de mais gostaria de saudar a mesa em especial o nosso convidado o Dr. Pacheco Pereira, a quem gostaria de agradecer a sua presença aqui hoje.

Deixe-me dizer-lhe que é para nós muito gratificante poder ouvir as suas intervenções sobre os mais diversos temas, e por maioria de razão é com grande satisfação que podemos estar aqui hoje a interpelá-lo sobre esses mesmos temas.

A questão que o Grupo Bege gostaria de lhe colocar é a seguinte: nos últimos tempos tem-se ouvido falar muito sobre a necessidade de realizar uma reforma no sistema político português que permita entre outras coisas dar mais credibilidade à actuação política, e aproximar os eleitos dos eleitores.

O que eu gostaria de saber é se acha que essa reforma é ou não necessária, e se sim, se acha que a reforma é necessária que modelo é que defende para Portugal?

Obrigado.
 
Dr.Pacheco Pereira
Em relação à reforma do sistema político, nós temos alguns aspectos da nossa tradição que são importantes, e depois vamos ao livro, aos livros.

Não há em democracia nenhuma maneira, em democracia, vamos ser claros, os eleitores como se acham iguais aos eleitos, e bem, nunca os respeitam muito. Portanto não há milagres.

Nenhuma democracia… é o efeito da igualdade, agora diferenciam-nos, e são capazes de reconhecer qualidades a uns e a outros.

Há muita coisa que nós podíamos fazer do ponto de vista reformista, ou seja, sem fazer alterações drásticas no sistema político.

O nosso sistema político teve uma vantagem que hoje se transforma num mal. Quando em 1974 se começou a construir o nosso sistema político, o grande partido era o Partido Comunista, o grande partido organizado era o Partido Comunista, e então os dois partidos que se tinham que organizar para contrariar o Partido Comunista, o PS e o PSD, foram construídos a partir do Estado.

Ou seja, o Estado atribuiu uma hegemonia aos partidos, em grande parte para favorecer o crescimento rápido de alternativas políticas em relação ao Partido Comunista Português. Muito do nosso sistema político tem essa génese.

E compreende-se que tenha sido assim. Mas isso tem hoje um efeito perverso, muitos anos depois o que é que isto revela? Revela que os partidos têm uma hegemonia na vida política portuguesa muito acima da que deveriam ter.

Por exemplo, eu não veria mal que fosse possível a grupos de cidadãos apresentarem candidatos a deputados.

Eu acho que o controlo, o facto dos partidos terem o monopólio da representação política parlamentar tem efeitos perversos no dia de hoje.

Eu sou a favor de um sistema misto, eu não sou a favor de um sistema uninominal. Isto é por modas, primeiro a moda era o sistema de Honte para garantir a representação e o equilíbrio e tal, o sistema de Honte português era o mais avançado do mundo, por aí adiante, depois passou a moda, agora por moda toda a gente é a favor do sistema uninominal. É evidente que o sistema uninominal só há em Inglaterra, verdadeiramente só há em Inglaterra!

E em Inglaterra tem muitos efeitos perversos, que nós não analisamos, é verdade que o deputado está mais perto do povo, mas também é verdade que o deputado que esteja numa terra que tenha uma fábrica de armamento que vai ser fechada num plano de uma alteração de reforma, vota contra o seu Governo no que diz respeito à fábrica do armamento.

E portanto, a governabilidade do sistema é mais difícil do que é nos sistemas mistos ou nos sistemas com representação proporcional.

O queijo Limiano é um exemplo disso, o queijo Limiano é um exemplo disso. Questão aliás nunca inteiramente esclarecida.

Há muitas matérias aí que seria interessantes analisar, quem é que permitiu de facto a passagem daquele orçamento.

Nós temos que encontrar, aqui eu também acho que nós devemos fazer reformas no sentido de ir favorecendo maior participação dos cidadãos. Os partidos não querem, com é evidente. Mas eu acho que devem perder o monopólio da representação política. Acho que se deve combinar um sistema proporcional com um sistema partidário, mas também acho que é importante que se diferencie, ou se tem um sistema como o francês em que os deputados podem ser presidentes das câmaras, e o mecanismo das câmaras é muito diferente, para começar, do mecanismo português, ou então também é preciso evitar a autarcização do parlamento.

Ou seja, que o sistema de voto uninominal em determinados casos faça com que sejam os autarcas, os autarcas hoje têm muito poder em Portugal porque os partidos estão em crise. Como os autarcas podem distribuir beneces que os partidos a nível central não podem distribuir, os autarcas hoje têm um grande poder dentro dos partidos, que não tinham há vinte anos.

São fenómenos de mudança que não são necessariamente benéficos. É muito importante os autarcas, como é evidente, eu não estou a minimizar a importância dos autarcas, o que entendo é que os partidos devem ter um funcionamento político nacional muito para além dos autarcas, porque tem a ver com a governabilidade e com o Governo.

Portanto, há um conjunto de reformas no estatuto dos deputados, nas incompatibilidades, no funcionamento da Assembleia da República, no estatuto da oposição, que do meu ponto de vista têm que ser feitas em conjunto.

O nosso sistema político é a coisa mais misturada possível e imaginária.

O Dr. Fernando Nogueira cedeu às pressões quanto a uma série de coisas, lá meteu as leis da transparência, depois outro cedeu às pressões sobre não sei quê lá p+ôs outras coisas, agora houve o escândalo das faltas dos deputados, os deputados agora são tratados como meninos da escola, é tudo assim!

E é evidente, o PS, há um problema de incompatibilidades o PS faz aquela legislação absurda que evidentemente não se aplica aos deputados actuais, as mulheres têm uma actuação pequena na actuação política,o PS aprova-se legislação obrigando à chamada lei da paridade. Portanto o nosso sistema político é uma manta de retalhos, nós devíamos defender uma alteração estrutural e global do sistema político de maneira a que ele ganhe um equilíbrio diferente, que valorize o fim do monopólio da vida partidária, uma maior responsabilização dos eleitos, maiores condições para o Parlamento.

Portanto, a chave para uma vida política saudável, se quisermos, numa única questão, é que o Parlamento fosse o instrumento de vigilância do Governo, porque nós temos um poder desequilibrado, o Parlamento não exerce as suas funções. A realidade é esta, o Parlamento não exerce as suas funções. Portanto, o Governo não tem medo do Parlamento. E não é o problema dos debates, porque os debates é de quem for mais hábil ou de quem tiver melhores condições, é essencialmente um problema estrutural.

O Parlamento devia ter, como não tem acesso à informação governativa, como não tem os especialistas, devia ter pessoal político treinado por exemplo, mas o que é que acontece no Parlamento? Todos nós sabemos o que é, os recrutamentos dos assessores são feitos por razões políticas, o pessoal em muitos casos é politizado, e o que é que acontece? Mesmo o pessoal do próprio Parlamento.

Os funcionários dos grupos parlamentares passam para a estrutura do Parlamento, e isso significa que em matérias cruciais de economia, segurança social, educação, o parlamento não tem nenhuma capacidade de competir com o Governo.

Há áreas completamente desertificadas no Parlamento Português, a educação por exemplo, a cultura, completamente desertificadas. E em que é muito difícil fazer uma intervenção política sistemática.

Quanto ao livro, nunca há um livro só, a primeira recomendação é que as pessoas devem ler muito mais do que no que lêem. Muito mais do que o que lêem.

Infelizmente nós estamos num período de… e devem ler, e se me perguntam sempre o que é que devem ler, devem ler aquilo que uma pessoa culta no início do século XXI deve conhecer.

Deve conhecer a Bíblia, deve conhecer o Mero, deve conhecer o D. Quixote, Deve conhecer o Thomas Mann, deve conhecer o Proust, não se é culto sem isso, eu bem sei que a maioria das pessoas não leu nada destas coisas, e pode achar que isto é excessivo, não se é culto sem isto, sem se ler o Tolstoy e Guerra e Paz, não se é culto sem isto.

Eu fico-me nesta. Não é a ler os livrinhos de política que saem e que são anunciados agora, nem umas coisinhas de História, nem isso.

O nosso problema é um problema estrutural, uma pessoa culta no início do Século XXI não tem que conhecer cem livros, mas tem que conhecer dez. E a maioria das pessoas não conhece os dez. E portanto enquanto não conhecer os dez não tem sentido recomendar livro nenhum. Eu podia dizer, vale a pena, é obrigatório ler os grandes livros polémicos da realidade, os livros polémicos da política dos últimos anos internacional, é o livro do Huntington sobre O Choque das Civilizações, do Fukuyama sobre o Fim da História, porque as pessoas só conhecem os títulos, e é tudo muito bonito mas o Fim da História, toda a gente diz “A História? A História não acabou e tal…” , mas o Fim da História do que ele fala é da história hegeliana, com H grande, e essa de facto acabou. Não é a História!

O choque das civilizações é uma coisa mais complexa do que o título, senão também não tinha o papel que tinha. Para se perceber os atentados de Bombay, na Índia, também tem que se perceber a tese não se precisa de concordar, precisa-se de se ler, é necessário ler, de facto é necessário ler vinte, trinta livros, e sem isso nenhum livro, nenhum jornal, nenhuma Internet resolve o problema da cultura.

Portanto o meu apelo é leiam mais, leiam mais literatura, porque senão não sabem como são os sentimentos humanos, quer dizer, vamos lá a ver, nós não aprendemos espontaneamente, a gente tem a convicção que isto se aprende espontaneamente, uma pessoa namora, sabe umas coisas, tem lá umas reuniões, e acha que aprende política por osmose. Não se aprende nada por osmose, a não ser que se viva no meio de um círculo intelectual genial com o Wikenstein, e o Einstein, e o Freud, não se aprende por osmose. Só se aprende lendo e trabalhando. Sem ler e trabalhar não se aprende. E como hoje infelizmente se lê cada vez menos, se lê cada vez menos os clássicos, a cultura tornou-se muito superficial, tornou-se a cultura da actualidade.

E vocês para serem bons em tudo, sejam como engenheiros, seja como advogados, seja como médicos, sem terem um fundamento cultural mínimo serão sempre pessoas pobres. Hoje a exclusão verdadeira mais do que a exclusão económica é a exclusão cultural. E nós estamos a caminhar para sociedades em que os novos mecanismos de exclusão são cada vez mais culturais, já se vê com a Internet, com a rede, as exclusões fazem-se noutro tipo de mecanismos, não nos mecanismos tradicionais.
 
Dep. Carlos Coelho
Dr. Pacheco Pereira nós temos uma tradição que é a de dar a última palavra ao nosso convidado, eu não torno a usar este microfone senão para chamar os últimos três grupos, e portanto é este o momento para lhe agradecer uma vez mais a sua vinda aqui, e para recordar aos coordenadores que a seguir ao termo deste jantar nós temos uma reunião de preparação da assembleia de sábado. Os coordenadores reúnem na sala lá de baixo logo a seguir ao fim do jantar. Os coordenadores de todos os grupos e naturalmente também, os conselheiros e os avaliadores.

Vamos fazer um bloco das últimas três questões para o nosso convidado o Dr. Pacheco Pereira, e o primeiro dos três últimos grupos é o Gonçalo Lagos do Grupo Encarnado.
 
Gonçalo Lagos
Muito boa noite. A pergunta que sugerimos já foi abordada na sua exposição introdutória, assim no seu entender qual é a influência da globalização na dicotomia direita/esquerda?

Muito obrigado.
 
Rui Monteiro
Boa noite a todos, gostaria de felicitar os colegas da Universidade de Verão, gostaria de felicitar a mesa, gostaria de cumprimentar e agradecer ao Dr. Carlos Coelho por esta magnífica iniciativa da Universidade de Verão e de felicitar muito especialmente a vinda do Dr. Pacheco Pereira aqui a esta iniciativa da Universidade de Verão, e a pergunta que lhe vou fazer é a seguinte; sabendo que a maioria do eleitorado português é de esquerda, e que se verifica que na vida política do nosso país existe também uma maioria de partidos de esquerda, em relação aos partidos de direita que vantagens pode a esquerda ter em estar tão fragmentada em vez de enveredar por uma plataforma única tendo como bastião o Partido Socialista?

Boa noite, obrigado.
 
Rui Saraiva
Boa noite. Em nome do Grupo Roxo queria saudar a presença do Dr. Pacheco Pereira e também saudar o Dr. Carlos Coelho e toda a equipa da Universidade de Verão, que tem sido um exemplo de dedicação e de competência para nós da JSD.

Uma das perguntas que nós tínhamos era se faz sentido falar numa nova Constituição da República tendo em conta o background ideológico de esquerda da actual Constituição?
 
Dr.Pacheco Pereira
Em relação à última pergunta é rápido, quer dizer, faz e não faz, faz sentido falar porque de facto Constituição tem muitos aspectos que não são hoje consensuais, o intróito, o preâmbulo, e muitos outros aspectos que são programáticos da Constituição, o que não faz sentido é transformar isso na questão central da vida política portuguesa.

Eu acho que nós devemos lutar por mudanças profundas da Constituição mas não devemos achar que os problemas são todos eles de génese, ou a maioria deles de génese constitucional.

Em relação à pergunta da esquerda, porque é que não se unem?

Há um partido que defende essa solução que é o PUS, o Partido da Unidade Socialista, constituído por poucas pessoas, mas essa concepção de unidade da esquerda não é dos socialistas é dos comunistas, os comunistas é que em determinados sítios onde tinham o poder de estado como na República Democrática Alemã, impuseram a fusão dos partidos socialistas com os partidos comunistas, o partido comunista da RDA é resultado de uma fusão fictícia entre socialistas e comunistas.

As sociedades democráticas têm partidos, partidos no sentido entre aspas, aliás numa resposta até pedi para porem aspas, sou seja as pessoas dividem-se por factores de opinião, e essas divisões têm alguma estruturação, têm pontos comuns, mas essas divisões têm também diferenças importantes, e essas diferenças são fáceis de identificar, o Partido Comunista defende uma sociedade que corresponde a uma sociedade colectivista, assente num grupo social, numa classe social que é a classe operária, assente no fim da propriedade privada, assente no predomínio do Estado e do fundo aquilo que com mais ou menos nuances o Partido Comunista mantém a ideia clássica de uma sociedade sem classes so modelo marxista-leninista.

Reparem que o Partido Comunista abandonou a expressão Ditadura do Proletariado por razões puramente tácticas, nunca disse que a abandonou por razões de fundo, abandonou por razões meramente tácticas. É um documento que foi aprovado ainda no tempo do Álvaro Cunhal.

O que é que se passa hoje nos partidos é outra coisa, que acontece no Partido Social Democrata e com o Partido Socialista, é que a sociedade de massas, de que eu falei há bocado de passagem, tem um efeito, as pessoas determinam as suas opiniões sociais não tanto pelo seu lugar na produção, mas sim pelas suas aspirações de consumo, isso é uma enorme transformação do século XX, que corresponde à hegemonia do sector terciário sobre o sector primário e secundário.

O que é que acontece? Acontece que hoje não é mais importante se operário ou trabalhador, ou motorista da Carris, ou empregado bancário, ou professor, e não é o lugar na produção que constrói a identidade social, é muito mais o sistema de expectativas de consumo.

E é por isso que se perderam as identidades sociais clássicas. E eu às vezes dizia na brincadeira quando dava aulas sobre História do movimento operário, o Partido Comunista Francês acabou no momento em que os operários passaram a beber whisky em vez de vinho tinto. Isto é uma metáfora mas isto é uma realidade, de facto.

Ou se quiserem quando os operários do Barreiro, o Partido Comunista Português entrou em crise quando os operários do Barreiro passaram a beber cerveja ou whisky, e não vinho tinto.

Porquê? O vinho tinto é uma metáfora da sociedade tradicional, que de alguma maneira correspondia ao modelo dos partidos comunistas nacionalistas, defensores das produções nacionais, o Partido Comunista Francês em particular, o pão francês, o trigo francês, o vinho francês, que em Portugal também existia, é uma espécie de reverso do mundo do salazarismo.

Quando as pessoas deixaram de achar que ser operário na Lisnave ou ser operário na Auto Europa, é menos importante em função daquilo que eles querem para a vida dos seus filhos, para as suas férias, para a sua casa, são as expectativas de consumo que geram a opinião, é aí que há diferenciações sociais.

Por exemplo as revistas cor-de-rosa vivem destes mecanismos de expectativas sociais. É muito interessante verificar que tipo de discurso narrativo é que elas oferecem às pessoas.

Portanto, deixou de ser possível fazer política com partidos de trabalhadores ou com partidos de empregados ou partidos, os partidos que passaram a ser de todos, inter classistas, como dizia o Dr. Mário Soares.

O PS é inter classista, isso é uma realidade, na verdade  é inter classista. É verdade também que não é tão inter classista como isso, nem o nosso, nem o PS nem o PC, de facto por exemplo, a maioria dos trabalhadores rurais vota, nas zonas do Alentejo, Ribatejo, que é uma parte importante dos trabalhadores rurais porque, não são muitos, os mais velhos votam no Partido Comunista Português. O que também se compreende, porque é de alguma maneira um partido que através essencialmente das autarquias deu-lhes alguma coisa que os outros governos não tiveram capacidade para dar.

Portanto há aqui um complexo jogo entre expectativas sociais e interesses sociais. E este jogo muda muito na sociedade portuguesa, quando eu disse há bocado os self made man deixaram de se reconhecer no PSD, é porque em parte os self made man mudaram, os que lá estavam antes tornaram-se man, deixaram de ser self made, os actuais têm expectativas e exigências diferentes.

E é por isso que o partido deve dar atenção aos sectores mais dinâmicos da sociedade, porque eles não estão necessariamente onde estavam antes, estão em certos sectores dos empresários, sem dúvida, dos jovens empresários, estão em certos sectores estudantis,  é verdade em certos grupos sociais, estão em certos sectores da cultura, estão em certos sectores das populações urbanas.

Ora, esta realidade nós lidamos mal com ela, porque não soubemos fazer a transição entre os anteriores e estes, e isso impede-nos, porque se nós não tivermos capacidade de representação desses sectores mais dinâmicos, quando quisermos fazer reformas não temos ninguém para as apoiar.

Que é um problema complicado na vida política.

Globalização. Um dos primeiros textos interessantes sobre a globalização foi escrito por Karl Marx, imaginem. Karl Marx tem um elogio das canhoneiras inglesas e americanas que a tiro obrigaram a China e o Japão a entrarem no sistema de comércio mundial. Ou seja, algo que nós hoje reconheceríamos como precursor do processo de globalização.

A criação de um sistema mundial de comércio.

A globalização é um fenómeno inevitável, é o resultado da conjugação da revolução da informação, da circulação da informação, da circulação do dinheiro por meios informáticos, é o resultado do crescimento sucessivo do mercado mundial, e é o resultado também, de pela primeira vez nós hoje teros uma Terra relativamente unida. Em que os padrões de consumo, os padrões de coiso, são muito semelhantes.

Resistência contra a globalização não tem qualquer espécie de sentido, do meu ponto de vista.

Um ponto de vista absurdo é a excepção cultural francesa. Os franceses, por exemplo, não vêem filmes americanos nos horários nobres da televisão francesa, têm limites à exibição dos filmes, por exemplo. Têm limites, por exemplo estão num conflito com o ipod, que evidentemente… e qual é o preço que eles pagam?

Já ninguém se lembra do Minitel? Vocês fazem ideia do que era o Minitel? A França foi o primeiro país da Europa a ter um sistema informático caseiro, doméstico, que era o Minitel, era uma caixinha com um computador, era um pequeno computador que se ligava pelo telefone, e a gente podia marcar bilhetes e tal, fazer aquelas coisas todas. E os franceses queriam ter o Minitel. O Minitel atrasou a entrada da França na Internet como devem imaginar, bastante tempo.

Outra coisa por exemplo, é o chauvinismo cultural, quem é que alguma vez no google, quantos de vocês no google, que precisam de um software e põem lá logiciel? Ou precisam de um computador e põem lá ordinateur? Ninguém.

Mas os franceses têm legislação obrigando os franceses a utilizar a expressão logiciel para software, ordinateur para computador, courrier eletronique para e mail, exactamente porque eles pensam que a legislação protege a França da competição internacional. Resultado, perderam um papel dinâmico de motor internacional das comunicações associadas ao software, aos computadores e a estas coisas.

E portanto, e nós sabemos isso, quem é que alguma vez procura um logicien? Eu acho que nem os franceses.

Portanto a globalização, que de facto tem uma língua dominante que é o inglês, eu não me dou mal com isso, gosto muito do português, gosto muito de muitas línguas, muito do árabe, gosto muito do alemão, mas nós temos que perceber que há determinado tipo de funções que algumas línguas vão ter.

Há determinado tipo de funções que uma cultura de massas internacional vai ter, através da televisão. Nós temos que aprender a viver com isso.

E vivendo com isso, sermos capazes de perceber que a pluralidade das identidades é também um fenómeno global.

E portanto, o mundo global é mais difícil, é mais árduo, é mais competitivo, qual é o mal? Mas qual é o mal?

Nós temos tido sempre uma coisa pequenina, uma obsessão pequenina, temos medo da competição, temos medo dos mercados abertos, temos medo do mundo. Os melhores dos portugueses são exactamente quem não tem esses medos. Não pode ter esse medo.

Quando nós conhecemos bem instituições internacionais, o Carlos Coelho conhece bem e eu também o Parlamento Europeu, nós sabemos perfeitamente que a diferença não está em sermos portugueses, embora evidentemente, depois há aquelas polémicas tradicionais entre os amigos da pescas e os amigos do peixe, a gente lá vai defender os amigos da pesca, e os nórdicos defendem os amigos do peixe, e temos aqueles conflitos que têm também a ver com interesses nacionais.

Mas na verdade, pessoas qualificadas em Portugal são pessoas qualificadas em qualquer sítio do mundo.

Portanto, como esta é a última pergunta, eu só gostaria de dizer, compreendam uma coisa, eu não tenho nenhum feitio para ser paternalista nem nada, mas toda a gente precisa de ler mais, toda a gente precisa de ler melhor, toda a gente precisa de perceber que a exigência, a qualidade, o rigor são muito difíceis de obter, não basta, é bom esta Universidade de Verão, mas é bom que vocês durante o ano todo percebam que há exigência face a nós próprios se não, não valemos nada, continuamos a ser medíocres, porque nós sermos medíocres não temos que fazer muito trabalho. Já somos em muitas coisa. Não temos que fazer muito trabalho, é o remediado, o português, nós somos o remediado.

E como vimos de uma grande pobreza achamos que ser remediados é bom. Mas não é. Hoje não dá ser remediado.

E portanto, se há esforço que é preciso fazer, e aqui seja a JSD seja o PSD, seja cada um de nós individualmente, a exigência de rigor, de esforço, de dureza no trabalho, de muito maior atenção às coisas, muito maior conhecimento, de uma insatisfação permanente, é muito mais importante do que as emoções políticas à flor da pele, que a gente valoriza muito porque tem uma cultura de facilidade.

Vivemos o intuitivo, pagámos caro essa história do intuitivo. O intuitivo não é nada, a gente só consegue retomar o nosso papel na vida política portuguesa sendo melhores do que os outros, mais exigentes, mais esforçados, melhores quadros, melhor conhecimento da realidade do país, mais estudo, melhores interlocutores, e não propriamente milagres.

Milagres meus caros amigos, só dão para quatro anos, ao fim de quatro anos continuamos sistematicamente, que também estão à espera do milagre, e como continuamos continuadamente à espera do milagre e a ter uma coisa que me dói a mim e penso que nos dói a todos, que é um dos países mais atrasados da Europa.

Não vamos disfarçar! É! E então daqui para fora é!

É a Europa face aos Estados Unidos e face ao resto do mundo e é Portugal em relação à Europa. E isso de facto deve ser uma fonte de grande insatisfação.

Bom, bons trabalhos, obrigado pelo convite que me fizeram.